Mais próximo da cura: os novos resultados promissores na batalha contra o HIV
Descobertas científicas, realizadas inclusive no Brasil, representam passos para alcançar uma das mais difíceis missões da medicina moderna
Durante mais de quatro décadas, os corredores do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, foram o mais fiel retrato da luta contra um adversário cruel e invisível. Nos anos 1980, quando os primeiros casos do que viria a ser conhecido como síndrome da imunodeficiência adquirida, a aids, chegavam ao hospital, pouco se sabia sobre o vírus por trás da doença capaz de arruinar as próprias células de defesa do organismo. “Trabalhávamos no escuro”, recorda a infectologista Marinella Della Negra, que passou 46 anos na linha de frente da instituição. Em 2025, o cenário felizmente é outro. A evolução dos antirretrovirais — medicamentos que impedem o vírus de se multiplicar e uma das principais conquistas da medicina — transformou o que antes era uma sentença em uma condição controlável, evitando que pessoas infectadas desenvolvessem o estágio avançado da infecção. Mas a ciência não parou por aí, nutrindo uma antiga esperança diante de um desafio que, em alguns momentos, parecia inatingível: chegar à sonhada cura.
Nessa direção, pesquisadores no Brasil e na Alemanha anunciaram resultados considerados promissores na busca por uma cura funcional do HIV — isto é, a eliminação do vírus sem necessidade de tratamento contínuo. Essas pesquisas seguem uma linha de investigação iniciada em 2007, quando Timothy Ray Brown, um homem com HIV e também diagnosticado com leucemia, tornou-se a primeira pessoa curada do vírus. Conhecido como Paciente de Berlim, em referência à cidade onde se tratou, ele foi submetido a um transplante de medula que, por acaso, tinha como doador um homem com uma mutação genética rara que conferia resistência natural ao vírus. Com novas células imunológicas no corpo, Brown ficou livre do HIV, algo que seria repetido, anos depois, em outras seis pessoas pelo mundo.
O achado reacendeu a expectativa de eliminar de vez o microrganismo por trás da aids. No entanto, os casos noticiados revelavam grandes limitações: um procedimento de alto risco, caro e impossível de ser feito em larga escala com os recursos atuais. Desde então, pesquisadores quebram a cabeça para reproduzir o efeito por rotas menos invasivas e mais seguras ou encontrar outra forma de atacar o vírus não só na corrente sanguínea, mas também em seus esconderijos no organismo. Um dos trabalhos mais recentes nesse sentido é conduzido pelo imunologista alemão Florian Klein, que investiga os chamados “neutralizadores de elite”, pessoas que convivem com o HIV, mas conseguem manter o inimigo sob controle sem o uso de medicamentos. O segredo, como foi desvendado, está em anticorpos especiais produzidos por esses indivíduos, capazes de deter o vírus com alta eficiência.
Entre as partículas investigadas pelo time germânico, destacou-se um anticorpo em particular — identificado pelo código 04_A06. Ele apresenta uma espécie de “braço extra”, uma estrutura que lhe permite alcançar regiões do HIV normalmente inacessíveis ao sistema imunológico. Em testes de laboratório, foi capaz de barrar 98,5% das 332 variantes virais analisadas — incluindo cepas resistentes a outros agentes de defesa. “Esse anticorpo representa um progresso importante, porque combina amplitude e potência, tornando a fuga do vírus muito mais difícil”, diz o médico Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Embora os resultados empolgantes venham de experimentos com animais, as partículas neutralizadoras já começaram a ser testadas em voluntários humanos. A ideia é reproduzir o anticorpo em laboratório e transferi-lo para os pacientes. “Ainda há um longo caminho pela frente, mas podemos dizer que é um horizonte plausível”, avalia Naime.
O grande obstáculo para encontrar a cura completa diante da infecção pelo HIV reside no fato de ele ser um adversário ardiloso. O vírus tem a capacidade de se esconder em diferentes compartimentos do corpo — como o sistema nervoso central, os gânglios e as mucosas dos sistemas digestivo e urinário — em um estado de latência que os especialistas chamam de “reservatórios virais”. Nesses locais, o HIV permanece adormecido, fora do alcance do sistema imunológico e dos medicamentos. Outra característica que complica o combate é o ritmo das mutações. Diferentemente dos vírus da covid-19 e da gripe, que mudam rapidamente, o HIV sofre alterações mais lentas. Essa aparente estabilidade, porém, não o torna menos perigoso: enquanto controlado pelos antirretrovirais, ele se mantém na surdina, mas pronto para reagir. Se o tratamento é interrompido, desperta desses reservatórios e volta a atacar, reiniciando seu ciclo de destruição.
Foi a partir da compreensão minuciosa dessas particularidades que uma linha de investigação conduzida na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) ganhou holofotes globais ao propor uma abordagem combinada e ousada. O infectologista Ricardo Sobhie Diaz e sua equipe testam uma terapia que une o coquetel antirretroviral convencional a três medicamentos adicionais, capazes de atingir justamente as células onde o vírus se oculta. Um dos pilares da estratégia é despertar o HIV adormecido, expondo-o para que possa ser eliminado pelos próprios remédios já em uso. “O tratamento convencional faz o vírus parar de circular, mas o sistema imunológico esquece como combatê-lo. Então, além de acordar o vírus, precisamos ensinar o corpo novamente a reconhecer e destruir as células infectadas”, afirma Diaz.
O mesmo grupo brasileiro desenvolveu uma terapia celular personalizada, semelhante a uma vacina. Nessa etapa, o vírus do próprio paciente é modificado em laboratório e reintroduzido no organismo para estimular a imunidade a flagrar e atacar os redutos tomados pelo HIV — inclusive células onde ele permanece latente. Os resultados iniciais foram auspiciosos. Um dos voluntários do estudo, conhecido agora como Paciente de São Paulo — em referência aos casos de cura obtidos a partir de transplantes de medula —, contraiu o vírus em 2012 e, após participar da pesquisa, chegou a permanecer cerca de um ano e meio sem carga viral detectável, como se nunca tivesse sido infectado. “Ele chegou a eliminar completamente o vírus, mas acabou se reinfectando com uma cepa diferente”, diz Diaz. “Essa experiência mostrou que estamos no caminho certo, mas ainda precisamos ajustar as intervenções.”
O time de cientistas da Unifesp agora dá um passo além. Ele integra uma iniciativa maior, que busca transformar o país em referência nos estudos de erradicação do HIV. A proposta é criar o primeiro centro no mundo dedicado exclusivamente à cura — uma força-tarefa que reúne profissionais da própria Unifesp, da USP, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara e do Instituto de Física de São Carlos. A ideia é reunir em um mesmo espaço diferentes frentes de pesquisa que já vinham caminhando em paralelo, como engenharia genética, nanotecnologia, imunoterapia e desenvolvimento de fármacos. “Hoje vemos pacientes com o que chamamos de remissão sustentada sem antirretrovirais, quando eles conseguem manter o HIV sob controle sem remédios. Mas nosso objetivo é mais profundo: queremos eliminar todos os vírus que estão no corpo da pessoa”, detalha Diaz.
Apesar do entusiasmo, a corrida pela vitória completa continua sendo, antes de tudo, uma autêntica maratona. O vírus é um mestre da adaptação: integra-se ao DNA das células hospedeiras, cria reservatórios em tecidos de difícil acesso e se camufla de maneira quase invisível ao sistema imunológico. Por isso, as abordagens mais inovadoras tendem a combinar estratégias. Enquanto a cura definitiva ainda não se concretiza, cabe notar que outras esferas de combate ao vírus se transformaram significativamente — da testagem ao acesso às terapias disponíveis. No Brasil, políticas como o Programa Nacional de Controle da Aids, criado em 1986 pelo Ministério da Saúde, garantiram o fornecimento universal e gratuito de antirretrovirais pelo SUS, tornando o país exemplo mundial no enfrentamento da epidemia. “Além disso, quando a carga viral está indetectável por meio do uso dos medicamentos, não há mais transmissão sexual do vírus”, destaca Naime, da SBI. Ou seja, o tratamento adequado também é um meio de prevenir a disseminação do HIV. “Essa é uma das maiores conquistas na saúde pública”, diz o médico. Hoje, essas vitórias se consolidam com a ampliação da profilaxia pré-exposição (PrEP) — um comprimido que impede o contágio — e com a chegada da primeira injeção semestral contra o HIV. São marcos que mudaram o curso da epidemia e garantiram qualidade de vida a milhões de pessoas. E a chama da esperança em prol da cura segue acesa, muito bem alimentada pela ciência. A recompensa há de vir.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970


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