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“A África não é mais uma catástrofe”

Para diretor da Unaids, continente africano finalmente está conseguindo dar bons exemplos de políticas de combate à aids

Por Aretha Yarak
5 jun 2011, 13h58

“Desde o fim da década de 1990, o Brasil sempre foi o melhor exemplo do ponto de vista de resposta mundial. Muito do que acontece hoje no mundo acontece pela posição precoce do Brasil em prover tratamento para a população. Em 1996, o país já declarava ser um direito universal o tratamento à doença. Isso é histórico”

Há 30 anos, os Estados Unidos registravam o primeiro caso de aids do mundo. Na época, não tinha nome e era conhecida pelas doenças que vinham à tiracolo. Em pouco tempo, no entanto, passou de um mal desconhecido para um caso de saúde pública mundial. O número de infectados, que era de um milhão em 1981, explodiu para 27,5 milhões em 2010. Na semana que marca os 30 anos da descoberta da doença, as Nações Unidas reúnem em Nova York mais de 30 chefes de estado, representantes do setor privado, a comunidade científica e organizações internacionais em uma assembleia geral para discutir a situação da doença no mundo.

O encontro vem em um momento crítico. Há dez anos, em uma reunião também organizada pela ONU, os líderes mundiais declararam a aids uma emergência global e declararam estado de urgência. O objetivo passou a ser, então, a prevenção, o tratamento e o acesso universal de medicamentos aos portadores do vírus. Muitos dos objetivos, como garantir o acesso aos remédios, foram atingidos. Mas a doença faz cada vez mais vítimas entre a parcela mais jovem da população e entre as mulheres. Agora, entre os dias 8 e 10 de junho, os líderes devem discutir como garantir os avanços alcançados e como lidar com as políticas que não deram resultado, além das novas perspectivas para o futuro da doença no mundo.

Em entrevista ao site de VEJA, o brasileiro Luiz Loures, diretor do escritório central do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids) fala sobre como as novas descobertas sobre o tratamento da doença podem significar um ganho também na prevenção. “Agora, temos evidências que comprovam que um paciente sob medicação tem até 96% menos chances de transmitir o vírus”, diz.

Loures fala ainda sobre os prejuízos do alto custo dos medicamentos de última geração, da evolução no tratamento feito em países africanos e da importância da política pública adotada pelo Brasil. “O Brasil estava certo em seu pioneirismo. Tratar se mostrou a melhor maneira de prevenir e controlar a doença.”

Qual a situação da aids hoje no mundo? Ainda é grave. Estima-se que aconteçam 7.000 novas infecções por dia no mundo, com uma porcentagem maior entre a população mais jovem. A aids ainda é um desafio enorme. Existe sim um progresso, principalmente no tratamento e na prevenção, mas em alguns países da Ásia Central, por exemplo, ela avança sem controle algum.

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Luis Loures
Luis Loures (VEJA)

A África ainda é um caso fora de controle? A África é um caso muito interessante. A visão histórica de que o continente é uma catástrofe não faz mais parte da realidade. Em primeiro lugar, a maior parte das pessoas em tratamento hoje está na África. Mas também porque é na África que estamos começando a observar os maiores índices de redução do crescimento da epidemia. Os índices de redução são maiores até mesmo que na América Latina e o Caribe. É óbvio, no entanto, que a África ainda representa um desafio enorme, porque é o continente mais afetado. A África do Sul, por exemplo, está se tornando um exemplo de boas respostas à aids, como a redução nas taxas de transmissão de mãe para filho.

Quais países adotam políticas exemplares de combate ao vírus? Sem dúvida a África do Sul é um grande exemplo recente. Eu vejo o país como a esperança em relação a aids. O país tem conseguido grandes avanços em questões de prevenção, de baixos índices de transmissão e de tratamento.

E o Brasil? Desde o fim da década de 1990, ele sempre foi o melhor exemplo do ponto de vista de resposta mundial. Muito do que acontece hoje no mundo acontece pela posição precoce do Brasil em prover tratamento para a população. Em 1996, o país já declarava ser um direito universal o tratamento à doença. Isso é histórico. E hoje as evidências estão mostrando que o Brasil estava certo em seu pioneirismo. Tratar é a melhor maneira de prevenir e controlar a doença. E tem hoje todas as possibilidades para mais uma vez tomar a frente, porque não existe nenhum outro país no sul com tamanha experiência acumulada e com uma sociedade tão mobilizada em relação ao tratamento.

O alto custo das drogas de última geração não pode começar a interferir nos tratamentos? Este é um problema muito sério. A primeira linha de drogas, aquela que começou a ficar disponível na década de 1990, teve uma queda significativa nos preços, permitindo um amplo acesso. As drogas mais recentes, contudo, têm preços elevadíssimos. O tratamento anual com drogas de primeira linha [os medicamentos mais antigos, cujas patentes já foram quebradas] custa 500 dólares. Com uma linha avançada [ainda sob patente], sairia de 18.000 a 20.000 dólares. Isso tem um impacto enorme na prevenção.

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É suficiente tratar apenas com as drogas de primeira linha? Com o tempo, o tratamento da aids desenvolve uma resistência natural, há uma necessidade natural de substituição de drogas. Vai chegar um momento do tratamento em que ele vai precisar dessas novas drogas. Sinto como se a gente tivesse voltando ao passado, quando na década de 1990 a gente tinha todos os medicamentos, mas os custos eram tão altos que dificultavam o tratamento. Com esses preços, o acesso fica restrito.

A solução é criar genéricos? Não existe uma solução simples. Existem questões que devem ser discutidas, como compra conjunta, compra em grandes quantidades, produção de genéricos e até mesmo produção local. Hoje existe uma incompatibilidade muito grande no tratamento. O local onde a droga é feita, não é onde ela é consumida. Na África, por exemplo, quase não existe produção de antirretrovirais.

Há planos para que essa produção passe a existir? Uma das grandes expectativas da Unaids é na cooperação entre Brasil e os países africanos. Eu não tenho dúvidas de que esse é o melhor caminho. Nessa parceria, o Brasil ensinaria a tecnologia à África, a ser capaz de produzir e ter controle sob essas drogas. Essa cooperação, na verdade já existe em alguns pontos focais, mas nós queremos intensificá-la.

Estamos próximos de uma cura? Acredito que não. Mas temos um avanço importante no tratamento. Uma pessoa com HIV hoje pode viver normalmente em todas as esferas de sua vida. Em alguns casos os níveis virais são tão baixos que não é possível nem detectá-lo em exames de sangue. Mas ela vai precisar continuar tomando as medicações.

Já existem maneiras eficazes de prevenção? Nos últimos dois anos tivemos avanços significativos na prevenção. Para a mulher, por exemplo, o uso de gel vaginal é particularmente importante, porque é um instrumento de prevenção sob controle exclusivo dela. Mas a mudança mais significativa é recente e está acontecendo nos dias de hoje: é a possibilidade de expandir o tratamento. Isso porque, pela primeira vez em 30 anos, estudos científicos comprovam que o tratamento influencia diretamente na prevenção, já que reduz a transmissão do vírus e de infecções. Se a pessoa está fazendo o tratamento corretamente, a chance de ela transmitir o vírus pode sofrer uma redução de quase 96%.

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A baixa adesão ao tratamento não seria, então, um empecilho grave? Existem desafios enormes, a adesão ao tratamento é um deles. Mas é possível sim expandir o tratamento. É uma questão de lidar com distribuição, com maior acesso comunitário e com desenvolvimento de agentes comunitários. Isso envolve custos e acesso, mas é possível ser feito.

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