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“Não há volta, os médicos terão de se reeducar”

Para o cardiologista Eric Topol, a medicina tradicional está com os dias contados. Ele prevê que aparelhos baratos e aplicativos revolucionarão a tarefa de obter diagnósticos

Por Olívia Fraga, de Nova York
4 nov 2012, 14h33

Eric Topol anda com seu código genético debaixo do braço. É na tela de seu iPad que o cardiologista, um dos geneticistas mais renomados dos Estados Unidos, consegue analisar, por meio de um aplicativo de fácil leitura, as informações de seu genoma. Não é só isso. Na parte de trás de seu smartphone, duas placas de metal correspondem a dois eletrodos que, com uma pressão dos polegares, fazem a leitura dos batimentos cardíacos. O dispositivo é seu eletrocardiograma portátil. Em casos de emergência, como já calhou de acontecer, Topol analisa a frequência cardíaca com o aplicativo fabricado pela AliveCor, acessado na tela do telefone. Foi assim que, num voo para San Diego, o médico pôde atender a um dos passageiros, prestes a sofrer um infarte. O paciente foi socorrido a tempo.

Para Topol, inovações como essas vão impactar o sistema de saúde e a cultura médica. O uso do dispositivo para celular está em vias de ser aprovado na Europa, e aguarda endosso do FDA (Departamento de Saúde) norte-americano para ser comercializado nos Estados Unidos.

“Nada mais será como antes”, alerta o cientista que apostou, de forma pioneira, nas pesquisas genéticas como a vanguarda no diagnóstico de doenças. Os estudos que identificaram genes envolvidos em determinados tipos de câncer levou Topol a pesquisar o DNA de pacientes cardíacos. Sua tese foi comprovada: dois genes ligados a problemas cardiovasculares foram descobertos e, a partir daí, surgiram novos remédios para o tratamento.

Em 2004, pouco depois das descobertas, Topol comprou uma briga pesada com a gigante dos fármacos Merck, fabricante do Vioxx, remédio para controle da pressão. Motivo: o laboratório não admitia os efeitos colaterais fatais. A questão foi debatida por meses na imprensa, chegou ao FDA, e a Merck suspendeu a fabricação do Vioxx. Quando não concorda com algo, Topol não mede palavras. Abandonou o emprego após uma disputa por controle dentro da Cleveland Clinic, hospital de ponta no tratamento de doenças do coração, onde tinha o posto de diretor e atuava como médico e pesquisador.

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Mas o maior desentendimento de Topol é com a atual cultura médica. Em fevereiro deste ano, lançou o petardo Creative Destruction of Medicine – How the Digital Revolution Will Create Better Health Care (“Destruição criativa da medicina – como a revolução digital dará origem a um sistema de saúde melhor”, em tradução livre). Cansado do embaraço e da timidez de colegas com o mundo digital, Topol, que coordena o programa de medicina genômica da Scripps Health (organização de saúde privada americana sem fins lucrativos), conduziu testes em uma dúzia de novos equipamentos para o livro e aponta para uma revolução dentro dos consultórios e pronto-socorros.

“Aposentem seus estetoscópios”, diz Topol, que acredita ser necessário um reboot na medicina tradicional, incapaz de resolver o problema de milhões de pessoas. Em entrevista por telefone, da Califórnia, Topol conversou com o site de VEJA dias depois de uma elétrica palestra na conferência Living by Numbers, promovida em outubro pela revista americana Wired, em Nova York, na qual anunciou a condução de testes para a criação de nanossensores injetados na corrente sanguínea, capazes de antecipar o diagnóstico de um infarte.

O senhor parece empolgado com os novos tempos, em que a informação digital deve possibilitar melhores tratamentos a milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, preocupa-se com a lentidão e o atraso de alguns setores. Como mudar a ordem das coisas? Mobilizando os pacientes, os consumidores. A comunidade médica é refratária a todo tipo de mudança de procedimento – e as novas tecnologias vão modificar completamente o papel dos médicos no futuro. Se meus anos de experiência como clínico servem de parâmetro, posso garantir que todas as pessoas são profundamente interessadas em sua própria saúde, por mais simples ou pouco instruídas que sejam. Saúde é o bem mais precioso das nossas vidas. Estas pessoas vão se informar, vão procurar saber. Elas querem entender o que acontece dentro de si mesmas. Portanto, são as mais interessadas nessa mudança, e vão provocá-la. Os médicos terão de correr atrás.

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Mas a informação tem um preço. Diria que não será alto. Aplicativos de celular e dispositivos como um eletrocardiograma portátil serão baratos e compactos. Vão desmontar a indústria porque, além de serem mais eficientes, serão acessíveis. Não há caminho de volta. No meu iPad tenho uma porção de aplicativos com meus dados genéticos, a relação de mutações genéticas que me proíbem ou autorizam a usar determinada droga. Acompanho meus batimentos cardíacos. Há ainda os leitores de saliva para controle de açúcar no sangue.

As pessoas estão capacitadas a fazer a leitura destes equipamentos? Não terão de ser reeducadas, num processo que levará tempo? O nível de informação dos leigos não é assim tão inferior ao de alguns médicos, que ainda não dominam a leitura de dados em genética, por exemplo. Os doutores têm de se reeducar, também.

Qual será o papel do médico, então? Este sistema novo que está se impondo não é irreal. É material, palpável, já existe. E é muito mais ameaçador para a classe médica do que se imagina. Se eu posso medir minha pressão ou meu nível glicêmico em casa, por que ir atrás de um clínico geral em um pronto socorro? Se eu tiver acesso a um scanner óptico portátil, que identifique miopia e astigmatismo, para que servirão os oftalmologistas? Temos de entender que as máquinas revolucionaram o conceito de diagnóstico. O processo não parou, e não vai parar só por nossa vontade. Agora é a hora de democratizá-lo.

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Como será a medicina depois disso? Os médicos serão guias, tutores. Farão o aconselhamento, terão a informação geral sobre um tipo de doença ou uma população para poder interpretar os dados e aconselhar sobre os melhores tratamentos. Outro caminho incontornável é a volta dos médicos para o laboratório, não como técnicos, mas como atores no processo de desenvolvimento de drogas e dispositivos.

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