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Aids: cientistas localizam crianças imunes à doença na África

Apesar de serem portadoras do HIV, as crianças não desenvolvem a aids. A descoberta pode apontar um novo caminho para a cura da doença

Por Da redação
14 out 2016, 15h34

Um grupo de 170 crianças na África do Sul é imune à aids, apesar de ser portador do HIV. Isso significa que o sistema imunológico dessas crianças possui uma defesa natural contra o vírus e, portanto, elas nunca desenvolverão os problemas associados à doença, mesmo sem fazer a terapia retroviral.

De acordo com informações da rede americana CNN, a descoberta foi feita por acaso em exames de sangue de rotina. Todas essas crianças, chamadas não-progressoras, foram infectadas pelo vírus ainda no útero, pois suas mães são portadoras da doença e não foram submetidas ao tratamento de prevenção da transmissão de mãe para filho.

“Geralmente essas crianças são identificadas incidentalmente”, disse Philip Goulder, professor de imunologia na Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, e pesquisador que estuda essas crianças para tentar entender como elas se mantém saudáveis apesar de carregarem o vírus e de não serem submetidas ao tratamento antirretroviral.

Imunidade

Em seu último estudo, divulgado na quinta-feira, Goulder conseguiu descobrir, pelo menos parcialmente, como isso aconteceu. “O fator crítico é que elas têm baixíssimos níveis de ativação imunológica. Nós vimos uma falha do HIV ativar seu sistema imunológico”, disse.

Pode parecer contraditório que uma resposta imunológica fraca seja a chave para uma boa saúde, mas quando se trata de HIV, não é. Isso porque o vírus prospera ao infectar e destruir as células imunológicas. Para se proliferar, ele precisa inserir seu material genético nessas células e assim produzir mais vírus. “Geralmente, você tem uma ativação cada vez maior [das células imunológicas], então você também fica cada vez mais infectado. É um ciclo cruel.”, afirma Goulder.

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Quando as pessoas infectadas não estão em tratamento, essa imunidade cada vez mais danificada as torna suscetíveis a infecções que geram a síndrome da imunodeficiência adquirida, popularmente conhecida como aids, na sigla em inglês. Mas, nessas crianças chamadas de não-progressoras, não há destruição do sistema imunológico e, portanto, não há aids.

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Em seu estudo Goulder queria ver “qual resposta imunológica previne a progressão do HIV nessas crianças” e a resposta veio em duas partes: a reduzida ativação imunológica e baixa infecção de de células T CD4, células imunológicas tipicamente infectadas pelo HIV. “É difícil para o vírus conseguir entrar nelas, então elas permanecem relativamente intactas”, diz.

A equipe acredita ter descoberto também o porquê o vírus não consegue entrar nessas células. Pessoas não-progressoras têm menores níveis de uma proteína receptora chamada CCR5, que fica na superfície das células T CD4. É nessa proteína que as partículas do HIV se encaixam para entrar e destruir as células, logo, uma menor quantidade dessas proteínas significa menos vírus entrando. A “técnica” é a mesma já observada em macacos que têm uma proteção natural contra a versão animal do HIV, chamado de vírus da imunodeficiência símia.

Embora esse método de defesa, no qual o HIV fica “flutuando” pelo corpo sem conseguir infectar as células seja incomparável, essas crianças não-progressoras representam apenas de 5% a 10% das crianças infectadas pelo HIV. E ao contrário delas, na maioria das pessoas jovens infectadas o efeito da infecção no corpo é exatamente oposto, ou seja, a doença progride muito mais rápido nelas e a taxa de morte apenas dois anos após a infecção sem tratamento chega a 60%. Nos adultos, em média, a infecção demora 10 anos para se tornar aids e 11 anos para levar ao óbito.

Adultos imunes

Também existem alguns adultos imunes à doença. Eles são chamados controladores elite e representam apenas 0,3% dos adultos infectados com o vírus. Além disso, sua forma de imunidade é oposta a das crianças africanas. “Esses adultos conseguem se tornar livres da doença ao desenvolver uma resposta imunológica fortíssima contra o vírus”, disse Goulder.

Mas, segundo o pesquisador, a abordagem vista nas crianças – não entrar na briga – é muito mais eficiente do que brigar forte e pode ser um novo caminho para o controle do HIV.

Novas abordagens

“Os cientistas costumavam dizer ‘se os humanos fossem iguais aos macacos, o HIV não seria um problema’. E aqui estão essas crianças agora”, disse Robin Shattock, professor de imunidade e infecção e imunidade da mucosa na Imperial College London e que não participou do estudo.

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Shattock está liderando a Iniciativa Europeia para uma Vacina de Aids (EAVI2020, na sigla em inglês) e procurando formas de prevenir a progressão da doença. “Nós não queremos tratar as pessoas a vida toda. Nós queremos encontrar uma forma de eliminar o vírus e curar as pessoas, mas isso é bem difícil. Se você conseguir proteger essas células centrais (as células-T), talvez você consiga uma remissão de longo prazo… A questão é como fazer com que uma pessoa se torne um não-progressor?”, questiona.

Para o pesquisador, a descoberta fornece um caminho diferente para atingir esse objetivo. “Isso mostra que os seres humanos têm encontrado uma forma alternativa de lidar com a infecção pelo HIV. Há muita coisa para ser estudada. (Mas) isso fornece um roteiro biológico para começar a ser verificado pela ciência.”, ressaltou, alertando que muito mais compreensão é necessária até mesmo para começar a ir por este caminho.

Tratamento atual

Atualmente, a terapia antirretroviral, descoberta em 1996 é o único tratamento disponível para o HIV. Ela é baseada em uma combinação de medicamentos que reduz a carga viral a níveis praticamente indetectáveis, podendo reduzir a transmissão quase em 100%. Por isso, desde seu surgimento ela foi fundamental para conter a epidemia de HIV no mundo e permanece, até hoje, a única forma de tratamento, já que por enquanto nada se mostrou tão efetivo quanto.

Tanto que uma diretriz da Organização das Nações Unidas (ONU) criada em setembro de 2016 prevê que todas as crianças infectadas com HIV devem receber tratamento antirretroviral independente de seu estado de saúde. O que significa que logo essas crianças imunes também serão submetidas ao tratamento.

Desafio

O grande desafio no tratamento do HIV é a existência dos chamados reservatórios, que podem esconder uma forma latente do vírus por anos e, depois ele volta a se multiplicar e se espalhar pelo corpo.

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