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Um advogado dos diabos

Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula e pedra no sapato do juiz Sergio Moro, já defendeu tucanos e, na faculdade, era tido como “de direita”

Por Ullisses Campbell
Atualizado em 22 set 2017, 06h00 - Publicado em 22 set 2017, 06h00

Até os idos de 2013, quando começou a advogar para a família Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins era mais um entre centenas de advogados endinheirados de São Paulo a usar ternos Ricardo Almeida com abotoaduras e circular em carros importados pelas ruas dos Jardins. “Engomadinho demais”, dizia Lula sempre que Roberto Teixeira — seu compadre e hoje parceiro de acusações na Lava-Jato — indicava Zanin como interlocutor para algum assunto jurídico. O primeiro caso importante que ele assumiu na família foi o episódio do passaporte diplomático concedido a Luís Cláudio Lula da Silva, o filho caçula do ex-presi­dente, em 2013. A posse indevida de passaportes diplomáticos era, até então, o caso judicial mais ruidoso a rondar o clã. O tempo passou e a proximidade de Zanin com os Lula da Silva cresceu na mesma proporção que a ficha criminal da família. Hoje, cabe ao jovem advogado, de 41 anos, defender o ex-presidente de acusações bem menos banais: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa são apenas alguns artigos do Código Penal que Zanin está incumbido de driblar. O “engomadinho” agora é chamado por Lula de “Cris”, e é a Cris que o ex-presidente recorre quase que diariamente para consultas penais. Os dois também almoçam juntos com frequência — quase sempre no escritório de Teixeira ou na sede do Instituto Lula, já que o ex-presidente tem evitado locais públicos.

Amigos de juventude de Zanin dizem que lhes custa crer no rumo que tomou a vida do estudante tímido vindo do interior de São Paulo. De família de classe média, ele se mudou em 1994 de Piracicaba para São Paulo para estudar direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). “Rato de biblioteca”, “certinho”, “careta” e “de direita” eram adjetivos normalmente associados ao piracicabano, duas décadas antes de ele se tornar a sombra de Lula.

Zanin não frequentava diretórios acadêmicos, passou longe da militância política e nunca foi petista. Estava mais preocupado em trabalhar — e ganhar dinheiro para se livrar das restrições econômicas impostas pela mesada dos pais, de 1 200 reais. Dormia, então, em um colchão no chão de uma república de estudantes no bairro da Consolação.

A sorte começou a mudar quando, no 3º ano de faculdade, ele conseguiu um estágio no escritório Arruda Alvim, cujo dono era o pai de um de seus professores. Sua remuneração, inicialmente, foi de 2 000 reais por mês. A dedicação de Zanin era tal que, dos estagiários, ele passou a ser o único a ter sala própria. Em pouco tempo, pôde comprar seu primeiro carro, um Gol usado. Ao se formar, aos 24 anos, foi promovido a advogado sênior, com um salto salarial que fez seu pró-labore chegar a 20 000, com eventuais bônus de até 50 000 reais. De cara, comprou um Audi e substituiu o terno barato por cortes de Ricardo Almeida.

Em Curitiba, a chicana – Moro para Zanin (no destaque): “Nenhum dos defensores age assim. O doutor é o único” (//Reprodução)

Foi no escritório Arruda Alvim que Zanin defendeu seu grupo de clientes mais ilustres antes de Lula: coube a ele pilotar o time que trabalhou para ex-ministros e ex-presidentes do Banco Central da era FHC numa ação de improbidade administrativa. Movida pelo Ministério Público Federal (MPF), ela questionava a equipe econômica tucana por repasses ao Banco Econômico e pela criação de um programa de socorro às instituições financeiras com dinheiro público, o notório Proer. Em 2003, numa festa de advogados, Zanin conheceu sua mulher, Valeska, filha de Roberto Teixeira. Casou-se e abandonou o Arruda Alvim para se tornar sócio do sogro.

O caso de Lula é sua primeira grande incursão com holofotes no direito penal. Sua atuação entusiasmada e estridente despertou a admiração de colegas e a antipatia de procuradores da Lava-Jato em Curitiba. Os últimos o têm como “chicaneiro” — jargão do mundo jurídico usado para caracterizar advogados ou partes que tumultuam o curso processual. No caso de Zanin, uma das táticas preferidas é tentar tirar o juiz Sergio Moro do sério. Ao menos uma vez, ela teve sucesso. Em novembro do ano passado, durante o depoimento de Delcídio do Amaral, Zanin fez sucessivas interrupções enquanto o Ministério Público Federal e o juiz questionavam o ex-senador. Repreendido por Moro em mais uma tentativa de interrupção, ergueu o dedo indicador e disse: “Então fica o protesto da defesa contra o comportamento de Vossa Excelência, que viola o Código de Processo Penal”. Moro tentou replicar: “Na sua interpretação, doutor. Na interpretação correta do código, o juiz pode fazer…”. Antes que conseguisse terminar a frase, Zanin o interrompeu novamente: “Na interpretação de todos que trabalham com processo penal. Somos professores de processo penal”. Moro, vencido, encerrou o diálogo com a voz alterada: “Tá ótimo, então! Eu vou seguir com minhas indagações aqui, se a defesa permitir, evidentemente…”. Em junho deste ano, o advogado variou sua tática: durante o depoimento do ex-diretor da Polícia Federal Luiz Fernando Correa, repetiu as mesmas perguntas feitas a ele anteriormente. Moro interveio: “Vou interromper um minutinho porque essas perguntas foram feitas no depoimento anterior”, disse. Zanin não perdeu a deixa: “Vossa Excelência acha sempre que tudo o que a defesa fala é uma perda de tempo”. Aos mais próximos, Moro já disse achar Zanin um “estrategista chato”. No depoimento do ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar, também em junho, ele interrompeu o magistrado nada menos que 21 vezes. Ouviu de Moro: “Doutor, a defesa é inconveniente. Olha o comportamento processual. Nenhum dos defensores age assim. O doutor é o único”.

O advogado não dá mostras de incomodar-se com a irritação do magistrado, pelo contrário. O antagonismo que criou em relação ao juiz da Lava-Jato fez com que ganhasse nas redes sociais uma notoriedade que poucos criminalistas já experimentaram. Juntando Facebook e Twitter, Zanin tem mais de 130 000 seguidores. Em compensação, já foi hostilizado mais de uma vez nas ruas — afinal, quem não gosta de Lula detesta Zanin. Com seus cabelos implacavelmente engomadinhos, dedo em riste e uma reclamação sempre na ponta da língua, o doutor não está nem aí. Irritar é com ele mesmo.

Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549

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