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Toda força à Lava-Jato

A operação passará pelo seu teste mais difícil: escapar das sabotagens e provar que a Justiça também é capaz de alcançar os poderosos

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 dez 2017, 06h00 - Publicado em 22 dez 2017, 06h00

Em março de 2018, a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil completará quatro anos. As investigações já atingiram a quintessência do poder — quatro ex-presiden­tes da República, 178 deputados, 37 senadores, nove ministros e dezenove governadores. Descobriu-se uma teia de negócios ilícitos em ministérios, estatais, fundos de pensão, bancos públicos, empreiteiras e partidos, do Brasil e outros países. É um balanço impressionante. Apesar de tudo isso, o futuro da Lava-Jato ainda é considerado incerto. A operação sempre enfrentou — e vai continuar enfrentando — as mais variadas e difusas tentativas de sabotagem. Algumas explícitas, outras mais sutis, mas todas com o mesmo propósito: proteger quem já foi fisgado e dificultar ao máximo que novos tubarões caiam na rede. Por isso, resistir às incursões que emergem às vezes de onde menos se espera é hoje o maior dos desafios.

Em Curitiba, onde a investigação começou, 133 pessoas, inclusive empresários e políticos de primeira grandeza que não contavam com a proteção do foro privilegiado, foram condenadas. As sentenças somam 1 753 anos de prisão por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O ápice do trabalho da força-tarefa já tem data marcada: 24 de janeiro, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região vai julgar um recurso impetrado pela defesa do ex-presiden­te Lula. Apontado como o chefe da quadrilha que desviou 42 bilhões de reais da Petrobras, o ex-presiden­te foi condenado a nove anos e seis meses de prisão. Confirmada a sentença, Lula se tornará um fi­cha-suja e poderá ficar impedido de disputar eleições até 2026. “Com o ex-presiden­te Lula, o presidente Michel Temer e organizações criminosas no PT, PMDB e PP na mira da Justiça, a Lava-Jato dificilmente atingirá alvos mais expressivos aqui em Curitiba”, admite o procurador Carlos Fernando Lima, um dos integrantes da força-tarefa.

O juiz Sergio Moro, de Curitiba, tem dito a amigos que está cansado e que as investigações estão mesmo caminhando para o fim. Com pessoas próximas, o magistrado avaliou que, às vezes, no Brasil, se tem o arroubo messiânico de que todos os problemas serão resolvidos. Não serão. “É difícil ter um grande final e chegar um dia e falar que ‘acabou’ ”, disse o magistrado, que pensa em tirar um período sabático no exterior a partir de 2019. Antes disso, ele provavelmente terá de tomar uma de suas decisões mais importantes. Caso o TRF confirme a condenação de Lula, caberá ao juiz determinar ou não sua prisão imediata. Será a apoteose da Lava-Jato em Curitiba, mas não seu ponto-fi­nal. Para o bem do país, há um longo caminho à frente.

Bunker – A Lava-Jato continuou produzindo cenas impressionantes em 2017: a Polícia Federal apreendeu 51 milhões de reais escondidos em um apartamento usado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, que está preso em Brasília (Policia Federal/Divulgação)

Estão em Brasília as investigações e os processos contra os deputados, senadores e ministros envolvidos no escândalo. São duas centenas de políticos acusados de receber propina, usar dinheiro de caixa dois nas eleições, locupletar-se com a monumental estrutura de desvio de dinheiro público revelada pela Lava-Jato. É nesse ponto que tudo pode acabar se perdendo. Ao contrário do que acontece em Curitiba, não há previsão de desfecho dos casos no curto prazo. Pior: há sinais de articulações destinadas a fragilizar os instrumentos que se mostraram eficientes no combate à corrupção. A possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, as delações premiadas, as detenções preventivas — armas com as quais Curitiba quebrou as pernas da máfia que se infiltrara no poder — entrarão em 2018 sob ataque.

Antes da Lava-Jato, um corrupto era condenado em primeira instância e recorria; era condenado em segunda instância e recorria; era condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recorria; era condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e recorria novamente — um círculo vicioso que se estendia por anos, às vezes décadas, e acabava na prescrição. Em 2016, o STF decidiu que a condenação em segunda instância era suficiente para que o réu começasse a cumprir a pena. É esse o entendimento que pode levar Lula à cadeia em fevereiro. “O que nós dissemos é que em uma decisão de segunda instância é possível já autorizar a prisão. Não dissemos que ela se torna obrigatória. Está havendo uma certa confusão em torno disso”, disse o ministro Gilmar Mendes, que, de apoiador da prisão antecipada, virou um de seus principais críticos.

O STF também vai analisar duas questões que podem gerar efeitos negativos para a Lava-Jato. A experiência de Curitiba mostrou que as prisões preventivas e as delações premiadas conseguiram romper o pacto de silêncio entre corruptos e corruptores. No caso das prisões preventivas, alguns ministros do STF consideram que elas vêm sendo usadas como forma de pressão para obter delações, ainda que as estatísticas da 13ª Vara Federal de Curitiba revelem o contrário. Dos 163 criminosos que fizeram acordos, só 16% se encontravam detidos. As colaborações também sofreram um revés, mas o golpe mais duro ainda está por vir. Em 2018, o STF vai definir se anula a delação da JBS. Ao que tudo indica, ela será anulada, uma vez que o empresário Joes­ley Batista enganou as autoridades (veja a matéria na pág. 52). Não está claro o que acontecerá com os processos iniciados com base nas informações colhidas na delação.

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Apoteose – O presidente Temer, cujo processo só será retomado a partir de 2019, e o ex-presidente Lula, cuja condenação em segunda instância pode levá-lo à prisão imediata: os dois casos são um desafio para a Lava-Jato (Ueslei Marcelino/Reuters e Ricardo Stuckert/.)

Um desses inquéritos apura se o presidente Michel Temer recebeu propinas para favorecer uma empresa, a Rodrimar, com a edição de um decreto intermediado pelo ex-depu­tado Rodrigo Rocha Loures, o ex-assessor do Planalto flagrado correndo na rua com uma mala de dinheiro. Além dessa investigação, o presidente da República foi alvo de duas denúncias apresentadas pelo Ministério Público, que o acusou de receber propinas para favorecer a JBS, de tentar obstruir a Lava-Jato e de integrar uma organização criminosa. As duas denúncias foram interrompidas por decisão da Câmara dos Deputados. O processo será retomado quando Temer encerrar o seu mandato e, assim, tornar-se um cidadão comum. Ou seja: passível de investigação judicial e de virar réu.

O ano que termina poderia ter sido marcado por ações de apoio à Lava-Jato, mas alguns sinais foram no sentido contrário. O governo trocou o comando da Polícia Federal, movimento que algum tempo atrás era considerado impensável, e nomeou uma nova procuradora-geral da República descumprindo a promessa de que escolheria o primeiro nome da lista — outro movimento impensável quando a La­va-Ja­to estava no auge. Um sinal positivo, no entanto, veio do STF: a maioria dos ministros decidiu restringir o foro privilegiado aos crimes cometidos no exercício do mandato, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Mantido tudo como está, em 2018 a corrida por um mandato para garantir o foro continuará intensa. O senador Aécio Neves, por exemplo, cogita disputar uma vaga na Câmara. Flagrado pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista, ele só não foi preso graças à imunidade parlamentar. Por isso, sua prioridade é uma só: conquistar um mandato para assegurar o foro. Há uma bancada inteira em busca desse privilégio. Nesses quatro anos, a Lava-Jato arrastou praticamente toda a elite política às barras dos tribunais. Mas ela só será eternizada se corruptos e corruptores forem punidos — todos, incluindo os que se acham acima da lei e ainda se comportam como tal. A vigilância da sociedade é a única garantia de que isso ocorra.

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Publicado em VEJA de 27 de dezembro de 2017, edição nº 2562

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