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Um ano após proibição dos emagrecedores, pacientes continuam sem alternativas para perder peso

Após a retirada do femproporex, anfepramona e mazindol das farmácias, o consumo de medicamentos 'off label' aumentou. E cresceu o número de pacientes que, sem tratamento adequado, ganharam peso

Por Aretha Yarak
1 out 2012, 07h25

No próximo dia 4 de outubro, a proibição da venda dos derivados de anfetamina no Brasil completa um ano. A decisão da diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) retirou definitivamente das farmácias os remédios femproporex, anfepramona e mazindol, usados no tratamento da obesidade. Sessenta dias após o anúncio, em janeiro de 2012, as drogas tiveram de desaparecer das farmácias. “Não há nenhuma perspectiva de que esses remédios retornem ao mercado. Essa discussão foi encerrada”, diz Dirceu Barbano, presidente da Anvisa, em entrevista ao site de VEJA. Com o tratamento interrompido, milhares de brasileiros viram o ponteiro da balança ir cada vez mais longe nos últimos nove meses. A obesidade, uma doença crônica que está virando uma epidemia no mundo todo, voltou a assombrar pacientes que não conseguem emagrecer com a combinação de dieta e exercícios físicos. Para muitos deles, o único medicamento do mercado especificamente destinado a esse fim – a sibutramina, um anorexígeno que não tem anfetamina em sua fórmula – não é eficaz. Com os quilos a mais, doenças que andavam controladas ou nem existiam acabaram voltando à tona – como diabetes e hipertensão.

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OBESIDADE

A obesidade é definida como uma doença crônica multifatorial, já que pode ser causada por fatores genéticos, ambientais e até medicamentosos. A doença pode desencadear outras condições de saúde, como problemas de articulação, de pressão arterial, diabetes e alguns cânceres. São considerados obesos pacientes que têm IMC maior que 30 – aqueles com peso ideal têm IMC de 18,5 a 24,9; com sobrepeso, de 25 a 29,9 (calcule aqui o seu IMC). Dados do Ministério da Saúde apontam que quase metade da população brasileira está acima do peso. Em 2006, 42,7% dos brasileiros estavam com sobrepeso, proporção que aumentou para 48,5% em 2011 – a proporção de obesos aumentou de 11,4% para 15,8%.

A epidemia de obesidade não é, no entanto, uma exclusividade nacional. Países da Europa e os Estados Unidos também sofrem com um crescimento vertiginoso nos ponteiros da balança. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência da doença triplicou na maioria dos países do continente velho desde a década de 1980. Na Europa, os derivados de anfetamina e a sibutramina estão proibidos. Já nos Estados Unidos, onde um terço da população adulta é obesa, as drogas dietilpropiona, benzithatamine, phendimeprazine, desoxim e dexitrina continuam sendo comercializadas.

Esse é o caso da curitibana Jaqueline Silva, de 47 anos. Quando engravidou, aos 26 anos, Jaqueline engordou 25 quilos. A luta contra a balança, que já se arrastava há alguns anos, piorou. Antes da gestação, seu índice de massa corporal (IMC) era 27, o que já indicava que ela estava com sobrepeso – eram 72 quilos para 1,62 metro de altura. Com os quilos a mais, o IMC pulou para 37 (o que indica obesidade mórbida) e a deixou em desespero. “Tentei de tudo por meses, mas não conseguia emagrecer por nada”, diz. A solução veio depois de uma consulta ao endocrinologista e uma bateria de exames. Jaqueline tomou por seis meses amfepramona – combinada com exercícios físicos e dieta – e chegou aos 55 quilos. Depois disso, ela voltou a engravidar e a estabelecer, com a ajuda do medicamento, seu peso em torno dos 60 quilos. Desde a proibição da amfepramona, Jaqueline já engordou oito quilos, passou a vestir a numeração 44 (antes era 38) e viu sua saúde despencar. “Minha taxa de triglicerídeos [tipo de gordura que em alta concentração é prejudicial], que sempre foi menor que 100, passou para 180. Estou com uma lesão no menisco, por causa do peso, e preciso emagrecer para não me machucar mais.”

Jaqueline, infelizmente, não está sozinha. Após a proibição da venda dos anfetamínicos, endocrinologistas consultados por VEJA afirmam que pacientes que estavam conseguindo controlar seu peso voltaram a engordar. “Há casos de pacientes que ganharam muito peso no péríodo de três a cinco meses”, diz Durval Ribas Filho, médico nutrólogo e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

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O tratamento medicamentoso não faz milagres – tampouco é recomendado a todos os pacientes. Dados disponíveis sobre a sibutramina, por exemplo, mostram que ela é receitada a uma parcela pequena dos obesos. “Pelos dados da Anvisa, em 2010, 1,7% dos obesos brasileiros recebram indicação de sibutramina. Esse número é muito pequeno, significa que os medicamentos não fazem parte do tratamento rotineiro”, diz Ricardo Meirelles, ex-presidente da SBEM e membro do grupo médico que defendeu a permanência dos anorexígenos durante as reuniões com a Anvisa.

Para um certo perfil de paciente, contudo, o uso de remédios é a única saída. Ele é indicado para pessoas obesas (IMC maior que 30) ou que tenham sobrepeso mais alguma doença associada, e que não tenham histórico de problema cardiovascular ou de condição psiquiátrica importante. “Quando a perda de peso com dieta e exercícios físicos não funcionam, há a indicação para o início do tratamento farmacológico”, diz Airton Golbert, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Orientações da diretriz da SBEM afirmam que a perda de peso já é eficaz quando ela é igual ou maior a 1% do peso corporal por mês. Emagrecer de 5% a 10% do peso inicial já traz benefícios e reduz riscos de desenvolver diabetes e problemas cardiovasculares.

Após o anúncio da proibição pela Anvisa, o Ministério Público Federal de Goiás abriu inquérito sobre a decisão da agência. De acordo com Ailton Benedito de Souza, procurador responsável pelo inquérito, a ação judicial foi ajuizada no dia 2 de agosto deste ano. “Agora a Anvisa tem 60 dias para contestar. Depois disso, o juiz dá o seu parecer final”, diz Souza. Na ação pública foi alegado que os medicamentos já estavam no mercado há décadas e que faziam parte de uma rotina dos pacientes. Ainda no âmbito público, está agendada uma audiência pública para o dia 9 de outubro pela Comissão de Seguridade Social e Família, na Câmara dos Deputados, com a finalidade de discutir a decisão final da Anvisa.

Dirceu Barbano, presidente da Anvisa

“A Anvisa não vai retomar essa conversa. Isso é assunto do passado. A classe médica foi ouvida, sim. Tivemos um ano e meio de discussão, eles participaram ativamente. A única questão é que a opinião deles, que tem interesse visível na permanência desses produtos no mercado, não foi a que prevaleceu.”

Leia a entrevista completa com Dirceu Barbano

Off label Com a proibição dos derivados de anfetamina do mercado, entraram em cena com força o topiramato, a bupropiona e a liraglutida. Nenhum desses três medicamentos é aprovado para o tratamento da obesidade. A indicação oficial do topiramato é para casos de enxaqueca e epilepsia; a bupropiona, um antidepressivo usado para combater o vício em cigarros; já a liraglutida – conhecida por seu nome comercial, Victoza – é usada no tratamento do diabetes. Essa drogas, no entanto, têm sido receitadas para o tratamento da obesidade numa prática chamada off label. Em outras palavras, elas ganham outras finalidades que não aquelas previstas em bula. Em alguns pacientes, esses três remédios podem ter a mesma função dos anorexígenos: ajudar na perda de peso.

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De acordo com a endocrinologista Nina Rosa Castro Musolino, presidente da regional de São Paulo da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), quando o paciente não consegue emagrecer com dieta e exercício, e não responde à sibutramina, uma opção é o uso off label. O problema, no entanto, é que uma boa parte das pessoas não responde bem a esses medicamentos. “Com o topiramato minha cabeça parece que ficava oca. Eu me esquecia de muita coisa e me prejudiquei no trabalho”, diz Andréa Stabinski, 41 anos. A assistente de importação tem problema com o peso desde os 18 anos. Antes da proibição pela Anvisa, ela contava com a ajuda da amfepramona para controlar seu peso. Hoje, a opção pelo off label foi a única saída que encontrou depois que seu IMC chegou a 31. “Tinha 80 quilos no ano passado, estava no processo de emagrecer. Agora estou com 94 quilos.”

Segundo os endocrinologistas consultados pela reportagem, a prescrição de todos esses medicamentos off label têm aumentado nos últimos meses. “Conforme se tem menos recursos, você começa a usar aquilo que tem em mãos. O que não pode acontecer é você não tratar o paciente”, diz Ricardo Meirelles.

Dados inéditos do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) confirmam a tendência que tem surgido dentro dos consultórios. De outubro de 2011, época do anúncio da proibição dos anorexígenos a agosto de 2012, as vendas da bupropiona passaram de 130.492 caixas para 153.489; do topiramato, de 117.360 para 154.024; e do Victoza, de 35.087 para 49.965. “O aumento na prescrição do topiramato pode ter sido influenciado sim pelo uso off label, porque coincide com a aprovação pelos Estados Unidos do Qsymia [anticonvulsivo que aumenta a sensação de saciedade]”, diz Ricardo Meirelles. De acordo com o especialista, a aprovação americana da droga à base de topiramato foi feita levando em conta estudos clínicos que compravam sua eficácia no emagrecimento.

Sibutramina – “Pensei que ia morrer”, diz Doroti Anholeto, 55 anos. Depois de quase três décadas de briga com a balança, sempre contando com a ajuda da amfepramona, a paulista se viu obrigada a tomar a sibutramina. Hoje com 86 quilos e um IMC de 34, Doroti não se adaptou à droga: as palpitações cardíacas foram fortes demais. “Não consigo emagrecer, estou cada vez mais gorda. Me fechei dentro de casa, perdi minha vida social.” No fim do ano passado, quando a proibição dos medicamentos passou a vigorar, Doroti pesava 69 quilos. Em menos de nove meses, já são 17 quilos a mais. “Hoje meu marido falou que eu estou gorda. Minha filha, que também tem problemas com o peso, ouve piadas no trabalho. Quem vai pagar por todo esse prejuízo emocional?”

Nem a sibutramina está garantida. O medicamento está passando por um período de testes pela Anvisa. De acordo com Dirceu Barbano, no fim do ano a agência deve decidir se a medicação continua ou não no mercado brasileiro. Tudo vai depender de relatórios mercadológicos e sobre os efeitos adversos que forem registrados nesses doze meses. Dados preliminares do levantamento que se encerra em dezembro apontam que houve no país uma redução de 4% no número de prescrições e de 34% no volume da sibutramina vendida. Segundo Barbano, essa queda pode ter sido causada pela redução no número de pessoas que tomavam a sibutramina de maneira indevida.

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Fim da linha – A redução no leque de possibilidades terapêuticas seria contornável não fosse um fato já muito conhecido: o metabolismo dos obesos não é igual. Alguns respondem melhor a uma droga, outros se adaptam melhor a outra. Na realidade atual, isso significa que a sibutramina pode ser um ótimo plano B para um grupo de pacientes, e completamente nulo, e até arriscado, para os demais. Entre aqueles que ficaram sem opção, a alternativa cirúrgica começa a despertar interesse. “Nesses sete meses sem remédio já engordei 37 quilos. Estou começando a cogitar a cirurgia bariátrica, porque não tenho mais o que fazer”, diz Jeane Knust, 38 anos, de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Segundo Ricardo Cohen, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), a operação é indicada apenas para obesos mórbidos (IMC acima de 35), pacientes que já não respondem bem aos remédios. “Há sim um crescimento no número de cirurgias, mas isso se deve a sua maior divulgação e ao fim da mitificação do procedimento”, diz.

Há ainda o grupo de pacientes que, não sendo elegível à bariátrica e não respondendo bem aos off label ou aos medicamentos que sobraram no mercado, não tem outra alternativa senão esperar. Antes da proibição, aos 25 anos e depois de inúmeras tentativas de dietas e de exercícios físicos sem conseguir eliminar o excesso de peso, Carolina Figueiredo encontrou no tratamento farmacológico a ajuda que precisava. Os 96 quilos passaram a ser 70, reduzindo seu IMC e aumentando sua qualidade de vida. Agora, sem poder manter o tratamento com a amfepramona, Carolina está com mais de 100 quilos, vestindo numeração 54, com hipertensão e em depressão. “Minha vida conjugal está abalada, e não consigo cuidar dos meus filhos. Meu marido teve de levar meu bebê de três meses para a casa da minha sogra, porque estou depressiva. A proibição da Anvisa mudou a minha vida.”

O que diz a classe médica

Doutor Ricardo Meirelles durante o 29º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia
Doutor Ricardo Meirelles durante o 29º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia (VEJA)

“Eles questionam dependência e efetividade. Um medicamento não fica por 40 anos à venda se não é eficiente, mesmo que a gente pense estritamente em leis de mercado. Vários pacientes meus tiveram ganho de peso, e isso é arriscado. A obesidade traz riscos sérios à saúde, como dislipidemia [excesso de lipídios no sangue], problemas cardiovasculares e diabetes e alguns cânceres, como o de intestino e de mama.”

Ricardo Meirelles, ex-presidente da Sociedade Brasileira Endocrinologia e Metabologia e membro do grupo médico que defendeu a permanência dos anorexígenos durante as reuniões com a Anvisa

Doutor Airton Golbert durante o 29º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia
Doutor Airton Golbert durante o 29º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia (VEJA)
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“Com a proibição, o abuso foi coibido. Mas, ao mesmo tempo, aqueles médicos que faziam o tratamento corretamente ficaram sem um recurso que estava disponível há 50 anos. A proibição, uma atitude unilateral da Anvisa, foi uma decisão negativa para a saúde de alguns pacientes.”

Airton Golbert, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

A doutora Cintia Cercato, professora da USP
A doutora Cintia Cercato, professora da USP (VEJA)

“Os pacientes mais prejudicados com a proibição da Anvisa foram aqueles atendidos pelo Sistema Único de Saúde. Eles não tiveram opção de tratamento, como os remédios off label, porque o SUS não financia terapias não oficiais. Não houve a entrada no mercado de outro medicamento, de drogas que pudessem substituir de maneira eficaz os remédios que foram proibidos.”

Cintia Cercato, endocrinologista do Hospital das Clínicas de São Paulo

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