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STF decide nesta 4ª se libera aborto de fetos anencéfalos

Questão se arrasta na corte desde 2004. Hoje, a gestante precisa entrar com ação para solicitar a interrupção da gestação - mas pedido pode ser negado

Por Aretha Yarak
11 abr 2012, 07h29

A partir desta quarta-feira, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm a missão de decidir sobre o aborto de fetos anencéfalos, ou seja, que possuem um defeito congênito na formação do cérebro e da medula. O diagnóstico de um feto anencéfalo feito depois das 12 primeiras semanas de gestação é hoje considerado 100% seguro. “Não há erro, o problema é diagnosticado com exames corriqueiros feitos no pré-natal”, diz Thomaz Gollop, livre-docente em genética médica pela USP e coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA). A maioria dos fetos em que o problema é diagnosticado morre ainda dentro do útero, no parto, ou poucas horas após o nascimento. Além disso, a gestação de anencéfalos costuma oferecer riscos à mãe.

Direito de escolha

Cátia Corrêa Carvalho, 42 anos

“Eu tive duas gestações de anencéfalos. Na primeira, em 1993, o problema foi diagnosticado quando eu estava com cinco meses. Conforme o médico me explicava o que estava acontecendo, meu mundo ia caindo. Eu tinha 23 anos e era minha primeira gravidez. Fiquei sabendo que meu bebê poderia morrer ainda dentro da minha barriga ou logo após o parto. Eu venho de uma família católica e sou contra o aborto, mas eu não estava fazendo um aborto. Eu estava apenas tirando o meu sofrimento e o da criança… eu sentia muita dor, muita cólica e de longe dava para ver como o bebê se mexia. Eu acredito que ele estava com muita dor. Fui a primeira mulher do estado de São Paulo a ter autorização para interromper a gestação. Aos sete meses o parto foi induzido e meu bebê nasceu morto. Em 1997, na minha segunda gestação, o mesmo problema. Como demorei pra fazer os exames, descobri perto do oitavo mês e não consegui entrar com pedido de liminar novamente. Sofri demais no parto normal. Hoje, não consigo ter proximidade alguma com recém-nascidos. Acabei adotando quatro crianças, porque queria ser mãe, mas todos já estavam grandinhos. Só quem passa por isso sabe a dor de ver seu corpo mudando, se preparando para ter um filho que não vai vir. Toda mãe quer pegar um filho no colo e afagá-lo. Eu não pude fazer isso.”

Ana Cecília Araújo Nunes Silva, 46 anos

“Com 12 semanas de gestação tive a confirmação de que a Maria Teresa tinha anencefalia. O médico me disse que o melhor a fazer era abortar, porque a criança seria inviável e morreria logo após o parto. Minha mãe me teve sem exames, sem saber se eu era saudável ou não. Queria dar o mesmo a minha filha. Durante toda a gravidez fui contando lentamente para os meus três filhos que a irmãzinha deles iria nascer e morrer. Quando a bebê nasceu, os médicos comentaram que nunca tinham visto um anencéfalo chorar tão forte. A Maria Teresa ficou 15 dias na UTI e depois foi pra casa, onde viveu por quase quatro meses. Para mim, Teresa era uma pessoa, filha de Deus, digna, e que recebeu todo o nosso amor como familia. Sabia que ela iria ficar pouco tempo com a gente, então dei o meu melhor para ela. Hoje, sou a pessoa mais realizada do mundo. Não me arrependo de nada. Meu filhos aprenderam a respeitar a vida e as diferenças. Eu sofri sim, e muito, mas foi um sofrimento redentor.”

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O STF vai julgar a ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que pede que as grávidas de fetos anencéfalos tenham o direito de optar pela interrupção da gestação. A solicitação é antiga. Em 2004, o ministro Marco Aurélio Mello chegou a conceder uma liminar autorizando o aborto terapêutico de anencéfalos, mas a decisão vigorou apenas entre 1º de julho e 20 de outubro daquele ano e beneficiou cerca de 60 mulheres.

No Brasil, o aborto só pode ser realizado em caso de estupro ou de risco para a saúde da mãe. Segundo Thomaz Gollop, a gestação de um anencéfalo pode trazer riscos à mulher, como o aumento excessivo do líquido amniótico, fazendo com que ele se acumule no útero. “Isso pode acontecer em 50% dos casos e levar o útero a ter problemas de contração após o parto, o que pode causar uma séria hemorragia”, diz.

Há outras complicações, como o aumento da pressão arterial da mulher e o prolongamento do período normal da gestação. Em 25% dos casos, os fetos estão ainda em posição anormal, dificultando o parto.

Mesmo com riscos pronunciados, a gestante precisa entrar com uma ação judicial solicitando uma autorização em caráter especial para ter o direito à interrupção da gravidez. Na maioria dos casos, a liminar é concedida, mas às vezes pode ser tarde demais.

“Dependendo do local onde tramita a ação, a sentença pode demorar meses”, diz Sandra Franco, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde e membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB de São Paulo. Dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) apontam que desde 1989 foram pedidas cerca de 10.000 autorizações judiciais para esses casos. Pesquisa publicada em 2009, feita com 1.814 médicos filiados à Febrasgo, indica que entre 9.730 mulheres atendidas nos últimos 20 anos com esse diagnóstico, 85% preferiram interromper a gestação.

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O sofrimento psicológico das mulheres nessa situação também deve ser levado em conta (leia nesta página os depoimentos de Cátia e Ana Cecília). Os favoráveis à aprovação da lei relatam casos de depressão, de traumas irreparáveis e de mulheres que nunca mais conseguiram considerar uma nova gravidez. “Onde fica a felicidade em falar da gravidez quando o bebê dentro dela está morto ou prestes a morrer?”, diz Gollop.

Vigília – Contrária à aprovação da lei, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) organizou na noite desta terça-feira uma Vigília de Oração pela Vida, em frente ao prédio do STF, em Brasília. “A vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve. (…)Todos têm direito à vida. Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito”, afirmou a entidade, em nota divulgada em 2008, quando foi realizada a primeira audiência pública sobre o tema.

Não é apenas a Igreja que se posiciona contra o aborto de anencéfalos. Para o médico Rodolfo Acatauassú Nunes, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirmar que um feto é anencéfalo não exclui que ele tenha, mesmo que minimamente, atividade cerebral. “Apregoa-se que essas crianças não tenham consciência, mas há relatos de mães sobre a interação com seus filhos”, diz. Segundo Nunes, bebês que choram, respiram e deglutem espontaneamente não podem ser considerados com morte encefálica.

A complicações durante a gravidez, segundo Nunes, também podem ser revertidas com o tratamento adequado. “O aumento do líquido amniótico, por exemplo, pode ser contornado com uma punção”, diz. De acordo com ele, não há pesquisas científicas suficientes que comprovem um aumento da mortalidade materna nesses casos. “Pode haver complicações como em qualquer outra gestação”, diz.

De fato, não há dados considerados confiáveis. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou o óbito de 544 bebês anencéfalos em 2010. Para Thomas Gollop, o número pode ser maior. “Devem nascer em torno de 3.000 anencéfalos por ano no Brasil. Muitas vezes são registrados como má formação congênita, o que pode deixar os dados oficiais subestimados. E no serviço privado certamente esses casos não são bem notificados.”

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