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Decisão do STF reacende polêmica sobre uso de remédios para emagrecer

A proibição da venda de anfetamínicos no Brasil traz de volta discussão sobre medicamentos. Se bem indicados por um profissional, não há problema algum

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 out 2021, 09h51 - Publicado em 22 out 2021, 06h00

Falta de força de vontade, de autocontrole. São muitas as fragilidades atribuídas ao indivíduo obeso. Infelizmente, até hoje prevalece o estigma de que a obesidade seria consequência de um comportamento preguiçoso, quando, na verdade, se trata de uma doença complexa contra a qual não há caminhos únicos. Na esteira da desinformação, quem mais sofre é o paciente, que se vê perdido e incapaz de compreender a própria condição. O fardo é maior para os que necessitam de remédios, com facilidade tachados de dependentes, fracos ou outras bobagens do gênero. Na semana passada, essa parcela de pacientes foi surpreendida com a notícia de que alguns medicamentos não estarão mais disponíveis no mercado. Isso graças a uma resolução do Supremo Tribunal Federal tomada na quinta-feira 14, derrubando uma lei que autorizava a produção, venda e consumo dos anfetamínicos anfepramona, femproporex e mazindol. Na prática, o tribunal voltou a deixar a decisão a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que em 2011 já havia proibido a utilização das medicações.

arte Remedio obesidade

Só ficou de fora da proibição a sibutramina, o emagrecedor com registro mais antigo no país — desde março de 1998 — e o único disponível no Sistema Único de Saúde. Criado como antidepressivo, ele aumenta a sensação de saciedade. Embora seja a primeira escolha quando é preciso usar medicamento, é contraindicado para quem tem doença cardiovascular ou faz acompanhamento psiquiátrico. Existem também pessoas que não respondem à droga. “Agora, com a proibição dos outros remédios, há pacientes que podem ficar sem medicamento nenhum”, diz Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

A situação ocorreria porque, segundo a especialista, os outros dois fármacos para emagrecer liberados pela Anvisa, a liraglutida (retarda o esvaziamento gástrico, aumentando a saciedade) e o orlistat (impede a absorção de gordura), são caros e dificilmente serão disponibilizados pelo SUS. Uma caixa de liraglutida custa em média 450 reais e a do orlistat, 150 reais. A Anvisa, porém, mantém a posição de que os riscos dos anfetamínicos superariam os benefícios. Entre os perigos, estariam a possibilidade de desenvolvimento de dependência física e psíquica, ansiedade, taquicardia, hipertensão e problemas cardiovasculares. A agência também afirma que não existem evidências de eficácia a longo prazo.

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EPIDEMIA - Números crescentes: 96 milhões de brasileiros estão acima do peso -
EPIDEMIA - Números crescentes: 96 milhões de brasileiros estão acima do peso – (Gilberto Tadday/.)

As questões em torno da anfetamina são antigas. Droga sintética que estimula a atividade do sistema nervoso central, com indicações médicas para o transtorno do déficit de atenção e narcolepsia — distúrbio que causa sonolência excessiva —, foi preparada em laboratório pela primeira vez em 1887, pelo químico romeno Lazár Edeleanu, na Universidade de Berlim, na Alemanha. Utilizada durante a II Guerra Mundial, tinha a finalidade de manter os soldados acordados e ativos. Naquela época, observou-se que ela reduzia a fome e a fadiga. Mais tarde, quando se comprovou que realmente inibia o apetite, passou a ser usada por pessoas que queriam perder peso. Até hoje, é o remédio para emagrecer mais popular do planeta. Particularmente no Brasil, porém, ela se tornou um problema. Em 2007, o país apareceu como o maior consumidor de anorexígenos — medicamentos moderadores de apetite à base de anfetamina — do mundo em relatório anual da Organização das Nações Unidas, com ingestão de cerca de 12,5 doses diárias, contra 11,8 na Argentina, 9,8 na Coreia do Sul e 4,9 nos Estados Unidos.

No ano seguinte, surgiu no levantamento do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes como o terceiro maior consumidor de anfetaminas do globo. “Representa um padrão preocupante que indica abuso no número de receitas”, dizia o documento. Hoje, sabe-se, o problema envolvendo as anfetaminas por aqui é seu uso indiscriminado e excessivo. “Existe muita venda ilegal e prescrição abusiva com altas doses receitadas por médicos que não são da área”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, da SBEM. O resultado são pacientes com agitação, irritabilidade acentuada, algo que não aconteceria com a dose correta. “Esses remédios estão há décadas no mercado e não se tem registro de efeitos colaterais graves quando usados adequadamente”, afirma.

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arte Remedio obesidade

A médica toca no ponto fundamental que determina se a utilização de remédios para perder peso será efetiva ou não. Assim como em todo tratamento, é preciso saber a quem, quais e como as medicações devem ser empregadas. Nas diretrizes brasileiras de tratamento, a indicação leva em conta o IMC (índice de massa corpórea) acima de 30 kg/m² e a presença de doenças associadas à obesidade, como triglicérides aumentado, gordura no fígado e apneia do sono. Entre 30 e 25, faixa de sobrepeso, recomendam-se mudanças de estilo de vida com dietas, atividade física e hábitos saudáveis.

Nos Estados Unidos, onde é permitida a venda de anfetaminas para emagrecimento, o Instituto Nacional de Saúde preconiza que indivíduos com IMC 27 podem ser medicados caso apresentem enfermidades correlatas. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 96 milhões de brasileiros apresentam IMC maior do que 25 kg/m², o que equivale a cerca de 60,3% da população adulta do país. É muita gente com a saúde sob ameaça, sabendo-se que o excesso de peso é fator de risco para infartos, acidente vascular cerebral e alguns tipos de câncer. Portanto, como qualquer outra doença, a obesidade precisa ser enfrentada adequadamente. Se tiver de ser com remédio, que seja.

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Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2021, edição nº 2761

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