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Coronavírus: os recuperados têm papel crucial em novos tratamentos

Já são mais de 500 000 pessoas que se livraram da infecção no mundo

Por Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 abr 2020, 09h33 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00

Apenas na terça-feira 14, quase dois meses depois do primeiro diagnóstico de Covid-19 no Brasil, os números de pacientes recuperados da doença foram finalmente calculados — e divulgados pelo Ministério da Saúde. A taxa estimada de curados representa 50% dos infectados, porcentual superior aos índices globais. Muito em breve ela deverá cair, ressalve-se, já que o país não atingiu o pico da epidemia e, consequentemente, não esgotou os recursos do sistema de saúde, público ou privado. A revelação estatística de curados, para além de representar algum conforto, e muita esperança, é também uma estrada para desenhar com mais precisão a evolução de uma enfermidade ainda desconhecida. Trata-se, enfim, de contribuição para a ciência. Diz Fernando Gatti, infectologista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo: “Na falta de pesquisas consolidadas, como é o caso agora, os curados são peça-chave para entendermos a ação do vírus no organismo e desenvolvermos mais rapidamente tratamentos eficazes”.

Aos 57 anos, a corretora de imóveis Celina Freire não pertence ao grupo de maior risco, o de idosos. Absolutamente saudável, nunca tinha sido internada, tampouco tido sequer uma gripe na vida, até ser diagnosticada com Covid-19. Os primeiros sintomas da doença não passaram de cansaço e dor nos olhos. O avanço do microrganismo, no entanto, foi espantoso. Quatro dias depois do teste positivo, ela foi internada na UTI do hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, com a sensação de ter um peso em cima do peito e muita dificuldade para respirar. Era uma pneumonia nos dois pulmões. “Lembro que estava no quinto dia de internação e já não suportava ficar sem lavar o cabelo”, conta, com alívio. “Pedi às enfermeiras que me dessem um banho comum. Fui levada por elas e quase não me movimentei. Mesmo assim, quando voltei para a cama, estava tão sem fôlego que parecia ter corrido uma maratona.” Depois de uma semana de UTI e mais sete no quarto do hospital, Celina estava firme e forte, sã.

SOLIDARIEDADE - Bojlesen, no trabalho: voluntário em pesquisas (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

Os estudos com pessoas que reagiram à Covid-19, como a brasileira Celina, permitiram a descoberta, há menos de um mês, dos mecanismos do sistema imunológico no combate à infecção pelo novo coronavírus. A pesquisa, publicada na Nature Medicine, é resultado das reações de uma mulher de 47 anos de Wuhan, na China. Três dias antes da melhora, anticorpos específicos semelhantes aos do vírus da influenza, apareceram em seu corpo. A descoberta é um passo decisivo para encurtar o desenvolvimento de vacinas.

Enquanto não chega um imunizante ou um remédio eficaz, os cuidados com a doença têm incluído sobretudo três tipos de medicamento — anti-inflamatórios, anticoagulantes e a cloroquina, composto usado como moeda pelo governo federal brasileiro. Indicada originalmente para malária, ela age tanto na entrada do vírus nas células como em sua multiplicação dentro delas. A substância, no entanto, tem efeitos colaterais drásticos, como problemas visuais e arritmia cardíaca, sintomas que podem ser controlados com assistência médica. Pesquisa conduzida pela Fiocruz, contudo, começa a mostrar que a taxa de morte de doentes graves com Covid-19 tratados com cloroquina é equivalente à de pacientes também infectados que não usaram a droga.

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Não há, evidentemente, mágica. O que vale é a observação clínica, o comportamento do organismo de quem foi à sombra e voltou. Desde casos graves, que exigem internação, até os mais controlados. O empresário do mercado financeiro Christian Bojlesen, de 45 anos, foi infectado durante as férias em Andorra, no início de março. Ele antecipou a volta ao Brasil quando desconfiou estar doente: de uma hora para outra teve febre baixa, cansaço e um pouco de dificuldade para respirar. Os sintomas nunca passaram disso. Bojlesen ficou isolado em casa por duas semanas, sem precisar de medicação. Recuperado, candidatou-se como voluntário de um estudo promissor com um tratamento baseado na transfusão do plasma do sangue de pessoas curadas para casos preocupantes da doença.

O trabalho, conduzido pelo Hospital Albert Einstein, Sírio-Libanês e Hospital das Clínicas, começou há uma semana. O plasma é a parte incolor e líquida do sangue, composta de água, proteínas e anticorpos criados no contato com diversos vírus. Seu uso não é novo na história da medicina. A estratégia já foi empregada durante a pandemia de gripe espanhola, em 1918, e de Sars, em 2003. Dados de uma pesquisa publicada no periódico científico JAMA são animadores. Das cinco pessoas que estavam ligadas a respiradores e receberam a transfusão, três tiveram alta e duas permaneceram estáveis.

AMOR - Gina, 97 anos: a companhia da filha no hospital foi essencial para a cura (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

No universo de recuperados da Covid-19 (são mais de 500 000 no mundo), há uma indagação crucial ainda sem resposta definitiva da ciência: esses pacientes estão de fato imunes? Recentemente, as autoridades sul-coreanas anunciaram 116 registros de pessoas que testaram positivo para o vírus novamente. Os casos estão sendo analisados pela OMS. Há nuances. O resultado nos exames positivos pode ser tanto em razão de uma nova infecção como de fragmentos que restam nas células mesmo depois da morte do vírus, o que não seria suficiente para causar a doença. Um segundo estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Fudan, em Xangai, foi além: após serem avaliadas 130 pessoas recuperadas da doença, constatou-se que cerca de 8% delas não haviam criado defesas contra um novo contágio. Ou seja, era como se não tivessem se infectado e corriam risco semelhante ao de pessoas que não adoeceram.

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Há ainda muitas dúvidas, e seria irresponsabilidade buscar atalhos inexistentes. Mas histórias de reviravolta devem ser celebradas por iluminar possibilidades, sinônimo de chances de vida diante de tanta incerteza. Convém acompanhar a trajetória de Gina dal Coletto, de Santos, no litoral de São Paulo. Aos 97 anos, ela se livrou da Covid-19 depois de ficar onze dias na UTI do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo. Gina foi infectada pela filha, Maria Helena, que a visitou sem saber que estava doente. Ela foi tratada desde o início com anti-inflamatórios e antibióticos, mas teve um salto apenas no terceiro dia, quando passou a contar com a companhia de Maria Helena no quarto do hospital. Os médicos liberaram sua permanência pelo fato de ela ter sido infectada anteriormente — e já estar curada. Diz a senhora, um sorriso no rosto: “Recuperei a vontade de viver só de ter minha filha por perto”.

Com reportagem de Mariana Rosário

Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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