Carta ao Leitor: A vida de volta
Embora alguma cautela seja recomendável, o quadro geral da pandemia no Brasil é bastante promissor. É possível dizer, sim, que o pior já passou
No Carnaval de 2020, celebrado no fim de fevereiro, era difícil imaginar o que aconteceria no Brasil e no mundo a partir do mês seguinte. O coronavírus já tirava vidas na China, mas poucos poderiam prever que a doença alcançaria o status de pandemia e alteraria drasticamente o cotidiano do planeta inteiro — e por tanto tempo. Não é exagero dizer que foi uma reação em cadeia de proporções épicas. Países se fecharam, pessoas foram obrigadas a ficar em casa por meses, comércios de todos os tipos e tamanhos cerraram as portas e, mesmo com bilhões seguindo as recomendações médicas, cerca de 5 milhões de pessoas morreram (por aqui, infelizmente, alcançamos recentemente a marca de 600 000 brasileiros). Trágica sob vários aspectos, tal experiência entrou para a história da humanidade e será lembrada pelas atuais gerações por décadas.
Como o combate ao coronavírus variou de governo para governo, assim como a extensão alcançada, o retorno à normalidade tem sido diferente nos países. Na Inglaterra, que aplicou rapidamente a imunização em sua população — 68% dos ingleses estão totalmente imunizados —, a retomada foi feita em maio. Na França, desde que se apresente o passaporte de vacinação, a rotina hoje é praticamente idêntica ao que era antes da pandemia. Nos Estados Unidos, por exemplo, já não há a obrigação de usar máscara em locais abertos. No Brasil, depois de muitas trapalhadas do governo Bolsonaro, finalmente estamos dando braçadas firmes para este recomeço. Um ano e meio depois da chegada do “apocalipse”, torcedores estão frequentando estádios de futebol, os shows recomeçaram, diversas escolas e universidades voltaram com as aulas presenciais e cidadãos nacionais já podem viajar para países que antes proibiam a nossa presença. A vida, aos poucos, retorna ao normal.
Na reportagem que começa na página 56, VEJA explica os números que possibilitam essa retomada, bem como os efeitos que ela vem provocando na economia e no dia a dia dos brasileiros. Embora alguma cautela seja recomendável, o quadro geral é bastante promissor, indicando uma melhora consistente dos dados. Depois de um atraso indesculpável, o Brasil tem 47% da população totalmente vacinada, uma taxa de transmissão de 0,60 (ela chegou a 2,81 em abril de 2020) e UTIs com capacidade ociosa. É possível dizer, sim, que o pior já passou e que não há nenhuma probabilidade de colapso do sistema de saúde, situação que chegou a ser cogitada durante os piores momentos da pandemia. As tais variantes que preocupavam especialistas não causaram o mal que poderiam — mais um sinal da eficácia das vacinas atuais. Lamenta-se, evidentemente, que a média móvel ainda esteja perto de 400 mortes diárias. Mas esse número ultrapassou os 3 000 e vai continuar a cair nas próximas semanas. Hoje, portanto, é razoável projetar algo impensável há alguns meses: um Carnaval alegre e pujante em 2022. Com todos os cuidados necessários, claro.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760