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Um sóbrio recuo: em dez anos, consumo de álcool na Rússia cai quase 40%

No país da vodca, os hábitos foram alterados por políticas do governo de Vladimir Putin — que não bebe. Sucesso parcial pode ser replicado no Brasil

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 jan 2021, 13h51 - Publicado em 11 out 2019, 06h00
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VESTIBULAR – Stalin: seus assessores passavam pelo obrigatório teste das madrugadas regadas a vodca (reprodução/Reprodução)

Na Rússia, a vodca foi sempre uma religião, um regime político e um estado de espírito — além de, ou especialmente, um problema de saúde pública. Em meados dos anos 2000, a expectativa de vida média dos russos era de apenas 60 anos, próxima à do Haiti, resultado atribuído, sobretudo, ao descontrolado consumo de álcool. Melhorou um pouco, hoje chega a 72 anos — dado estatístico espremido entre Bangladesh e Venezuela. No Brasil, vive-se até os 75 anos. Em Hong Kong e Japão, os líderes de sobrevivência, o pico final é de 84 anos.

O destilado à base de cereais ultrapassava todas as barreiras ideológicas — o derradeiro czar, Nicolau II, vangloriava-se de encher a cara; Stalin escolhia seus mais próximos assessores depois de maratonas noturnas nas quais era proibido pousar os copos na mesa. Mikhail Gorbachev deu de aplicar a perestroika aos beberrões, movimento que acelerou o colapso do comunismo: em 1985, ele restringiu a venda de bebida alcoólica aos trabalhadores, que abandonavam as linhas de montagem com muita frequência e precocemente. Como os impostos sobre a vodca representavam um quarto de todo o Orçamento soviético, o resultado foi uma queda acelerada nas receitas do governo. O Kremlin tentou tapar buraco imprimindo mais dinheiro, atalho para a hiperinflação e a crise final dos filhos de Lênin. Veio o rosto vermelhão e inchado de Boris Ieltsin, e vache zdoróvie, “à sua saúde”, quase uma contradição em termos.

Quem teria coragem de mexer com a vodca? O czar moderno Vladimir Putin teve — e, dizem as más línguas, ele não bebe. A novidade: um recente levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou o improvável: de 2005 a 2016, o consumo de álcool per capita caiu de 18,7 litros para 11,7 litros anuais, uma subtração de quase 40%. A diferença é do tamanho da ingestão alcoólica dos brasileiros, atualmente na casa dos 7,8 litros a cada doze meses. Mas, afinal de contas, qual foi o milagre? Políticas de governo destinadas a alterar os hábitos. A Rússia definiu um preço mínimo lá em cima para a vodca e outros destilados, como acontece com o cigarro no Brasil. Aumentou gradativamente o imposto sobre bebidas alcoólicas. Proibiu o consumo de álcool na rua e a venda entre as 23 e as 8 horas e determinou restrições de publicidade e propaganda. Deu certo, especialmente com a vodca — mas em grau menor com a cerveja e o vinho. Ressalve-se que até 2013 a cerveja nem era considerada bebida alcoólica na Rússia, condição que a fez popularíssima e, como consequência, perigosa.

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VERMELHOS – Em frente ao Kremlin: a bebida como um traço cultural russo (Dmitry Kostyukov/AFP)

O movimento russo, bem-sucedido, impõe uma indagação: funcionaria no Brasil? Em parte, sim, e há bons exemplos. A Lei Seca imposta aos motoristas a partir de 2008 evitou pelo menos 41 000 mortes no trânsito ao longo de dez anos, com queda de 15% no número de fatalidades. Numa boa repercussão paralela, o consumo per capita de bebida no cotidiano também caiu, 11%. “Em comparação com a Rússia, nossas iniciativas são menos robustas, mas igualmente positivas e definitivas”, diz o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. Para Pedro de Paula, diretor da Vital Strategies Brasil, organização privada de apoio a estruturas governamentais, “limitar a oferta e dificultar o acesso são iniciativas comprovadamente eficazes”. Sem dúvida, porém a atenção precisa ser permanente — houve, sim, queda no consumo contumaz de álcool no Brasil, mas nos últimos seis anos aumentou em assustadores 53% o hábito de beber pesado de maneira episódica, comum entre os jovens, notícia especialmente preocupante, que pede sobriedade.

Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656

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