Marcada por perdas familiares, jovem paranaense se apoiou na pesquisa
Maria Vitória Valoto apostou nos estudos para seguir em frente
Câncer, produtos odontológicos, casca de laranja. A mistura inusitada — inusitadíssima — vai e vem no fluxo da memória da paranaense Maria Vitória Valoto. Não é difícil entender o porquê: tais lembranças resumem a trajetória que a levou de Londrina ao Alma College, em Michigan (EUA), onde cursa biotecnologia.
Explica-se. Aos 10 anos, Maria Vitória perdeu a mãe para um câncer de colo do útero. A jovem atribui a esse infortúnio sua decisão de se tornar cientista — depois de ver a doença triunfar, pensou que um dia descobriria formas de evitar que outras crianças sentissem a dor que a estraçalhava. O pai, que trabalhava como representante comercial de materiais para dentistas, viajava muito e não pôde continuar a criá-la. Maria Vitória foi, então, morar com uma tia materna. Por mérito acadêmico, obteve uma bolsa em um caro colégio particular e aos 14 anos começou a fazer pesquisas científicas.
Em 2016, durante uma feira de ciências, a adolescente ouviu o relato de uma mulher que dera à luz recentemente. Acometida nas mãos por uma infecção provocada pelo fungo cândida — que causa a candidíase —, ela estava impedida de segurar seu bebê, pois havia o risco de contágio. Inconformada, Maria Vitória decidiu estudar o assunto. Acabou encontrando na laranja a solução para o mal: uma bactéria impedia a proliferação do fungo na casca da fruta. A descoberta resultou em uma terapia alternativa para o tratamento do problema. Em 2017, a futura biotecnóloga (está no 1º ano do curso) se tornou a primeira e única pessoa da América Latina a chegar à final da competição de jovens cientistas promovida pelo Google — e a primeira brasileira a participar três vezes da feira da Intel, a maior da área de ciências pré-universitárias. Somente no ensino médio, arrebatou mais de trinta prêmios nacionais e internacionais.
Em 2015, Maria Vitória e o pai voltaram a morar juntos. No início de 2019, ele teve uma lesão cerebral e parou de andar e de falar. Morreu em maio. “No fim da nossa relação, meu pai me dizia que o mundo era pequeno para mim. Quando penso em tudo o que conquistei, reflito que ele é pequeno não só para mim, mas para todos que acreditam que possam transformá-lo”, afirma a jovem. “Foi a ciência que me fez persistir. A educação me salvou”, completa.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668