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Uma luz na escuridão

Medicamento submetido à aprovação das agências de saúde dos Estados Unidos e da Europa será o primeiro composto desenvolvido para a depressão pós-parto

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 28 ago 2018, 15h19 - Publicado em 24 ago 2018, 07h00

Duas em cada dez mulheres no Brasil vivem uma das situações mais paradoxais da existência humana: estar com o bebê desejado e saudável nos braços e, no entanto, sentir uma tristeza abissal por tê-lo no colo. Acontece: ser mãe e com a maternidade virem o sentimento de culpa, o choro incontrolável e a prostração severa. Para a medicina, não há dúvida: trata-se de depressão pós-parto. A alta incidência do transtorno e a falta de clareza no diagnóstico, contudo, nunca foram capazes de produzir um tratamento específico para o distúrbio. Diz Eduardo Zlotnik, ginecologista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo: “Havia duas barreiras, o tabu que ainda gira em torno da condição da mulher e os mecanismos muito específicos desse transtorno”. Ao menos o segundo obstáculo está próximo de ser superado com o primeiro medicamento desenvolvido para a depressão pós-parto. Com o nome de brexanolona, o novo composto foi submetido à aprovação das agências americana e europeia de saúde, FDA e EMA. Ambas as instituições já o classificaram como remédio “prioritário e inovador”.

Uma das principais hipóteses para as causas da depressão pós-parto é a gangorra nos níveis de hormônios no organismo feminino. Durante a gravidez, a mulher tem um aumento brutal de uma substância chamada alopregnanolona. Ela tem relação direta com um neurotransmissor de efeito calmante no organismo, o Gaba. No período pós-­parto, a queda da alopregnanolona é abrupta e algumas mulheres não se adaptam à diferença radical, o que leva à instabilidade emocional. O medicamento agora anunciado funciona como uma alopregnanolona sintética. “É uma abordagem refinada”, diz Joel Rennó Júnior, psiquiatra e diretor do Programa Saúde Mental da Mulher, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Até agora o tratamento mais popular para a depressão pós-parto tem empregado os antidepressivos comuns. Em especial os que agem na serotonina, neurotransmissor associado à sensação de bem-estar. O remédio, porém, leva um longo período para produzir efeito — não menos que duas semanas. A grande qualidade da brexanolona, injetável e administrável numa única dose, está justamente no tempo do início de ação no organismo: 48 horas. A diferença no calendário quanto ao começo do efeito é uma enormidade para quem sofre do terrível abatimento.

A brexanolona foi testada em 226 mulheres com idade entre 18 e 45 anos, com bebês de até 6 meses de vida. Todas elas haviam sido diagnosticadas com depressão pós-parto com vários graus de intensidade. As pacientes com depressão grave que receberam uma única dose da medicação tiveram redução considerável na intensidade do transtorno — apesar da presença de efeitos colaterais como sonolência e tontura. Conclusão: as portadoras de depressão severa passaram a sofrer da forma moderada ou leve do distúrbio. É como se uma mulher que não conseguisse levantar-se da cama para lidar com o filho pequeno passasse a fazer isso com alguma facilidade. Ela ainda tem o problema, sim, mas nada que a impeça de cuidar do filho. Como ainda não existem dados sobre a segurança do tratamento para a criança, as participantes tiveram de interromper a amamentação durante o estudo. A brexanolona deixa ainda em aberto uma questão fundamental: uma infusão é suficiente para o tratamento da doença ou serão necessárias novas doses em caso de retorno do transtorno? Por enquanto, os pesquisadores não conseguiram responder à pergunta.

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Apenas 30% das mães passam ­absolutamente incólumes por essa fase inicial tão delicada e intensa. As demais sofrem de depressão ou de tristeza. A tristeza, decorrente sobretudo da exaustão, das incertezas em relação a ter um bebê e da adaptação à nova vida, é completamente diferente da doença. Conhecida como baby blues, a tristeza é um sentimento deflagrado na primeira semana após o nascimento do bebê, em geral no terceiro dia, e termina espontaneamente por volta de duas semanas depois. A persistência ou a intensificação do abatimento são sinais de alerta para um quadro mais grave que requer tratamento. Deixada a seu próprio curso, a depressão chega a incapacitar para as atividades cotidianas, destrói laços afetivos, solapa a autoestima e provoca alterações abruptas de humor. Em cerca de 1% dos casos, as mulheres desenvolvem psicose pós-parto e podem chegar até a matar o bebê.

A vulnerabilidade da mulher ao descompasso hormonal da depressão é um histórico campo de estudos da medicina. Sabe-se, por exemplo, que problemas financeiros, conflitos com o parceiro e histórico familiar da doença podem ser o gatilho para o transtorno. Mas novos achados mostram um dado revelador: casos severos de depressão pós-parto podem ter tido sua origem ainda durante a gravidez, segundo trabalho publicado na revista científica The Lancet Psychiatry. Ou seja, o tratamento poderia, em tese, começar antes mesmo do parto. Não é uma decisão fácil, pois há sempre a sensação de que a chegada daquele pedacinho gostoso de gente possa resolver todos os problemas. O fato é que nem sempre é assim e, infelizmente, muitas vezes é tarde demais para perceber a escuridão.

Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2018, edição nº 2597

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