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Rede de pesquisadores vai trabalhar na prevenção de doenças mentais em crianças e adolescentes

Especialistas pretendem combater causas que levam à depressão, esquizofrenia e surtos psicóticos em crianças e adolescentes por meio de centros de convivência e institutos de pesquisa

Por Marco Túlio Pires, de São Luís
26 jul 2012, 08h06

Um grupo de pesquisadores brasileiros pretende criar uma rede multidisciplinar para prevenir doenças mentais, como surtos psicóticos, depressão e esquizofrenia, em jovens e crianças. O trabalho é liderado pelo médico Jair de Jesus Mari, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e foi apresentado na 64ª reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em São Luís. O evento ocorre até sexta-feira no campus da UFMA (Universidade Federal de Maranhão).

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DEPRESSÃO

A depressão é a mais comum das doenças psiquiátricas. Ela se manifesta por meio de sintomas como mudança de humor, perda de interesse em atividades do cotidiano, sentimento de culpa e distúrbios do sono e do apetite. O problema nem sempre é crônico, mas pode ser recorrente na vida de uma pessoa. Na pior das hipóteses, a depressão pode levar ao suicídio, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é responsável pela morte de 850.000 pessoas ao ano no mundo todo. Ainda de acordo com a OMS, a depressão pode acometer pessoas de todas as idades, gêneros e origens. Depressão não é o mesmo que tristeza, já que engloba fatores biológicos, psicossociais e físicos. Suas causas não são totalmente definidas, mas acredita-se que a depressão esteja ligada ao mau uso que o cérebro faz de neurotransmissores associados às sensações de prazer, autoconfiança, apetite e libido. Traumatismos e acidentes físicos também podem desencadear o problema.

A ideia é criar uma rede de colaboração entre pesquisadores de várias áreas, como psicologia, sociologia e psiquiatria, por meio de centros de convivência para jovens e institutos de pesquisa em três regiões: os bairros de Butantã e Vila Maria, na cidade de São Paulo, e um bairro na cidade de Ribeirão Preto, no interior paulista. Inicialmente, quase um milhão de pessoas seriam supervisionadas pela rede. Nesses centros, os pesquisadores poderão avaliar os hábitos escolares, familiares e pessoais dos jovens e identificar quais deles têm mais chances de desenvolver doenças mentais com base em critérios estritamente científicos.

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O projeto, chamado Y-mind, concorre aos fundos do CEPID (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão), gerenciado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O resultado deve sair em um mês. Se o grupo for escolhido, poderá receber até 44 milhões de reais em 11 anos. A rede seguirá um exemplo pioneiro e bem sucedido na Austrália, onde espaços de convivência para jovens foram criados para que uma equipe multidisciplinar pudesse avaliar o risco de cada um dos indivíduos desenvolver doenças mentais, levando-se em conta os hábitos familiares, escolares e pessoais.

Estímulos externos – Segundo Jesus Mari, que é professor honorário da King’s College, em Londres, crianças e adolescentes representam um grupo de risco para desenvolver doenças mentais. Isso ocorre porque nessa fase o organismo ainda está em formação e alguns estímulos externos — como bullying, violência doméstica e o contato precoce com drogas — podem provocar mudanças na fisiologia desses indivíduos. “Percebemos que situações de conflito e a exposição precoce às drogas podem provocar o desenvolvimento de doenças mentais, como esquizofrenia, surtos psicóticos e depressão”, disse o médico. Pouco se faz para prevenir essas patologias, diz Jesus Mari.

Estudos mostram que quanto mais cedo os médicos atuam na vida do jovem que apresenta problemas na saúde mental, maiores são as chances de prevenir os transtornos mentais. O problema é que eles normalmente são negligenciadas, de acordo com Jesus Mari. “Ninguém quer admitir que o filho desenvolveu depressão ou passa por um surto psicótico”, diz o especialista. Essa é uma das dificuldades que a nova rede pretende superar. “Dentro dos centros, uma equipe multidisciplinar vai acompanhar os jovens e poderá intervir nos casos onde o indivíduo tem mais propensão a desenvolver certa doença.” Essa intervenção pode vir na forma de orientação aos pais e estímulos para mudanças de hábito nos casos de maior propensão.

Essa ‘maior propensão’ quer dizer que o organismo do indivíduo pode ter a configuração genética mais desfavorável à saúde mental. No caso da maconha, por exemplo, um estudo realizado na Nova Zelândia durante 26 anos e publicado em 2005 mostrou que jovens de 12 a 25 anos que possuem predisposição genética têm 10 vezes mais chances de ter surtos psicóticos ao consumirem a droga. “É quase a mesma relação do tabaco com o câncer de pulmão”, disse Jesus Mari. O mesmo estudo mostrou que uma relação semelhante pode ser estabelecida para a depressão, mas com base em outros fatores, como violência doméstica.

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Ampliação – A rede de colaboração de especialistas já funciona de maneira embrionária. A Unifesp, junto com a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), gerencia um hospital municipal na Vila Maria, em São Paulo, onde são acompanhados jovens com risco de desenvolver doenças mentais. Agora, Jesus Mari quer ampliar a rede para expandir o trabalho para diversas regiões. O projeto possui quatro INCTs (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia), um programa financiado pelo governo federal.

Agora, o objetivo é conseguir o financiamento de até 44 milhões da Fapesp. De acordo com Jesus Mari, o trabalho tem apoio do ministro da Saúde, Alexandre Padilha e da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. “Nossa esperança é que a rede possa colaborar com as políticas públicas na área de saúde”, disse o especialista. Jesus Mari também disse que recebeu um convite da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, para implantar a rede lá. “O projeto é pioneiro mesmo em outras partes do mundo”, disse. “Estamos otimistas que ele poderá crescer aqui.”

Esquizofrenia, perguntas e respostas

1. Como é feito o diagnóstico da esquizofrenia? De acordo com o psiquiatra Jaime Hallak – professor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) -, o diagnóstico é estritamente clínico. “Não há exames que a confirmem, mas isso não significa que eles sejam dispensáveis. Por meio deles, é possível descartar outros quadros, o que reforça o diagnóstico da esquizofrenia”, diz Hallak

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2. Quais são suas principais características? A esquizofrenia pode se apresentar de várias maneiras. Alguns quadros comuns são o afastamento da realidade por meio de alucinações e/ou delírios, o comportamento volúvel e estranho do paciente, o distanciamento do contato social e a maior dificuldade de estabelecer laços afetivos estáveis. “Trata-se de um transtorno crônico, que pode apresentar crises diante de conflitos ou situações em que faltam ao paciente recursos para simbolizar e suportar o sofrimento, como normalmente fazem as outras pessoas”, explica a psicóloga e psicanalista Adriane Barroso.

3. O que ocorre de diferente no cérebro de uma pessoa esquizofrênica? No centro do problema está a dopamina, neurotransmissor associado às sensações de prazer e de recompensa e que é encontrado em uma das regiões cerebrais mais profundas: o mesencéfalo. Nas pessoas saudáveis, a dopamina é liberada em quantidades equivalentes para os lobos frontal e temporal – sendo que o primeiro é responsável pela elaboração do pensamento, e o segundo, pela percepção e pela memória. O cérebro do paciente com esquizofrenia, contudo, funciona como se houvesse menos dopamina no lobo frontal e mais no lobo temporal. Essa falta provoca apatia e lentidão de pensamento. Já o excesso de dopamina na região temporal provoca delírios e alucinações. Essas duas falhas contribuem para o aparecimento dos sintomas da doença.

4. Há uma predisposição genética para a doença? A esquizofrenia, por definição, é um transtorno neurodesenvolvimental, o que significa que ele se inicia quando o bebê ainda está sendo formado dentro do útero. Porém, apesar de tão precoce, a doença só é identificada na adolescência ou na fase adulta, pois é preciso que o cérebro amadureça para que os sintomas se manifestem. Em geral, ela aparece nos homens entre os 15 e 20 anos e nas mulheres entre os 20 e 25 anos. O psiquiatra Jaime Hallak explica que, apesar da existência de características hereditárias genéticas que colaboram para a doença, elas não são determinantes. “Se fossem, dois gêmeos idênticos, que necessariamente têm cargas genéticas iguais, teriam 100% de concordância no quadro de transtornos mentais, o que não acontece. Essa concordância é de apenas 50%”, diz o médico Para quem não tem parentes esquizofrênicos, o risco de ser portador da doença é de 1%.

5. Ela tem alguma relação com o uso de drogas? Sim. Antigamente, acreditava-se que as drogas não tinham influência na manifestação da esquizofrenia, apenas provocavam sintomas parecidos com o da doença. Contudo, estudos genéticos recentes já comprovam que o uso crônico da maconha pode colaborar para o seu desenvolvimento, dependendo do tipo de polimorfismo genético que o usuário possui.

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6. Que consequências a esquizofrenia traz para a vida do portador? A doença é marcada especialmente pela dificuldade que o indivíduo apresenta para criar e manter laços sociais, no relacionamento com as pessoas e com o restante do mundo. “Isso traz, obviamente, uma série de questões e entraves: o esquizofrênico, de maneira geral, apresenta problemas extras para lidar com momentos de conflito, com perdas e com mudanças. Deparar-se com essas situações pode causar o que chamamos de desencadeamento ou crises, em que geralmente se nota uma transformação brusca do sujeito, tanto no comportamento quanto no pensamento”, diz a psicanalista Adriane Barroso. Consequentemente, se não tratado devidamente, o portador passa a ter problemas na escola, no trabalho e até dentro da própria casa, podendo tomar a atitude extrema de deixar a família ou ser abandonado por ela.

7. Ao notar sinais da doença em amigos ou familiares, que medidas devem ser tomadas? O portador da esquizofrenia deve obter ajuda médica e psicológica o mais rápido possível. Em sua experiência hospitalar, o psiquiatra Jaime Hallak conta que, entre o momento em que a doença aparece até o portador ser levado ao psiquiatra, geralmente há um intervalo grande. “Os familiares costumam reconhecer a doença apenas quando ele tem sua primeira crise. O problema é que não existem sintomas tão específicos da esquizofrenia e, na maior parte das vezes, eles são muito sutis”, explica. Por isso, é importante que a família se informe no sentido de apurar sua percepção, pois o ideal é que a doença seja tratada nos primeiros cinco anos.

8. Em que consiste o tratamento? A psiquiatria lança mão de medicamentos antipsicóticos para tratar a esquizofrenia. Surgidos nos anos 50, os antipsicóticos evoluíram e estão cada vez mais específicos e seguros no controle dos sintomas da doença. Atualmente, preza-se que a medicação venha sempre acompanhada do atendimento clínico frequente, através do tratamento psicológico. A psicanalista Adriane Barroso explica que, com a psicanálise, “busca-se oferecer ao sujeito certa ‘assessoria’ para que seja possível, com os recursos que ele tem, enfrentar a vida, seus conflitos e suas questões”.

9. Qual é o papel da família durante o tratamento? A presença e a participação da família no tratamento do esquizofrênico é determinante, já que a doença, seus desencadeamentos e suas questões comumente afetam a dinâmica de toda a família. Segundo a psicanalista Adriane Barroso, geralmente os pacientes que apresentam ou já apresentaram várias crises se mostram ainda mais dependentes desse acompanhamento. “É necessário compreender os limites e as possibilidades desse quadro, de forma que seja possível prestar assistência sem, contudo, invadir a vida e a particularidade do sujeito”, diz a psicanalista. Para isso é necessário que os familiares sejam orientados sobre como proceder nessa situação.

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10. Qual a recorrência e a duração dos surtos esquizofrênicos? Não é possível determinar a frequência das crises, que podem acontecer uma ou diversas vezes na vida do paciente. Porém, em apenas 15% dos casos não acontece um segundo surto. Os outros 85% têm crises recorrentes. Segundo o psiquiatra Jaime Hallak, um surto não tratado pode durar mais de um ano, enquanto aqueles que têm o acompanhamento adequado duram apenas dias. Somente casos em que os pacientes respondem mal aos medicamentos podem durar mais, chegando a até 10 meses.

Quanto mais longos e frequentes forem os surtos, mais prejuízos trazem aos papéis sociais do portador. Também por isso, é importante que o acompanhamento médico e psicológico se inicie o mais rápido possível. “O tratamento é a longo prazo e deve ser mantido mesmo fora dos momentos de crise. Dessa forma, com diagnóstico e tratamento adequados, os desencadeamentos podem, inclusive, ser evitados, garantindo ao sujeito uma vida estável”, explica a psicanalista Adriane Barroso.

11. Quanto tempo costuma durar a internação dos doentes? Por muito tempo, a internação foi utilizada de forma incorreta e abusiva. Hospitais psiquiátricos apresentavam condições desumanas, funcionando como verdadeiros depósitos de pessoas, que eram vistas como incômodo social ou para a família. Nos últimos anos, diversas leis têm sido criadas e modificadas no sentido de garantir o tratamento do paciente de acordo com suas necessidades clínicas, visando seu retorno ao convívio familiar e social tão logo seja possível. Hoje, há restrições quanto ao tempo de internação e às condições em que ela pode ocorrer. Um procedimento comum é a internação temporária dos esquizofrênicos, mas ocorre apenas quando esses pacientes apresentam riscos para si ou para terceiros. Segundo a psicanalista Adriane Barroso, o recurso não deve ser entendido como um processo prejudicial. “Ao contrário, ele é, muitas vezes, necessário e benéfico, desde que usado com critérios clínicos rigorosos, assim como todo o restante do tratamento.”

12. A medicina está perto de achar a cura? O psiquiatra Jaime Hallak garante que a medicina está no caminho certo: “Estamos trabalhando intensamente pela cura da doença e nos aproximando de estudos muito relevantes, inclusive liderados por grupos brasileiros. Costumo dizer que a esquizofrenia é uma doença que acontece em todas as raças, religiões e sexos e que não tem cura… ainda! Os resultados das pesquisas são promissores, e os familiares e portadores devem manter a esperança da recuperação total.”

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