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Um terrível mundo novo

Com referências aos genocídios dos últimos séculos e ao terror, ‘Planeta dos Macacos — A Guerra’ é um filme feroz e benfeito, que ombreia com o original

Por Isabela Boscov Atualizado em 29 jul 2017, 06h00 - Publicado em 29 jul 2017, 06h00

O GORILA vem por trás e toca sorrateiramente o ombro do soldado — e, por um momento, tem-se a impressão de que o pelotão que avança pela selva foi cercado pelas forças do chimpanzé Cesar. Engano; com a palavra “burro” pintada às costas, o gorila é um dos macacos que os seres humanos empregam como rastreadores, feitores e bestas de carga. Mal Planeta dos Macacos — A Guerra (War for the Planet of the Apes, Estados Unidos, 2017) começou e, com essa referência explícita aos nativos que os americanos cooptavam para empregar nas guerras contra as tribos indígenas, o filme já adentrou o território tenebroso do genocídio. O Coronel (Woody Harrelson) quer a aniquilação total dos macacos; Cesar propõe que eles permaneçam restritos à área que ocupam na mata, sem contato com os humanos. Mas, como tantas vezes na história, a concentração em reservas é só uma etapa anterior à guerra e à carnificina. O massacre que se segue nesse primeiro embate é terrível — mas é só o começo do martírio dos macacos, o qual vai incluir muitas outras formas chocantes de desmoralizar, enfraquecer e torturar um inimigo.

ÓDIO E EMPATIA – A violência primata (acima) e a menina acolhida pelos símios: quando laços essenciais falam mais alto (//Divulgação)

Terceiro episódio da série iniciada em 2011, o novo A Guerra, que estreia nesta quinta-feira no país, é o primeiro a ombrear com o filme antológico estrelado por Charlton Heston em 1968 — e, surpresa, oferece eletricidade redobrada a quem conhece a história original. Robusto, vigoroso, de uma intensidade que não dá trégua, A Guerra redime de ponta a ponta uma franquia que, até aqui, vinha se destacando mais pela excelência técnica que pela regularidade no roteiro ou na direção. Tecnicamente, o filme atinge um patamar espantoso. A performance capture — a captura das expressões corporais e faciais de um ator por meio de sensores, à qual se acrescenta então a camada digital que o transforma em uma criatura diversa — vem avançando a passos largos. Mas aqui seu uso é não apenas impecavelmente preciso, como muito inspirado (tão importante quanto a contribuição do ator é o trabalho realizado sobre ele pelos artistas gráficos).

É, também, crucial ao roteiro, já que ao primeiro contato com os macacos se dissipa assim qualquer barreira psicológica que possa separar o espectador deles. Sofridos, desesperados, desejosos só de uma chance de viver em paz e perplexos com o ódio que os homens lhes dedicam, Cesar e seus companheiros aliciam de imediato a empatia da plateia — e, desta vez, causa assombro não apenas o trabalho do inglês Andy Serkis como Cesar, mas também o de Steve Zahn no papel de Bad Ape, um macaquinho que escapou de um zoológico e há anos vive sozinho, escondendo-se.

Em seu isolamento, Bad Ape nunca adquiriu uma compreensão geral da hecatombe que se seguiu ao experimento que transformou Cesar e outros macacos em primatas tão (ou mais) avançados quanto o Homo sapiens. Disseminado em forma de vírus — a “gripe símia” —, o agente da transformação matou seres humanos às centenas de milhões. Agora, sofreu uma mutação: está roubando a fala, e muito da capacidade de raciocínio associada a ela, dos humanos que resistiram ao primeiro contágio. Em fuga do Coronel, que lhe infligiu perdas pessoais terríveis, Cesar se vê obrigado a juntar à sua caravana, primeiro, uma menina infectada (Amiah Miller) e, depois, Bad Ape. Ambos lhe parecem excesso de bagagem; Cesar se ressente da garota por ser humana, e do macaquinho por sua tendência a se acovardar. Mas os dois terão papel essencial no momento em que Cesar descobrir o que foi feito de sua gente: numa instalação militar abandonada sob o frio inclemente da costa oeste do Pacífico, o Coronel instituiu um campo de concentração. Apinhados dentro de jaulas imensas durante a noite, ao relento, sem comida nem água, durante o dia os macacos realizam trabalhos forçados sob o chicote dos “burros” (que, nesse contexto, lembram os Sonderkommando, os judeus obrigados a trabalhar nas câmaras de gás dos campos de extermínio).

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TÉCNICA E EMOÇÃO – Cobertos de sensores e câmeras, Andy Serkis (no centro) e outros atores encarnam os macacos do filme: o trabalho impecável de interpretação e a excelência dos artistas que adicionam a camada digital são capazes de dissipar as barreiras psicológicas entre o espectador e os personagens (//Divulgação)

Com seu estado de sobressalto constante e a intransigência com que retrata um cenário em que as diferenças de identidade étnica não mais podem ser acomodadas, A Guerra é um triunfo para o diretor Matt Reeves. Embora tenha comandado também o episódio anterior de Planeta dos Macacos (e criado a meiga série Felicity), só aqui ele adquiriu confiança suficiente — por parte do estúdio, e em si próprio — para realizar por completo a sua visão de um mundo presa do medo e em retrocesso civilizatório veloz. Em seu pessimismo inflexível, Planeta dos Macacos — A Guerra sugere que este é um caminho sem volta, e nada, jamais, será como antes.

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2017, edição nº 2541

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