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Uma queda exemplar

Em 'Treze Meses Dentro da TV', o jornalista e empreendedor Adriano Silva faz uma crônica serena da experiência profissional malograda que teve na Globo

Por Augusto Nunes Atualizado em 15 set 2017, 06h00 - Publicado em 15 set 2017, 06h00
‘Treze Meses Dentro da TV’, de Adriano Silva (Rocco; 256 páginas; 34,90 reais ou 23 reais na versão digital) (//Divulgação)

Abstraídas raras obras dissonantes que talvez não ultrapassem a barreira dos dois dígitos, textos autobiográficos produzidos por jornalistas nativos são apenas uma forma de má ficção. Porque essas narrativas mentem muito, nenhuma delas daria um bom documentário. Pelo mesmo motivo, quase todas poderiam desdobrar-se no roteiro de filme de capa e espada de quinta categoria. O protagonista coleciona demonstrações de bravura em combate, costuma triunfar no final e, nas poucas vezes em que perde, continua bem no retrato: ele não foi derrotado, apenas não lhe foi possível esmagar, sozinho, a frente ampla dos patifes liderada por um patrão desalmado e apoiada até pela mulher do cafezinho. Feitas as ressalvas, tranquilizem-se os leitores. Nada disso acontece em Treze Meses Dentro da TV, em que o jornalista Adriano Silva descreve, com admirável equilíbrio e sinceridade que não poupa o próprio narrador, a curta e malograda experiência vivida na TV Globo como chefe de redação do Fantástico.

Roberto Marinho, o fundador do império global, escolheu um título irretocável para o livro de memórias que não chegaria a concluir: Condenado ao Êxito. Essa cobiçada condenação parecia ter sido imposta a Adriano Silva desde que o executivo em gestação interrompeu os estudos no exterior, converteu-se ao jornalismo e começou a desenhar a luminosa trajetória que o levaria ao comando do Núcleo Jovem da Editora Abril, que publica VEJA. Em 2006, aos 35 anos, com o currículo adornado de inovações que consolidaram a imagem de garoto prodígio, ele decidiu que era hora de migrar do jornalismo impresso para o mundo maravilhoso da maior, mais poderosa e mais fascinante potência televisiva do Brasil. Chegou ao Olimpo no fim de 2007, sem motivo para desconfiar que não completaria um segundo verão em companhia dos semideuses da Vênus Platinada.

Toda demissão é um nocaute, sobretudo porque a vítima insiste em ignorar os sinais amarelos — por exemplo, a sistemática recusa das ideias que apresenta, a exclusão de reuniões relevantes, bruscas oscilações do humor dos chefes e surtos de desobediência entre subordinados. Um nocauteado recupera plenamente os sentidos em algumas horas, mas leva tempo para ver as coisas como efetivamente foram e contar o caso como o caso foi. Adriano esperou dez anos até considerar-se pronto para a dolorida revisita ao passado. “O livro conta, em essência, a história de uma derrota”, diz. “Fiz um esforço enorme para narrá-la com objetividade, sem deformações provocadas por ressentimentos ou rancores.” Os cuidados valeram a pena. Embora o desfecho seja revelado já na introdução, acompanha-se a caminhada do autor na direção do penhasco com a excitação despertada por bons filmes de ação. Não há mocinhos nem vilões. Não existe um culpado. E todos o são. Ao assumir os erros cometidos, sem jamais derrapar no coitadismo, o protagonista avança na contramão da perturbadora generalização feita por Fernando Pessoa nos versos iniciais de Poema em Linha Reta: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada/Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.

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Caso visse no espelho um campeão em tudo, Adriano não reconheceria que estava despreparado para o salto profissional que consumou. “Comecei a perceber já nas primeiras semanas que não havia um espaço no programa para eu ocupar, nem uma visão clara do que deveria fazer — ou do que eu não deveria fazer”, registra. “Era como se o meu cargo não constasse no organograma.” Outro pecado capital foi ter aceitado o convite formulado por um dos generais da Globo sem se certificar de que a decisão fora endossada sem ressalvas pelo oficial a quem estaria subordinado no dia a dia. “Uma contratação só dá certo quando parte de quem vai ser seu chefe imediato. O novo profissional tem de ser uma escolha genuína do sujeito a quem vai se reportar.” Empresas com o perfil da Globo são impacientes e pouco acolhedoras com quem desembarca por lá em postos de comando. Poucos se dispõem a ensinar ao forasteiro o jargão dos iniciados, pouquíssimos encontram tempo para transmitir-lhe informações técnicas elementares. Todos esperam que quem exibe a patente de oficial graduado entre logo em ação e justifique o que foi investido na contratação.

Por mais talentoso que seja, qualquer profissional sitiado por tantas pressões é confrontado com escolhas aflitivas. Deve, por exemplo, discordar do chefe que rejeitou o que lhe parece uma boa ideia ou assimilar os critérios da instância superior? Adriano continua à procura de respostas para perguntas que carregou para fora da empresa. “Eu cheguei devagarinho, negociando com todo mundo”, reflete. “Talvez eu tenha, em busca da aceitação, dobrado tanto a espinha que, no fim, passei por alguém invertebrado. Talvez eu devesse ter chegado com mais ímpeto. Minha estratégia de pisar de leve no terreno talvez tenha passado uma ideia de hesitação e tibieza.” Ele poderia ter compreendido antes que fora condenado ao insucesso. Mas isso agora é irrelevante. Hoje manager do Projeto Draft, esse gaúcho de Porto Alegre reconstituiu a própria queda sem censuras. Quem contempla olho no olho a derrota que se afigurava irreparável exorcizou os fantasmas interiores e venceu as assombrações que pareciam eternas.

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