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Vem aí o Fakebook?

Ao priorizar posts de amigos e familiares, o Facebook se arrisca a virar um difusor ainda mais deletério de 'fake news'

Por Filipe Vilicic, André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h30 - Publicado em 19 jan 2018, 06h00
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  • Com mais de 2 bilhões de usuários, o Facebook, se fosse um país, seria o mais populoso do planeta. É natural, portanto, que cada mudança em seu funcionamento provoque barulho — ou produza um caloroso debate. Foi o que se viu na sequência do anúncio feito na quinta-feira 11 pelo criador e CEO da empresa, Mark Zuckerberg. Agora, o Facebook fará circular com prioridade na rede os posts de caráter pessoal, trocados por amigos e familiares, em detrimento daqueles distribuídos por marcas ou empresas jornalísticas. “O Facebook sempre foi sobre conexões pessoais”, escreveu Zuckerberg em seu perfil no site. “Quando ele se concentra em aproximar as pessoas, amigos e familiares, em momentos importantes em todo o mundo, garante um bom gasto de tempo.” O vice-presidente de produto, Adam Mosseri, foi mais claro: “Como o espaço no news feed (nome dado à página principal do site) é limitado, exibir mais posts de amigos e parentes significa na prática exibir menos conteúdo de negócios e da imprensa”.

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    (Arte/VEJA)

    O algoritmo do Facebook já valorizava mais os perfis privados. Um levantamento da Fundação Nieman, o braço de estudos de jornalismo da Universidade Harvard (EUA), revelou que 75% dos usuários do Facebook declararam que apenas uma em cada dez publicações vistas em seu news feed continha links com notícias. Em 2015, Zuckerberg havia determinado que aquilo que os usuários particulares tivessem a falar ganharia maior espaço diante do que divulgassem empresas em geral — incluindo as jornalísticas. Com isso, as páginas públicas vinham alcançando só 2% de seus seguidores — uma manchete no perfil de VEJA, por exemplo, chegaria a 140 000 dos 7,2 milhões de fãs da revista. Mesmo assim, empresas jornalísticas podiam conquistar um público maior, garantindo uma difusão mais ampla de seus posts, caso a notícia distribuída ganhasse muitas curtidas. Essa estratégia, segundo os executivos do Facebook, também deixará de funcionar.

    A novidade ainda não entrou em vigor, mas um teste realizado em seis países, com uma versão similar à que deve se tornar oficial, indica as possíveis — e perigosas — consequências da decisão. Ele mostra que as publicações oriundas dos perfis públicos, como as de cunho noticioso, chegaram a ter seu público reduzido em cerca de 50%. Por outro lado, conteúdos mentirosos, como as notícias falsas — as chamadas fake news —, perderam pouco espaço. Na Eslováquia, um dos países cobaias, difundiu-se, durante o período experimental, a história irreal de que um muçulmano teria avisado um cristão de um ataque terrorista iminente. O embuste ganhou tamanho corpo que as autoridades decidiram pronunciar-se para negá-lo. O problema: pelas novas regras, o desmentido, tendo sido feito por perfis públicos, obteve menos relevância no Facebook do que a mentira, que vinha sendo compartilhada por perfis privados.

    Como justificativa para as novas alterações, Zuckerberg alegou que, de acordo com levantamentos internos, a conexão com “pessoas com as quais nos preocupamos” seria mais saudável do que o “consumo de notícias”, que, para ele, se resume a um “ato passivo”. No entanto, numa evidente incoerência com esse discurso, quem pagar ao Facebook para difundir um post qualquer, independentemente do seu conteúdo (sim, pode ser jornalístico!), continuará a invadir os news feeds. Ou seja: para Zuckerberg, se uma notícia for paga, o tal problema da “passividade” desaparecerá. Além do mais, o consumo de notícias escritas — ou de livros — é passivo desde que a humanidade aprendeu a escrever e a ler com os sumérios, e tem sido esse o instrumento por excelência pelo qual se distribui o conhecimento. Para piorar, um estudo feito pela Universidade de Montreal, no Canadá, em 2015, analisou os níveis de stress de adolescentes que acessavam o Facebook e constatou que o site não é exatamente uma fonte de saúde. Quem tinha mais de 300 contatos apresentou maior nível de stress, por ter de lidar com tamanho público, em relação a quem simplesmente visualizava algumas poucas publicações.

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    Especialistas da área arriscam uma explicação mais comercial para a tática de Zuckerberg. Afirmou a VEJA o marqueteiro americano Nate Elliott, da consultoria Forrester: “Mesmo com a desconfiança inicial do mercado, ao longo do tempo a medida aumentará o valor dos anúncios no Facebook”. Isso, todavia, não significa que Zuckerberg não vá mudar de posição. Em 2016, ele desprezava a acusação de que sua empresa era a mola propulsora de discursos intolerantes e fake news. “De todo o conteúdo, só uma pequena parcela é de enganações”, disse. No ano passado, o Facebook recuou, afirmando que batalharia para conter a intolerância e a mentira na rede, prometendo valorizar as páginas de notícias. Agora, fez o inverso.

    É possível que a ameaça de que as fake news se alastrem ainda mais no Facebook, tornando-o uma espécie de “Fakebook”, acabe surtindo um efeito benéfico. Pode valorizar o jornalismo de qualidade, restaurando um pilar fundamental das democracias. Com tanta inverdade sendo compartilhada no Facebook, quem está interessado em informação confiável talvez passe a recorrer com mais frequência à imprensa profissional.

    Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2018, edição nº 2566

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