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A era pós-Viagra: os novos tratamentos para disfunção erétil

A quebra da última patente do remédio, em abril de 2020, abrirá as portas para uma leva de medicamentos

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 jan 2021, 09h30 - Publicado em 29 nov 2019, 06h00

Desde o lançamento do Viagra, em 1998, a farmacêutica Pfizer acumulou cifras estratosféricas — de lá para cá, foram vendidos 3 bilhões de unidades da drágea em forma de losango destinada à disfunção erétil. No Brasil, o número chegou a 130 milhões. Nenhum medicamento, ao longo da história, teve tanto sucesso em seus três primeiros meses de vida, dadas as milagrosas e alcançadas promessas — mais até do que a aspirina e as estatinas para o controle do colesterol. Foi uma revolução comportamental e de mercado que atinge, agora, outro patamar. O mundo cor-de-rosa da pílula azul está chegando ao fim. Em abril de 2020 expira a última patente que autorizou a exploração exclusiva. O resultado será uma leva de novos tratamentos para um mercado global de 300 milhões de homens preocupados com o desempenho sexual.

“Inauguraremos, pela primeira vez desde o surgimento do Viagra, uma avenida de terapias inovadoras”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Hospital das Clínicas. No grupo de métodos noviços há cirurgias, injeções de compostos, produtos tópicos e até choques elétricos. Um dos mais curiosos e promissores é um gel à base do veneno da aranha-armadeira, muito comum no Brasil, capaz de induzir a ereção em poucos minutos (veja o quadro abaixo). Produzido pela Universidade Federal de Minas Gerais e por técnicos da Fundação Ezequiel Dias, de Belo Horizonte, em parceria com a empresa de desenvolvimento de medicamentos Biozeus, o gel é inspirado em um mecanismo natural. A picada do aracnídeo pode provocar o priapismo, ereção involuntária e dolorosa que, quando não é tratada, se torna um atalho para a necrose do pênis. Os pesquisadores conseguiram reproduzir uma molécula com base na toxina, mas sem toxicidade.

Há um ponto comum a unir as recentes tentativas — elas driblam, ou ao menos tentam driblar, as reações indesejadas do Viagra. Agem localmente e não causam dor de cabeça, enjoo ou ondas de calor, efeitos colaterais conhecidos do remédio que nasceu como um vasodilatador para problemas cardíacos. O uso do Viagra, ressalve-se, é desaconselhado a doentes graves do coração ou do fígado e homens com pressão baixa. Outro aspecto positivo das versões que começam a aparecer: elas não precisam ser aplicadas logo antes das relações sexuais. Algumas das medicações em estudo permitem que o paciente se submeta a cuidados esporadicamente.

Poster
INÍCIO – Anúncio de anticoncepcional nos EUA: propaganda de gosto duvidoso (./.)

O alcance da pulverização de novas maneiras para combater um genuíno drama masculino pode ser ainda mais amplo que o do Viagra. Estudos recentes mostraram que em 30% dos casos de disfunção erétil o comprimido não é indicado — e é esse espaço que será ocupado. Além disso, as alternativas que não pressupõem a ingestão química podem vir a reduzir um fenômeno paralelo, evidentemente ruim: com o tempo, marmanjos saudáveis de 20 e poucos anos, no início da vida sexual, e não pessoas já de meia-idade, adotaram o santo graal anil para melhorar o desempenho na cama, no chamado uso recreativo da droga. Para essa turma, as soluções da era pós-Viagra podem ser mais adequadas. Diz Flavio Trigo, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia de São Paulo: “Prolongar uma ereção normal à custa do remédio pode prejudicar o tecido peniano e tornar essas pessoas de fato dependentes do medicamento”.

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Não haverá, contudo, apesar de todos os avanços científicos, nenhum mecanismo capaz de provocar a estrondosa revisão de comportamento acelerada pelo Viagra, com sua riqueza de aspectos positivos e negativos. Ao lidar com a ereção como quem combate uma dor de cabeça, a Pfizer deflagrou um diálogo que vivia à sombra, calado. O orgulho masculino impedia qualquer tipo de conversa sobre impotência — com as companheiras, sem dúvida, mas também com os médicos. Isso mudou, e os efeitos transbordaram. Na última década, em parte diante da real possibilidade de aplacar a disfunção sexual, homens e mulheres se sentiram autorizados a procurar novos parceiros, e o número de divórcios aumentou 126,9% no mundo todo. Estudo publicado no reputado Annals of Internal Medicine mostrou ainda que senhores na maturidade que usam remédios contra a impotência sexual como o Viagra correm mais risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis, em comparação com os que não utilizam esses medicamentos. Nos Estados Unidos, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, havia, no lançamento do Viagra, três novos casos de doenças ligadas ao sexo para cada 10 000 homens acima de 40 anos. Hoje, o número é o dobro. A pílula azul, evidentemente, não pode ser responsabilizada por todas as mudanças. Mas sua influência é incontestável. Um sinônimo de liberdade que pode ser comparado àquela promovida pela pílula anticoncepcional feminina. Diz a psiquiatra Carmita Abdo: “O Viagra modificou a postura sexual masculina nos anos 2000 de modo semelhante ao que fez o contraceptivo na década de 60 com as mulheres”. Que venha a próxima revolução.


Com as mulheres é diferente

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ANOS 60 – Virginia e Masters: o casal detalhou mecanismos sexuais femininos (Leonard McCombe/The Life Picture/Getty Images)

A vida sexual da mulher tem a magnitude e a complexidade das grandes sinfonias — para os homens, é simples como uma sonata. A engrenagem da libido feminina continua sendo um grande mistério. A lubrificação do organismo é regida por uma delicada orquestra de hormônios, neurotransmissores, receptores cerebrais e outros tantos elementos ainda desconhecidos da ciência. Afora as reações bioquímicas, o desejo depende do humor, do stress cotidiano, da confiança no parceiro. E, invariavelmente, o desinteresse pelo sexo pode ser resultado do uso de anticoncepcionais, cujos efeitos colaterais são a redução da libido, os distúrbios do sono e a menopausa.

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Apenas muito recentemente a ciência começou a investigar o corpo da mulher. Nos anos 1930, o biólogo americano Alfred Kinsey intuiu que o clitóris, e não o canal vaginal, era o gatilho do prazer feminino. Na década de 60, a psicóloga Virginia Johnson e o ginecologista William Masters entenderam os mecanismos da lubrificação vaginal e do orgasmo — daí a revelação da possibilidade de a mulher ter múltiplos clímax. Deu-se o lançamento da pílula anticoncepcional, no início dos anos 1960, que serviu de bandeira libertadora, mas pouco se avançou na pesquisa de medicamentos que facilitassem o prazer, como a drágea azul para os homens. Desde 2014, contudo, essa área de investigação cresceu, com a aprovação de alguns fármacos — logo batizados de “Viagras femininos”.

Recentemente, o Vyleesi foi autorizado pela FDA, o órgão regulador americano de remédios, para o tratamento de mulheres em uma situação específica: na pré-menopausa, com o transtorno do desejo sexual chamado hipoativo. A condição, que afeta 7% da população feminina, é a falta crônica de libido. A substância potencializa a oferta de dopamina no cérebro, neurotransmissor associado à sensação de bem-estar. O resultado da ação é tímido: 25% das mulheres que participaram dos estudos relataram aumento considerável do desejo sexual, enquanto no grupo placebo o índice foi de 17%. Em 2015, deu-se o aval para outra droga, em formato de comprimido rosa, o Addyi. O remédio atua de modo que aumente a liberação de dopamina e também reduza a quantidade de serotonina, relacionada à diminuição do interesse sexual. A droga provoca efeitos colaterais fortes, como náuseas, vômito e dor de cabeça. A atividade sexual para as mulheres não é, definitivamente, brincadeira.

Grafico
(./.)

Publicado em VEJA de 4 de dezembro de 2019, edição nº 2663

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