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Risco de dengue: a culpa é dos governos municipais

Levantamento feito pelo site de VEJA revela que cidades com maior probabilidade de epidemia têm problemas de abastecimento de água e na coleta de lixo. Estudo mostrou que 73,9% dos focos do mosquito transmissor estão exatamente em depósitos de águas e no lixo

Por Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
2 dez 2013, 06h43

A temporada de chuvas traz, além dos riscos de deslizamento e inundações em parte do Brasil, a preocupação com novos surtos e epidemias de dengue. Sim, ainda existem, em 2013, locais em que uma infestação de mosquito – o Aedes aegypti – pode matar ou tirar pessoas de sua rotina por algumas semanas. As campanhas de esclarecimento batem sempre na tecla dos “vasinhos de planta”, dos “pratinhos”, “pneus” e recipientes destapados, uma missão que os governos entregam aos moradores. São mensagens necessárias. Afinal, o mosquito da dengue é também doméstico, abriga-se em cantos e só nasce depois que os ovos entram em contato com a água. O que as campanhas não afirmam, mas está expresso nos números, é que os governos não fazem sua parte.

Para avaliar o risco de surtos e epidemias de dengue nas regiões, agentes vistoriam municípios para quantificar o número de imóveis com focos do Aedes e os locais em que eles estão dispostos. A reunião das análises compõe o Levantamento Rápido de Índice para Aedes aegypti (LIRAa). Segundo o ministério, quando são encontrados focos em menos de 1% das residências, a infestação é considerada satisfatória. Ou seja, não traz riscos iminentes. Índices entre 1 e 3,9% indicam situação de alerta. Já porcentuais de presença de focos do inseto em mais de 4% dos imóveis vistoriados indicam risco de surto de dengue.

O último LIRAa, que reuniu resultados de vistorias realizadas em 1.315 cidades entre 1º de outubro e 8 de novembro, mostrou que 73,9% dos focos de Aedes estão localizados em depósitos de águas, como caixas de água, tonéis e galões (37,5%) e no lixo (36,4%). Ou seja, a cada 1.000 focos de dengue encontrados durante as vistorias realizadas no país, 739 existem por deficiências no abastecimento – que obriga moradores a improvisar – ou na coleta de lixo. São competências dos governos municipais, que segundo o artigo 30 da Constituição são os responsáveis por “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse social”, como o fornecimento de água encanada e a coleta de lixo.

Dos 157 municípios do país em situação de risco para dengue – com LIRAa maior do que 4 – apenas oito têm cobertura de fornecimento de água encanada e de coleta de lixo superior a 90%. Outras sete cidades têm a cobertura de um dos dois serviços superior a 90%. Os dados foram obtidos pelo site de VEJA, que comparou a lista dos 157 municípios com maior risco de dengue com os dados sobre fornecimento de água e coleta de lixo do censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, só 5% das cidades com maior risco de surtos e epidemias de dengue têm níveis satisfatórios (acima de 90%) de serviços de abastecimento e coleta de lixo.

O cruzamento de dados revela alguns casos extremos, onde a dengue é praticamente uma tragédia à espera das primeiras chuvas para fazer vítimas. Em Vertente do Lério, no Agreste pernambucano, o levantamento indicou índice de 17,4% – ou seja, em cada 100 casas vistoriadas, dezessete tinham pelo menos um foco de Aedes. No município, só 2% dos imóveis têm água encanada e apenas 41% têm coleta de lixo regular, segundo o Censo 2010. Em Canapi, município no semiárido alagoano, 26,4% dos imóveis têm abastecimento de água e 34%, coleta de lixo. A cidade, uma das que classificadas como em risco para dengue, foi verificado LIRAa de 5,5 – acima da faixa considerada de maior risco para a população..

As campanhas que convocam os cidadãos a lutar contra a dengue devem continuar. Mas definitivamente não será esta a única saída, pois a tática de deixar a cargo da população simplesmente não é eficaz: em dez anos, 3.547 pessoas morreram no país devido à dengue. Entre janeiro e outubro deste ano foram 573 óbitos – um aumento de 96% em relação ao mesmo período do ano passado.

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“As pessoas só armazenam água em depósitos, como caixas de água, porque o fornecimento não existe ou não é contínuo. Certamente, se elas não precisassem guardar água e se a coleta do lixo fosse feita de forma adequada, a incidência do Aedes aegypti e da dengue seriam fortemente reduzidas”, afirma o médico Edmilson Migowski, doutor em infectologia e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “É preciso se discutir a causa do problema, não só as consequências, como a sobrecarga dos serviços de saúde e as mortes”.

“Uma boa política de combate à dengue tem que estar vinculada à coleta de lixo e fornecimento de água eficientes. Quando maior a cobertura desses dois serviços, menor o risco de epidemias de dengue”, afirma o professor titular de Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Medronho, especialista em dengue. “Em regiões em que a oferta é menor do que 90%, a responsabilidade pelas epidemias é do governo”.

Especialista em dengue, Medronho publicou, em 2009, o artigo “Análise Espacial da Dengue e o Contexto Socioeconômico no Município do Rio de Janeiro”, editado no The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene. O trabalho, realizado a partir da análise de dados de uma pesquisa realizada na Baixada Fluminense, concluiu que “problemas relacionados ao saneamento básico contribuem decisivamente para o aumento do risco da doença”.

Nordeste – Os dados divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que nas regiões em que há mais problemas de abastecimento, como no Nordeste e no Norte do país, o percentual de focos do Aedes encontrados em depósitos de água foi de 75,9% e 37,5%. No Sul e no Centro-Oeste, os criadouros predominam no lixo, com taxas de 81% e 49,7%, respectivamente.

“Os políticos no Brasil, infelizmente, pensam a curto prazo e o impacto do saneamento ultrapassa o mandato. Isso é perverso porque em vez de investir em saneamento, que reduziria de forma muito importante não só a incidência da dengue, mas de outras doenças, os gestores preferem fazer o trabalho paliativo, que aparece mais”, afirma Medronho.

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Procurado pelo site da VEJA, o Ministério da Saúde não indicou um representante para comentar os dados. Até o início da noite de sexta-feira, o órgão também não respondeu os questionamentos solicitados pela reportagem. Uma das perguntas que ficou sem resposta foi o critério para os repasses destinados aos estados e municípios. Além de questões relacionadas à fiscalização da aplicação de verba destinada ao controle da doença. Este ano, estados e municípios receberam 363 milhões de recursos adicionais destinados às ações de vigilância, prevenção e controle da dengue, valor 110% maior do que o disponibilizado em 2012.

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