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Lançada ao lado da cracolândia, nova unidade antidrogas de SP prefere combater o álcool

Novo órgão parece ser mais um departamento burocrático, bancado com dinheiro público, incumbido de uma missão que outras repartições não conseguiram cumprir. Diretor explica o objetivo da nova unidade, que, com apenas oito funcionários, pretende auxiliar no combate às drogas em todo o estado

Por Vivian Carrer Elias
14 set 2011, 17h22

“Acredito que a prioridade na coordenação sejam as drogas mais prevalentes e lícitas, principalmente o álcool. São raros os casos de pessoas que entram no mundo das drogas pelo crack. A maioria começa pelo álcool, que é a porta de entrada para tudo”

Na última segunda-feira, na Sala São Paulo, o governo de São Paulo lançou oficialmente a Coordenação de Políticas Sobre Drogas (Coed), seu novo órgão de auxílio para o combate às drogas. O lançamento poderia ser louvável pelo local onde foi feito – a 500 metros do local conhecido como cracolândia, onde centenas de viciados se reúnem diariamente para consumir crack �- mas o foco escolhido pelo Coed é o combate ao consumo de álcool.

‘O crack é uma epidemia no Brasil, mas o governo não entende assim’, diz coordenador do CFM

Não que a causa escolhida não seja nobre, mas enquanto governantes não admitirem a epidemia de crack e derem prioridade ao problema, ela continuará se alastrando sem políticas públicas adequadas de prevenção e tratamento. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que acompanhou 107 dependentes de crack por 12 anos, mostrou que, ao final desse período, 25% estavam mortos, 12% presos e 20% continuavam usando a droga, tornando clara a necessidade de uma ação imediata do poder público.

Com apenas oito funcionários, o novo órgão parece ser mais um departamento burocrático, bancado com dinheiro público, incumbido de uma missão que outras repartições não conseguiram cumprir. Subordinada à Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania, a coordenadoria atuará junto ao já existente Coned (Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas), e será composta pela Comissão Estadual para Assuntos Referentes a Bens Apreendidos pelo Tráfico de Drogas (COMBAT); a Comissão Multidisciplinar Intersecretarial; a Câmara Técnica de Políticas sobre Drogas e o Observatório Paulista de Informações sobre Drogas.

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Mais conhecido como Dr. Laco, Oliveira vem desenvolvendo projetos sobre abuso de drogas desde 1985, quando foi diretor do Instituto de Medicina Social e Criminologia (IMESC), e falou ao site de VEJA sobre a Coed, o foco no alcoolismo e o crack.

Qual é a diferença entre o CONED o COED? A Coned já existe há quase 25 anos e é um conselho fundamentalmente de discussão e de diálogo, mas não possui um papel executivo. Da necessidade de ter um braço que articulasse o que já existe, fomentasse novas ações e as divulgasse entre os municípios do estado, foi criada a Coordenação de Políticas Sobre Drogas. Nós seremos um canal entre o estado de São Paulo e seus municípios, os outros estados e as outras ações da sociedade civil.

Qual é o principal objetivo da coordenação? Nossa ação será muito ampla, então não é possível falar em uma principal. Políticas públicas sobre drogas vão desde prevenção e tratamentos até redução de danos e reinserção social, que é a recuperação dos dependentes, e vamos trabalhar nesses vários aspectos de ação. Por exemplo, no estado de São Paulo há 645 municípios, mas existe conselho ativo sobre drogas em menos de 100. A Coed vai estimular a formação desses conselhos e divulgar ações de outros municípios para onde não há ou não é eficiente.

O que está ao alcance do COED em termos de execução de projetos? A Coed trabalhará em associação com os órgãos públicos para que todos que desenvolvam projeto sobre drogas conversem entre si, evitando que as coisas aconteçam de formas isoladas. Queremos articular, por exemplo, a Secretaria da Saúde, que é responsável pela execução de tarefas de tratamentos, com as Secretarias do Desenvolvimento Social, do Trabalho, do Esporte e da Habitação, que são responsáveis pela reinserção social. Vamos dizer que a gente descubra que a Secretaria de Habitação tenha um programa sobre drogas, mas não se articule com Educação e Saúde, então nós, da coordenação, vamos propor esse diálogo. Além disso, faremos eventos, publicações e pesquisas.

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Como a Coed vai agir no tratamento dos dependentes? Não vamos ter ação diretamente em tratamentos, mas vamos, por exemplo, facilitar a implementação de unidades terapêuticas. No mesmo dia do lançamento da Coed, foi lançado o Manual de Orientação para Instalação e Funcionamento das Comunidades Terapêuticas no estado de São Paulo, que vai permitir o aperfeiçoamento das entidades que se dedicam a tratar os dependentes químicos.

O crack será a prioridade das ações da Coed? Na minha opinião, não. Acredito que a prioridade na coordenação sejam as drogas mais prevalentes e lícitas, principalmente o álcool. São raros os casos de pessoas que entram no mundo das drogas pelo crack. A maioria começa pelo álcool, que é a porta de entrada para tudo. Por isso que o governador de São Paulo mandou um projeto de lei em agosto para inibir a venda e o consumo de bebidas alcoólicas por menores de idade. Nós participamos da elaboração desse projeto. Daremos atenção para todas as drogas, mas devemos ter mais cuidado para aquilo que prejudica mais, ou seja, as drogas lícitas, que são o álcool, o tabaco e medicamentos.

O número de leitos disponíveis na cidade de São Paulo é baixo em relação ao número de dependentes químicos, principalmente de crack, que precisam de tratamento imediato. A COED poderá auxiliar nesse problema? Pode, e muito. O próprio manual para as comunidades terapêuticas é uma das maneiras de ajudarmos. Além disso, precisamos atualizar as pesquisas para conhecermos o tamanho do problema, já que o último estudo que temos de caráter nacional sobre o uso de drogas foi feito em 2005 pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). A construção da política antidrogas está atrasada, mas temos que tomar cuidado para não construirmos o telhado antes de ter uma parede levantada.

E quanto à internação? Quando pensamos em tratamentos, logo pensamos em internação, mas é preciso esclarecer que o modelo de internação é para uma minoria. Há outras opções, como o CAPS, hospitais gerais, psiquiátricos, comunidades terapêuticas e outros vários níveis de prestação de serviço no tratamento do dependente químico.

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Como a COED irá tratar a questão da internação compulsória? A internação compulsória já é implementada há anos e é uma determinação do judiciário, não tem nada a ver com o equipamento de saúde. Ela seria mais adequada se o judiciário contasse com uma equipe médica que fizesse uma avaliação que não fosse meramente uma determinação judicial. Nós queremos construir essa atuação mais harmônica entre os médicos e os juízes. É preciso entender que, além dela, há outros dois modelos de internação: a voluntária e a involuntária, que exige uma determinação médica uma comunicação ao ministério público para que ocorra. Eu sou a favor das três internações, desde que sejam feitas de maneira correta. Se for uma internação involuntária em que a proposta é reter o indivíduo e através de um processo convencê-lo de dar continuidade ao tratamento, é muito válido. Agora, se é para levar alguém sem oferecer uma boa alternativa de recuperação, não vale a pena.

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