Durante a fase de aprendizado, cada pequena descoberta da criança tem para ela o significado de uma gigantesca revelação. Assim, cada vez que ela assiste à TV, navega pela internet ou se aventura em um game, desbrava novos continentes. O problema é que, muitas vezes, essa viagem é feita sem a companhia de um “guia turístico”, alguém que explica à jovem cabecinha o significado daquilo que ela está vendo. Esse papel, especialmente entre a miríade de meios eletrônicos, cabe aos pais, defende Ana Margareth Bassols, chefe do serviço de psiquiatria da infância e adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ela explica por que a companhia e orientação dos pais é tão importante: “Quanto menor a criança, maior a dificuldade de discernir o que é fantasia do que é realidade no interior do mundo eletrônico”, explica. A orientação é válida tanto para o uso por parte de crianças e adolescentes da TV quanto da web, dos games e do celular. “Os pais precisam dosar o conteúdo e principalmente fazer companhia para as crianças”, complementa a estudiosa. Confira a seguir a entrevista que ela concedeu a VEJA.com acerca do tema.
Até que ponto os meios eletrônicos podem influenciar a saúde de uma criança ou adolescente?
Quanto menor a criança, maior a dificuldade de discernir o que é fantasia do que é realidade. Se não houver uma supervisão dos pais ou responsáveis, ela pode acreditar que aquilo também acontece na vida real. Um dos aspectos positivos da TV, da internet, ou do videogame, além do entretenimento, é fornecer informações. Mas é necessária a presença de um adulto que possa esclarecer se aquilo é ficção ou fato real, se é adequado ou não para a criança assistir. Só assim ela poderá se beneficiar dos aspectos positivos dos dispositivos eletrônicos.
Os pais têm noção da importância da supervisão?
Alguns sim, mas outros usam a TV como babá eletrônica. Há um desconhecimento da capacidade de observação das crianças. É como se você pudesse falar sobre qualquer assunto na frente de uma criança � já que não haveria o risco de ela ouvir e entender o que está sendo exposto. Mas não é o que ocorre, pois as crianças são como radares: elas estão observando, aprendendo e repetindo. As crianças precisam ser protegidas desse excesso de estímulos, nem sempre adequados ao seu nível de desenvolvimento.
Crianças que jogam games violentos ou assistem a filmes com cenas de violência podem se tornar mais agressivas?
Se ela vê muitas cenas de violência, além do risco de repetir tal comportamento, corre-se o risco da banalização do ato violento. Ela não tem noção crítica de que aquilo não deve ocorrer em seu cotidiano. O adulto tem que dar o tom para a criança. Deixar um pequeno à mercê do que passa na TV, por exemplo, significa não dar limites à criança, que pode sentir-se liberada para agir da maneira que quiser. E os limites impostos nesse caso são levados para outras esferas da vida.
A exposição exagerada ao entretenimento pode mascarar algum problema mais sério?
O excesso de horas em contato com um dispositivo eletrônico pode ser um sintoma de depressão. Uma criança que não consegue ter um bom relacionamento com os amigos pode encontrar um refúgio no videogame. Um adolescente com problemas de comunicação pode se fechar ainda mais e falar com as pessoas exclusivamente pela internet, não investindo em relacionamentos reais. São múltiplas influências que, se não forem notadas pelos pais, podem desencadear um quadro depressivo. Por outro lado, uma criança com déficit de atenção pode ficar no “mundo da lua” durante a aula e, por outro lado, conseguir um altíssimo nível de concentração diante de um game.
O que fazer para evitar os efeitos negativos da superexposição?
Não podemos culpar só a programação televisiva, os jogos ou a internet. A pós-modernidade tem influenciado os comportamentos e precisamos lidar com isso. Atualmente, as crianças utilizam computadores, assistem à TV e usam o celular ao mesmo tempo. A sociedade parece estar sem limites e alguém precisa se responsabilizar por eles. Os pais precisam dosar o conteúdo e principalmente fazer companhia para as crianças.