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Um fantasma ronda o mundo

O racismo, que parecia diminuir, ressurge em assombrosa alta

Por Fernando Grostein Andrade
Atualizado em 9 fev 2018, 06h00 - Publicado em 9 fev 2018, 06h00

Sou da geração que viu a hiperinflação ser derrotada no Brasil e Bill Clinton tocar saxofone na Casa Branca, depois do aperto de mão entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat em Oslo. Havia esperança. Hoje, gente que acredita que a Terra é plana se agrupa na internet, na qual também gritam os que negam Darwin e ensinam aos filhos que o mundo foi criado a partir de Adão e Eva de mãos dadas com dinossauros. Pior: a mais básica das conquistas parece se esfarelar. O fantasma do racismo, que aparentava viés de queda, agora volta a assombrar. Há poucos dias estive em uma cidadezinha no interior de Utah, nos Estados Unidos, e um carro passou agitando uma bandeira da Ku Klux Klan. Manifestações neonazistas sempre aconteceram nos EUA, mas nunca sem um forte e rápido repúdio do seu presidente — o que não aconteceu em Charlottesville.

Mas foi também em Utah que a esperança brotou em mim de novo. Na outra ponta das montanhas, acompanhei o festival de Sundance. O filme eleito vencedor pelo público, Burden, do genial diretor Andrew Heckler, conta a história verdadeira de um líder religioso, o pastor Kennedy. Na história, Mike Burden, um supremacista branco membro da KKK, recebe de um dos fundadores da entidade — um sujeito que era para ele uma espécie de figura paterna — a responsabilidade de cuidar de um imóvel que, no futuro, funcionaria como um museu para abrigar relíquias da KKK. Mas Burden se apaixona por uma mulher e, movido por esse amor, abandona o imóvel e a poderosa KKK. Sem teto, sem apoio e transformado em um morador de rua, encontra o pastor Kennedy, a quem só conhecia de vista, dos protestos que o religioso comandava em frente ao museu. Kennedy abriga Burden em sua casa, e, tocado pelo amor e pela fé do religioso, que é afrodescendente, o supremacista pouco a pouco vai abandonando seu ódio. Não vou estragar o final do filme, mas adianto que é inspirador e enche a gente de esperança — algo de que, aliás, muito precisamos neste nosso momento tupiniquim, com urnas cada vez mais envenenadas pelo ódio. A importância de narrativas como a de Burden é grande. Afinal, “aqueles que contam as histórias controlam a sociedade”, e filmes como esse ajudam a mostrar que é possível reverter o viés do racismo.

Para quem acha que estou exagerando quando digo que o fantasma voltou a assombrar, cito o curta The Right Choice (em inglês, o título tem duplo sentido: significa tanto “a escolha certa” quanto a “escolha da direita”). Seu diretor, Tomisin Adepeju, provoca o público com a seguinte história: um casal afrodescendente vai a uma clínica futurista de engenharia genética e é recebido por uma médica, também afrodescendente. Pensando “no melhor para o bebê” e com o objetivo de aumentar suas chances de sucesso profissional, ela cita estatísticas e aconselha o casal a projetar uma criança que seja branca, heterossexual e do gênero masculino. Os números não mentem. O monstro do racismo está cada vez mais vivo.

Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2018, edição nº 2569

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