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Uma nova conexão

'Ferrugem', de Aly Muritiba, une lucidez a uma dramaturgia de competência escrupulosa.. Com outros lançamentos, é uma ótima notícia para o cinema nacional

Por Isabela Boscov Atualizado em 31 ago 2018, 07h00 - Publicado em 31 ago 2018, 07h00

Pelo jeito, Tati (Tifanny Dopke) conseguiu esquecer o ex-namorado: na excursão do colégio, flerta discretamente com Renet (Giovanni de Lorenzi), apesar da introversão do rapaz. De noite, eles se afastam da festa que está rolando para um lugar mais sossegado, onde trocam um beijo — interrompido quando Tati descobre que perdeu o celular que estava no bolso de trás do short. Todo mundo vem ajudar na busca, sem resultado. Na segunda-feira, porém, assim que chega à escola, Tati percebe que se tornou alvo de atenção geral: um vídeo gravado no aparelho sumido, no qual ela aparece em uma transa com o ex (nunca mostrada ao espectador), foi distribuído via rede social. Começa aí, em Ferrugem (Brasil, 2018), já em cartaz no país, um turbilhão que traga Tati com ferocidade espantosa, crescendo em força e perversidade à medida que o vídeo se espalha e viraliza.

O diretor Aly Muritiba filma esse desenrolar com uma sensibilidade visual notável para os compassos de seus protagonistas — em planos abertos e dinâmicos, repletos de cor e sugestivos da reticência e agitação típicas da idade deles. Quanto mais a angústia de Tati se intensifica, mais as imagens cuidam de reproduzir seu isolamento social e psicológico. Ao clímax dessa trama, segue-se uma segunda parte em tudo contrastante: em planos compostos e lentos, que se detêm nos personagens, vê-se como, numa casa de praia, Renet lida (ou melhor, não lida) com as reverberações do episódio, resistindo às tentativas do pai (Enrique Diaz), do primo e da irmã caçula de tirá-lo de seu mutismo. A certa altura, a mãe (Clarissa Kiste), de quem há meses Renet mantém distância, chega para conferir o que está se passando, e catalisa a ação, conduzindo-a a um rescaldo ético e moral.

Segundo longa de Aly Muritiba, depois do muito bom Para Minha Amada Morta, de 2015, Ferrugem é uma ótima notícia para o cinema nacional — pelo que é e também pelo que representa: uma mudança de foco (um respiro naquela sociologia rudimentar tão cara aos realizadores brasileiros) e de paradigma (na competência escrupulosa de sua dramaturgia). Ferrugem engrossa ainda uma mudança de patamar. Com ele e com o encantador Benzinho, o provocador O Animal Cordial, o terror As Boas Maneiras e o drama Aos Teus Olhos — para citar alguns exemplos —, o ano de 2018 vem pondo em oferta uma safra muito diversa da costumeira e, na média, também muito superior. “Na média” é, nesse contexto, a expressão-chave. Em geral dividida entre um e outro foco de brilho, uma batelada de comédias rasteiras e uma coleção de trabalhos inexpressivos, filmados antes de estar suficientemente pensados, a produção nacional carece justamente disto que esse conjunto apresenta: variedade e consistência.

Ex-estudante de história na USP e de cinema na Faculdade de Artes do Paraná, com anos de experiência como agente penitenciário, o baiano de nascimento Muritiba traz um olhar congenitamente avesso às idealizações da ficção. Da locação na Curitiba que conhece tão bem à escolha certeira do elenco, mas sobretudo na lucidez com que aborda a adolescência contemporânea, o diretor compõe em Ferrugem uma peça que, em exíguos 100 minutos, atinge um cerne real de propriedade e clareza. Melhor notícia do que essa não poderia haver — para o cinema e, em especial, para o espectador brasileiro.

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598

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