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“O que comemos vai decidir o futuro da humanidade”

No Brasil para divulgar seus princípios de nutrição anti-inflamatória, o bioquímico americano Barry Sears diz ao site de VEJA que ingredientes como farinha refinada e óleo de soja se tornaram a causa de uma epidemia mundial de inflamação que só pode ser combatida se a comida for vista como um remédio

Por Rita Loiola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 Maio 2016, 16h30 - Publicado em 8 fev 2014, 12h29

Ao escrever, em 1825, que “aqueles que se empanturram ou se embriagam não sabem nem comer nem beber”, o gastrônomo francês Jean Anthelme Brillat-Savarin mencionava o papel cultural da boa mesa. Mas poderia estar falando sobre a zone diet, ou dieta do ponto Z, criada 170 anos depois, em 1995, pelo bioquímico americano Barry Sears. Com a premissa de que os alimentos são como medicamentos que, corretamente administrados, equilibram os hormônios e controlam o processo inflamatório responsável pelas doenças que mais matam no mundo, a dieta de Sears é, como os aforismos de Brillat-Savarin em seu livro Fisiologia do Gosto, um compromisso de moderação frente aos pratos.

Como funciona a zone diet

PORÇÕES

A base da dieta são quantidades balanceadas de 40% de carboidratos, 30% de proteínas de 30% de gorduras saudáveis. Elas devem ser consumidas em três refeições e dois lanches diários, feitos em intervalos de, no máximo, cinco horas. Diariamente, mulheres devem ingerir cerca de 1 200 calorias e homens, 1 500.

ALIMENTOS RECOMENDADOS

Proteínas com pouca gordura, como peito de frango e de peru, peixes, tofu, queijo com baixo teor de gordura (como o cottage), cortes de carne magros (lombo de porco, contra filé sem gordura, patinho), clara de ovo, leite e iogurte desnatado. Os carboidratos devem vir de frutas como ameixas, uvas, morangos, cerejas e de vegetais escuros como brócolis, aspargos, espinafre, e couve. A gordura é originária de azeite de oliva, oleaginosas (como castanhas e amêndoas) ou abacate. Além disso, é recomendada a ingestão de 2,5 gramas de ômega 3 ao dia.

ALIMENTOS PARA CONSUMIR EVENTUALMENTE

Leguminosas (feijões, lentilha, grão de bico), batata, arroz, massas e pães (brancos ou integrais), açúcar, adoçantes, café, água de coco e frutas como banana, laranja, abacaxi, manga, melão e melancia. Deve-se ingerir, no máximo, uma porção de um alimento desses ao dia.

ALIMENTOS PROIBIDOS

Óleos de milho, soja e girassol, gema de ovo e miúdos de animais, ricos em ômega 6. Cortes de carnes gordurosos como linguiças e torresmos e alimentos industrializados, por conter altas doses de gordura saturada.

O americano de 67 anos veio ao Brasil pela primeira vez para explicar que a relação do homem com a comida pode combater a ameaça mundial de doenças como obesidade, Alzheimer e diabetes, uma espécie de fisiologia aperfeiçoada com cálculos e pesquisas científicas. Ex-cientista da Universidade de Boston e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ele deu cursos e palestras em Brasília e em São Paulo sobre como o organismo atinge seu estado de excelência, a chamada “zone”, que batiza seu programa alimentar. “A ‘zone’ não é algum lugar místico ou algum termo de marketing espertinho. Trata-se de um estado fisiológico real do corpo em que os hormônios que controlam inflamações são mantidos em uma zona ideal, com taxas nem muito altas, nem muito baixas”, afirma Sears.

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Pouco carboidrato, muito ômega 3 – Na Universidade de São Paulo, o bioquímico foi convidado para falar sobre sua nutrição anti-inflamatória em um auditório repleto de PhDs em imunologia. Ao público, ensinou a equação simples que transforma alimentos na droga mais poderosa que nosso corpo utiliza: 40% de carboidratos, 30% de proteínas e 30% de gorduras saudáveis. Sua fórmula milagrosa inclui comer a cada cinco horas e ingerir doses de óleo de peixe com ômega 3.

Sears respondeu às questões com sua experiência de quarenta anos em pesquisa bioquímica em lipídios e eicosanóides (moléculas derivadas de ácidos graxos da família do ômega 3 e ômega 6) e treze patentes de medicamentos. E argumentou que, com seu regime, é possível não só levar uma vida mais saudável como driblar nosso DNA, alterando a expressão de genes.

Dos seus treze livros que já venderam mais de 2 milhões de exemplares em 22 idiomas, quatro saíram no Brasil (Como atingir o ponto Z, O ponto Z e as doenças silenciosas, O ponto Z: as dietas, Pare de envelhecer com o ponto Z). No exterior, seus preceitos foram colocados em prática por nomes como Sandra Bullock, Jennifer Aniston e o papa João Paulo II, acompanhado por Sears para amenizar os efeitos do Parkinson em seus últimos anos de vida.

No entanto, a zone diet é tão boa em colecionar celebridades como em acumular críticas. Trata-se de uma das dez dietas a ser evitadas, de acordo com a Associação Britânica de Dieticistas, e seus resultados ainda não foram provados em estudos a longo prazo. Hoje, Sears dedica-se a uma fundação que criou em 2003 para financiar pesquisas sobre nutrição anti-inflamatória e à venda de produtos derivados de sua dieta. Com o selo “Dr. Sears”, vende de frascos de ômega 3 e polifenóis a massas e biscoitos que seguem as proporções da dieta. Com a tranquilidade de quem acredita que a fórmula que criou nada mais é do que a evolução da dieta mediterrânea, Sears, em entrevista ao site de VEJA, rebate seus detratores citando pesquisas feitas em instituições como a Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

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De que forma, segundo sua teoria, a obesidade não é uma doença epidêmica, mas uma inflamação? A obesidade é uma inflamação como diabetes, mal de Alzheimer, doenças cardíacas, câncer e todas as doenças que terminam com “ite”. A inflamação é nossa proteção contra agressões, disparada por uma invasão microbiana, ferimentos ou nossa dieta. O que acontece se ela não for tratada é que se torna uma inflamação celular crônica, que, ao contrário de uma simples inflamação, está abaixo da linha da dor. Não sentimos que ela está ali. E, durante muito tempo, também não conseguíamos medi-la.

Como temos a certeza de que todas essas doenças são inflamações? Comecei a estudar essas enfermidades porque meu pai morreu de doença cardíaca – assim como meus tios e meu avô. Queria saber se seria possível mudar a expressão de meus genes que são programados, como os deles, para uma morte prematura. Nos anos 1970, quando comecei minhas pesquisas em bioquímica, havia dois caminhos de estudo em doenças cardíacas: um acreditava que elas eram causadas por colesterol e outro, por um processo inflamatório. No entanto, era mais fácil medir as taxas de colesterol do que as de inflamação celular, que são indicadas pela proteína c-reativa, muito imprecisa. Por essa facilidade de se medir o colesterol é que hoje acreditamos que as doenças cardíacas são causadas por ele. Mas elas são provocadas por inflamações. Hoje, temos marcadores mais precisos para medir a inflamação celular, dois ácidos (araquidônico e eicosapentaenoico), encontrados no sangue. E eles estão elevados em todas as pessoas com as doenças crônicas mais difíceis de serem combatidas pela medicina, como a obesidade. Vivemos hoje uma expansão global de inflamação celular.

Por quê? Porque consumimos quantidades impressionantes de duas substâncias que causam esse problema. Uma é o ômega 6, presente no tipo de gordura mais barata e saborosa usada na indústria alimentícia. Óleo de soja, óleo de milho, gorduras saturadas são ricos em ômega 6. A outra são os carboidratos simples, como pães, massas, batatas e todos os alimentos com farinha branca. Eles elevam os níveis glicêmicos, aumentam a insulina e geram inflamação.

E apenas parando de comer essas duas coisas é possível se livrar das doenças? A solução é combater o processo inflamatório. Para isso, basta usar a comida como se fosse um remédio, tomado na quantidade e hora certas. Nossa dieta afeta hormônios que são centenas de vezes mais poderosos do que qualquer medicamento. De certa forma, alimentos são a droga mais poderosa que usamos, porque nos servimos dela pelo menos três vezes ao dia por toda a vida.

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E o que devemos ingerir? Há duas substâncias que combatem a inflamação celular: o ômega 3, presente no óleo de peixe, e os polifenois, um antioxidante presente em frutas e vegetais. Pensando nisso, podemos transformar nossa dieta em um meio de balancear nossos hormônios, combater a inflamação e, além disso, mudar nossa expressão genética, fazendo com que os genes que tornam nosso corpo predisposto às doenças sejam inibidos. Eles ficam balanceados, em uma “zone”.

Então a zone diet não é apenas para emagrecer? Não, porque dieta normalmente significa um período horrível de fome. A zone diet resgata o sentido antigo da palavra dieta, que quer dizer estilo de vida. Trata-se de uma forma de viver, de elevar a comida a um novo nível, por toda a vida, para controlar a inflamação, viver mais e melhor. E sem fome.

Não é uma dieta restritiva? Com o balanceamento correto dos macronutrientes, 40% de carboidratos, 30% de proteínas e 30% de gorduras, em refeições de cinco em cinco horas, comemos menos porque temos mais saciedade. A regulação hormonal faz com que o hipotálamo, que dispara a vontade de comer, trabalhe de cinco em cinco horas. Esse é o tempo que o alimento leva para ser metabolizado e disparar, novamente, a sensação de fome.

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A sua dieta sugere 1 200 calorias diárias para mulheres e 1 500 calorias diárias para homens, menos do que as cerca de 2 000 calorias ao dia recomendadas pelos nutricionistas. De qualquer jeito, iremos emagrecer, mas teremos energia para as atividades do dia? Esse número total de calorias é o que menos interessa. O mais importante é o balanceamento das proporções nos pratos. Para isso, basta usar a palma da mão, os olhos e um relógio. Ao olhar o prato, é preciso dividi-lo em três. Um terço dele recebe uma porção de proteína do tamanho da palma da sua mão – é a proteína que nos dá energia para as atividades do dia e balanceia nossas refeições. Os outros dois terços ganham carboidratos saudáveis, ou seja, frutas e verduras ricas em polifenóis, e um fio de azeite de oliva que garante a gordura saudável. O relógio é para contar as cinco horas depois das quais é preciso voltar a comer. Um estudo feito em 1999 pela Universidade Harvard com adolescentes obesos provou que, usando essa dieta, o consumo calórico cai, naturalmente, em 25%. Sem exercícios, sem aconselhamento psicológico. Eles simplesmente não comeram porque não estavam com fome.

O senhor recomenda ingerir suplementos de ômega 3 extraído de óleo de peixe. Podemos utilizar também outros óleos, como o de coco? O mais indicado é o óleo de peixe, aquele de gosto horrível que nossos avós mandavam que a gente tomasse às colheradas. O ômega 3 purificado – que não encontramos com tanta qualidade em peixes por causa de sua contaminação – é um poderosos anti-inflamatório. O óleo de coco é péssimo, porque é pura gordura saturada, algo que, novamente, é rico em ômega 6 e conduz a inflamações.

A base dessa dieta é a mesma da mediterrânea, com consumo elevado de vegetais, azeite e polifenóis. Não é mais honesto dizer que a zone diet é uma adaptação da dieta mediterrânea? A zone diet é a evolução da dieta mediterrânea. Ela é superior porque é capaz de balancear os hormônios do corpo. Mas você tem razão, a base é semelhante. Esse será o tema do meu próximo livro, que será lançado em outubro. Vou mostrar como a zone diet é a mediterrânea desenvolvida. Aliás, alguns dos países em que a zone diet mais faz sucesso são Itália, Grécia e Espanha. Eles gostam de comer vegetais, ao contrário dos americanos.

Se a fórmula para evitar inflamações é tão simples, por que poucas conseguem seguir dietas ou estão livres de doenças crônicas? Nos Estados Unidos, 36% da população é obesa e no Brasil, só em São Paulo, 52,6% da população está com sobrepeso. É mais fácil falar para as pessoas comerem o que quiserem. Depois, daremos a elas medicamentos para combater os problemas de excesso de peso. A inflamação celular está se espalhando como um vírus por todo o mundo. Obesidade hoje é um problema de saúde pública nos Estados Unidos, que exporta sua comida para mercados como a América do Sul e Ásia – alimentos ricos em ômega 6, gordura cinco vezes mais barata que o azeite de oliva. Elas provocam inflamação, obesidade e diabetes, uma das prováveis causas de Alzheimer. Nos Estados Unidos, a obesidade começou a crescer em 1980, o diabetes, quinze anos depois. Em mais quinze anos, 2010, a doença com a maior taxa de mortalidade no país é Alzheimer, com 68%. O que está acontecendo é desenvolvimento das inflamações dos tecidos para o pâncreas, até o cérebro. E esse é um quadro muito honesto do que será futuro de toda a humanidade. A terceira guerra mundial será contra o Alzheimer. É uma possibilidade assustadora. E o único jeito de combater essa doença ainda sem cura é pela alimentação.

E ela terá que mudar radicalmente? Estamos hoje no meio de uma encruzilhada em que precisamos decidir qual será o futuro da humanidade. E o que temos a fazer é tomar uma decisão, em nome da espécie humana, de qual direção seguir. O que vemos hoje nos Estados Unidos, com seu colapso do sistema de saúde, é mais ou menos o cenário de como será todo o mundo. Dietas que induzem inflamações são preocupantes para nossa espécie. O que comemos vai decidir o futuro da humanidade.

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Diante desse quadro, não é possível dizer que as dietas fracassaram em todo o mundo?

Hoje, todo mundo é expert em dietas. Isso faz com que a maior parte das pessoas, realmente, não tenha a mínima ideia do que fazer. É simples, se comermos muitos carboidratos, teremos altos níveis de insulina e muita gordura. Se formos para o outro extremo e comemos poucos carboidratos – e muita proteína – teremos elevadas taxas de cortisol no organismo, que nos traz doenças. O ideal é manter-se em uma zona em que essas substâncias e outros hormônios estejam balanceados e sejam capazes de fazer com que as calorias que ingerimos tornem-se mais efetivas. É isso que a zone diet faz.

Uma das críticas à sua dieta é que ela é muito restritiva. É possível se alimentar com esses nutrientes comendo fora de casa, em uma cidade grande? É possível segui-la em qualquer lugar. Quer um exemplo? Se você está sem tempo, entre no McDonald’s e peça um McChicken e uma salada. Você tira o hambúrguer do sanduíche, corta metade da fatia de pão e os adiciona à salada. E tempera com o azeite de oliva. Pronto, tem um prato balanceado.

Então há espaço para pães, doces e molhos? Sim! Quando vou à Itália, que faz o melhor sorvete do mundo, não deixo de tomar um gelatto. Mas apenas um, porque sei que, se tomar mais, sofrerei as consequências. Na Alemanha, não posso deixar de comer aqueles pães maravilhosos. Mas não como muito, porque sei o que isso vai me causar. É o conhecimento de como funciona o nosso corpo que nos dá a liberdade. Balanceando nosso prato, estamos balanceando nosso futuro.

A Associação Britânica de Dieticistas recomenda que se evite a zone diet, afirma que ela não é comprovada e vai contra a regulamentação das agências de nutrição nacionais. Qual seria sua resposta? Eles dizem isso, mas o Centro de Pesquisa para Diabetes Joslin, na Universidade Harvard, anunciou em 2005 as diretrizes para tratar obesidade e diabetes. Sem nenhuma surpresa, as normas são essencialmente as da zone diet. Então, se for para escolher acreditar na Associação Britânica ou na Universidade Harvard, eu prefiro acreditar em Harvard. Se eu estou errado, então Harvard está errada.

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