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Amores tóxicos

Em movimento nas redes sociais, mais de 45 000 brasileiras postam depoimentos sobre relacionamentos abusivos

Por Sabrina Brito Atualizado em 16 ago 2019, 15h04 - Publicado em 16 ago 2019, 06h45

Elas ficaram em silêncio durante muito tempo, sofrendo caladas. De uns anos para cá, no entanto, resolveram botar a boca no trombone nas redes sociais para denunciar as barbaridades de um mundo ainda extremamente machista. Em 2017, mais de 1 milhão de internautas de todo o planeta publicaram relatos de assédio sexual seguidos pela hashtag #MeToo (ou #EuTambém). O movimento tomou corpo na esteira do escândalo protagonizado pelo produtor cinematográfico Harvey Weinstein, acusado de atacar mais de setenta mulheres. Agora, um novo movimento surgido nas redes se propõe a tornar pública outra forma de violência, mais subjetiva e, na maior parte das vezes, sutil, embora com potencial traumático quase igual: os abusos psicológicos típicos de relacionamentos tóxicos, incluindo xingamentos, manipulações, chantagens e humilhações.

Batizada com a hashtag #MeuEx­Abusivo, a campanha nasceu no Brasil no mês passado e já acumula mais de 45 000 relatos, quase todos de mulheres. “Eu nunca me senti tão culpada por ser eu mesma.” Foi assim que a youtuber Dora Figueiredo definiu, em um vídeo de quase vinte minutos publicado no dia 17 de julho, as diversas situações agressivas e humilhantes às quais relata ter sido submetida por seu ex-namorado (a peça já tem mais de 2 milhões de visualizações). No dia 29 do mesmo mês, ela lançou a hashtag #MeuExAbusivo na sua conta de Twitter, dando mais detalhes das ofensas e propondo uma discussão sobre o tema. Antes da ação, alguns estudos já haviam abordado o assunto. Em 2016, por exemplo, quase 30% das 10 000 mulheres entrevistadas em uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará contaram ter sido vítimas desse tipo de tortura psicológica.

Relacionamentos abusivos costumam apresentar algumas características em comum: monitoramento da(o) parceira(o) — seja por redes sociais, seja pessoalmente —, intimidações, ameaças, tentativas de diminuir a(o) outra(o) com xingamentos ou palavras duras, dificuldade em assumir os próprios erros e egocentrismo são apenas algumas delas. Também é comum que o abusador tente isolar a outra pessoa de seus amigos ou da família. Assim, a vítima não tem a quem recorrer e fica ainda mais à mercê do abusador. Dora Figueiredo, por exemplo, conta no vídeo que seu ex-namorado a rotulava de gorda e fraca (ela sofria de depressão), chegando a afirmar que a odiava. “Aguentei por quase um ano, até que consegui forças para me libertar”, relata. Parte da inexplicável resiliência diante de tantas humilhações está relacionada à destruição da autoestima da vítima. Cria-se, assim, uma dependência emocional e um temor que a impedem de pôr fim ao relacionamento. “Meu ex dizia que, se terminássemos, eu nunca encontraria outro homem”, conta a designer Gisleide de Sousa, de 30 anos. Mas esse não é o único elo que prende a vítima. De acordo com um estudo do ano passado realizado pelo psicólogo americano Daniel Saunders, da Universidade de Michigan, dependência financeira, medo de retaliação em caso de rompimento e falta de apoio por parte de amigos e familiares engrossam a lista de motivos que levam a situação a se arrastar por muito tempo.

Pode ser difícil identificar uma relação abusiva, sobretudo quando não há violência física. Nesses casos, a opressão se dá de modo sutil e silencioso, com ações que gradualmente se tornam mais e mais problemáticas e controladoras. Em muitos casos, o próprio abusador não faz ideia do estrago que está provocando. “Vivemos ainda em uma cultura na qual controle, posse, manipulação e ciúme podem ser sinônimos de afetividade”, diz Pollyanna Abreu, psicóloga fundadora do Não Era Amor, projeto que informa e atende on­-line mulheres que estão em um relacionamento abusivo ou que saíram dele. “Não raro, a pessoa acredita que aquilo pelo que está passando seja normal.” A dificuldade em enxergar os limites pode ter um preço alto, na forma de traumas carregados pelo resto da vida.

(Paulo Vitale/VEJA)

PUXÕES DE CABELO E INSULTOS 
“Namorei um homem dezesseis anos mais velho. Ele não me deixava sair de casa sem maquiagem, reclamava de quanto eu comia, insultava meu corpo… Nas brigas, chegava a puxar meu cabelo e dizia que, se terminássemos, eu nunca encontraria outro homem que me quisesse. Ele me mandou embora de casa mais de uma vez, mas depois se dizia arrependido. Aguentei isso por dois anos.”
Gisleide Sousa, 30 anos, designer


(Jarbas Oliveira/VEJA)

CIÚME EXAGERADO E OFENSAS PESADAS

“Meu ex era extremamente ciumento. Ficamos juntos por onze meses. Ele me afastou das minhas amizades e reclamava sempre que eu demorava mais de meia hora para responder a uma mensagem. Para me rebaixar, dizia que as outras namoradas eram melhores na cama do que eu. Quando terminamos, ele me chamou de prostituta no Facebook.”
Marília Cândido, 24 anos, especialista em redes sociais

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(Eduardo Monteiro/VEJA)

A TRAIÇÃO ERA CULPA DELA
“Quando descobri que estava sendo traída, meu ex fez de tudo para me convencer de que eu estava ficando louca. Cheguei a conversar com a amante. Mesmo assim, ele continuava negando. Nessas horas, chorava ou me agredia, segurando meu pescoço ou me sufocando com o travesseiro. Até que começou a dizer que a culpa da traição era minha, por causa da minha personalidade.”
Carla Vieira, 32, bióloga


Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648

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