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De melão a bicarbonato: o impacto das fake news no tratamento de câncer

Levantamento da BBC identificou mais de 80 vídeos em dez idiomas diferentes com notícias falsas nos cuidados da doença

Por Redação
Atualizado em 20 set 2019, 17h37 - Publicado em 20 set 2019, 17h23

Encontrar informação sobre qualquer assunto é muito fácil, basta procurar na internet. Muitas delas são úteis e ajudam a resolver problemas do dia a dia. Outras, no entanto, podem ser extremamente prejudicais. Isso vale especialmente para informações relacionadas à saúde. No YouTube, por exemplo, é possível encontrar diversos vídeos indicando a cura para o câncer sem qualquer embasamento científico. Esse tipo de conteúdo costuma atrair muitos pacientes – e seus familiares – em busca de uma maneira simples de restabelecer a saúde.

É importante ressaltar que a maioria dessas informações é dada por leigos sem qualquer experiência na área da saúde. Uma investigação feita pela BBC descobriu mais de 80 vídeos (em 10 idiomas diferentes) que divulgam tratamentos alternativos ou mesmo a cura para o câncer – uma doença que, em alguns casos, nem mesmo a medicina consegue solucionar completamente. No Brasil, por exemplo, um canal chamado “Elizeu Artes e Criação” apresenta o melão-de-são-caetano como um remédio caseiro contra o câncer.

O dono do canal afirma em vídeo que “de 80% a 90% das células de câncer são desfeitas com melão-de-são-caetano”. A informação é completamente infundada: os estudos realizados até agora indicam que a planta tem potencial para fornecer substâncias anticancerígenas, mas nenhum deles conclui que o melão-de-são-caetano é capaz de curar a doença. No Brasil, é comum encontrar falsas curas envolvendo frutas e plantas exóticas. Em outras partes do mundo, a cúrcuma, o leite de burra e até mesmo bicarbonato de sódio podem ser uma “solução definitiva” para o câncer.

Infelizmente, muitos pacientes que se deparam com essa informação acreditam nela e podem até mesmo deixar de fazer o tratamento tradicional – este, sim, com eficácia comprovada. Pesquisa da Universidade Yale, nos Estados Unidos, aponta que pessoas que optam pela “medicina alternativa” para cânceres curáveis apresentam maior risco de morte se comparado aqueles que procuram o tratamento convencional.

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Desinformação

Esse tipo de conteúdo faz sucesso porque “mexe” com as pessoas. “[Esses vídeos] evocam diferentes tipos de emoção e isso pode ser muito contagioso”, explica Heidi Larson, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, na Inglaterra, à BBC. Já o cardiologista Haider Warraich acrescenta: “É muito assustador quando você ou alguém que você ama recebe um diagnóstico de câncer. Isso nos faz tomar decisões mais com a emoção do que com a razão”, disse à BBC.

Outra motivo para a maior divulgação de vídeos sobre curas e tratamentos está relacionado ao sistema de recomendação do YouTube. Isso porque, para manter o usuário no site, a plataforma reproduz automaticamente vídeos com temas semelhantes já que os algoritmos entendem que esse conteúdo é do interesse do usuário. A prática permite que as pessoas vejam um vídeo atrás do outro com informações errôneas e perigosas.

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Ao ser procurado pela BBC, o YouTube explicou que “a desinformação é um desafio difícil, e nós tomamos diversas medidas para endereçar isso, incluindo mostrar mais conteúdo confiável sobre questões médicas, exibindo painéis de informação com fontes confiáveis e removendo anúncios de vídeos que promovam afirmações danosas. Nossos sistemas não são perfeitos, mas estamos constantemente fazendo melhorias e permanecemos comprometidos para progredir nesse espaço”.

A empresa já havia anunciado em janeiro que pretendia reduzir a recomendação de conteúdos que poderiam desinformar usuários de forma prejudicial. Entre os conteúdos classificados dentro desta categoria estavam vídeos que promovem falsas curas milagrosas para doenças sérias. A mudança, no entanto, só foi promovida para conteúdo em inglês. Ou seja, em qualquer outro idioma é falsas informações continuam circulando na plataforma.

Desmonetização

Entre as políticas do YouTube para controlar seus usuários, especialmente os produtores de conteúdo, está a desmonetização (quando o vídeo perde anúncios e deixa de produzir retorno financeiro para quem produziu). Esse tipo de recurso é muito utilizado para conteúdos pornográficos ou que infringem direitos autorais.

Além disso, nas regras globais da plataforma, vídeos que defendam “declarações ou práticas médicas ou de saúde prejudiciais”, como “tratamentos não médicos que prometam curar doenças incuráveis” não podem ter publicidade. Entretanto, levantamento da BBC mostrou que os vídeos encontrados com essa temática circulam no Youtube desde 2016 – com propagandas. Isso indica que as diretrizes não estão sendo aplicadas corretamente. Segundo o Youtube, os vídeos já foram desmonetizados  – o que aconteceu somente após a publicação da investigação.

Embora o retorno financeiro tenha sido prejudicado para quem divulga informações de saúde falsas, especialistas indicam que essa não é a solução para combater o problema. “Há muitas motivações por trás do compartilhamento de desinformação. Dinheiro é só uma delas”, comentou Erin McAweeney, do instituto Data & Society, à BBC

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Como combater a desinformação?

A melhor estratégia para combater informações falsas é divulgar as verdadeiras. Ou seja, os profissionais de saúde precisam se mobilizar para produzir e disseminar conteúdo. Porém, isso não está acontecendo. Um levantamento feito por pesquisadores das Universidades Georgia Southern e William Paterson, nos Estados Unidos, descobriu que, qualquer que fosse o tópico de saúde, a maioria dos 100 vídeos mais populares no YouTube foram produzidos por amadores, ou seja, pessoas sem formação na área da saúde. “A comunidade de saúde pública e de ciência tem hesitado em se engajar nas redes sociais. Precisamos nos engajar”, diz Heidi, da Escola de Higiene & Medicina Tropical.

Segundo Chun-Hai Fung, co-autor do levantamento, os profissionais de saúde devem produzir seu próprio conteúdo e também trabalhar em conjunto com profissionais da mídia para garantir qualidade e linguagem acessível. Além disso, o estudo verificou que os vídeos com maior visualização são aqueles que trazem experiências pessoais. A sugestão, portanto, é adotar estratégias similares. “Para comunicar os benefícios da medicina moderna, temos que adotar estratégias similares aos vídeos com maior quantidade de visualizações no YouTube. Será que alguém que se beneficiou da medicina moderna pode contar sua história, por exemplo?”, disse Fung. 

Medicina alternativa

A ciência já comprovou que algumas plantas podem ajudar no combate a doenças. Por isso ela são utilizadas para o desenvolvimento de remédios. No entanto, apenas o suco ou o chá dessas plantas não são capazes de promover os mesmos resultados. Para produzir efeitos benéficos, as substâncias químicas dentro da planta precisam estar na concentração correta.

“O processo de extrair esses químicos e purificá-los levam anos, assim como a escolha das concentrações precisas, que passam por triagens clínicas por muitos anos antes de um produto ser considerado efetivo e seguro para dar a pacientes”, explicou Justin Stebbing, da Imperial College of London, na Inglaterra, à BBC.

O especialista esclareceu que, em geral, as plantas “são seguras para tratamentos convencionais, mas sozinhas não vão ter um efeito significativo contra o câncer ou prolongar a qualidade ou quantidade de vida, que é o que oncologistas estão tentando fazer”.

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Por isso é importante não seguir recomendações de pessoas cujo conhecimento científico é inexiste. Todo paciente, qualquer que seja a doença, deve perguntar ao médico sobre as formas de tratamentos mais adequadas e se existe alguma fonte alternativa que se utilizada em conjunto com o tratamento tradicional pode trazer benefícios. Não é aconselhável trocar soluções cientificamente comprovada pelos achismos da internet.

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