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Tempos obscuros

Tiros contra ônibus de Lula e ameaças a Fachin engrossam rol de violência política nunca visto no país desde a redemocratização

Por Roberta Vassallo
Atualizado em 30 mar 2018, 06h00 - Publicado em 30 mar 2018, 06h00

Diante da notícia de que pelo menos três tiros haviam atingido a lataria de dois ônibus da comitiva do ex-presidente Lula, o governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin, afirmou que o petista “colheu o que plantou”. O deputado Jair Bolsonaro, também pré-candidato à Presidência da República, foi na mesma linha. “O Lula quis transformar o Brasil em um galinheiro e agora está colhendo ovos por onde passa”, disse ele, fazendo questão de falar em ovos quando o problema são tiros. Alckmin, logo depois, voltou atrás, no seu tom plácido, mas algo está errado quando duas figuras públicas que pretendem presidir o Brasil reagem com uma quase indiferença a um ataque a bala contra um político.

Retrato da briga – Outdoor anti-Lula, em Foz do Iguaçu, alterado por petistas: confronto de grupos opostos (Christian Rizzi/AFP)

De onde os tiros saíram ainda não se sabe. Os primeiros indícios sugerem que tenham saído de militantes da direita radical, porém essa não é a única hipótese. O incidente ocorreu no Paraná — um dos estados incluídos na rota das viagens-comício que o ex­-presidente vem fazendo desde 19 de março. Na terça-feira 27, ocupantes de dois dos três ônibus que compunham a comitiva relataram ter ouvido barulhos semelhantes ao impacto de pedradas na lataria segundos antes de os motoristas, também alertados por alguma anormalidade, estacionarem os veículos. O exame dos carros revelou um pneu furado por um punhado de pregos e buracos, supostamente feitos por tiros, nas laterais da lataria. Lula estava no primeiro ônibus, que não foi atingido. A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o episódio, e a Secretaria da Segurança Pública do Paraná anunciou a designação de um

TEMOR NA CORTE – No dia do ataque à comitiva de Lula, Edson Fachin, do STF, revelou que sua família sofre ameaças (Cristiano Mariz/VEJA)

“grupo de elite” para a investigação.

O que se sabe até agora é pouco e inconclusivo. O grupo Coletivo de Advogados e Advogadas pela Democracia (Caad), por exemplo, entregou ao Ministério Público do Estado do Paraná imagens de conversas de grupos de WhatsApp, críticos ao PT, em que os integrantes sugeriam trocar os “ovos e pedras” por “munição letal”. Em grupos intitulados “Caravana contra Lula 26/03” e “Foz contra Lula 26/03”, um integrante propôs “ir ao Paraguai comprar um fuzil”, enquanto outro indicou que comprasse “um puma 38 ou 44”, em referência a uma carabina da marca Taurus. Outro integrante disse, horas depois: “Tem que meter bala, aproveita que tá de noite (sic), mirar nos pneus, motor e bala (sic)”. O procurador do Paraná Olympio Sotto Maior Neto afirmou que as conversas configuram “apologia e incitação à prática de crimes” e que serão investigadas. Ele afirmou ainda que a denúncia será encaminhada à Procuradoria-Geral da República (PGR).

Lula apressou-se em nomear culpados pelo desfecho conturbado de sua caravana, que terminou na quarta-feira, em Curitiba, um dia após os ataques. “Eu só queria dizer que isso (referia-se ao ódio) tem responsabilidade. Eu queria dizer que a imprensa foi conivente com isso o tempo inteiro. A imprensa. O culpado desse ódio no Brasil chama-se Rede Globo de Televisão.” A emissora não comentou a declaração de Lula. O ex-presidente também desferiu críticas ao governo paranaense, que não lhe teria proporcionado a devida escolta durante o trajeto no estado. A Secretaria da Segurança Pública rebateu a acusação e disse que o PT não fez “pedido formal” de acompanhamento policial.

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Do outro lado do muro ideológico, a precipitação não foi menor. Em sites e grupos de WhatsApp viralizou a “notícia” de que as marcas dos tiros nas latarias dos ônibus eram um sinal inquestionável de que se tratava de um ataque forjado para reforçar a vitimização de Lula, cuja prisão pode estar na iminência de acontecer. Segundo a explicação dos autores anônimos, tiros disparados contra objetos em movimento não deixariam marcas perfeitamente redondas, como no caso dos veículos da caravana — e sim “rasgadas”. É uma tese que o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo, rebate: “Nada impede que um tiro de curta distância deixe uma marca mais rasgada, e que um de longa distância resulte em uma mais circular. As variáveis que determinam isso são muitas”.

No mesmo dia do ataque à comitiva de Lula, a GloboNews levou ao ar uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin. Nela, o relator da Lava-Jato afirmou ao jornalista Roberto D’Avila que sua família tem sofrido ameaças. O magistrado não deu detalhes da intimidação, mas revelou ter pedido reforço de segurança à polícia. O ministro disse que não viu necessidade de pedir abertura de inquérito policial. Considerou que tornar pública a ameaça intimidaria o agressor. Fachin é relator de cinco ações penais e 67 inquéritos da Lava-Jato no STF.

Os dois episódios, acrescidos do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 14 de março, compõem um rol de violência no ambiente político inédito na história recente do Brasil. Nenhum dos três casos ainda foi esclarecido, mas, pela aparência, são todos exemplos de violência política que caracterizam agressões à democracia. Quanto a eventuais ganhos individuais que o episódio do ataque à comitiva petista possa render, há apenas o que lamentar. Se os tiros tiverem partido mesmo de grupos de extrema direita, terão saído pela culatra, dado que o episódio é tudo o que o PT poderia desejar para legitimar seu discurso vitimista. Se, pelo contrário, tiver ocorrido o que, na quarta-feira, Bolsonaro, sem apresentar nenhuma prova, sugeriu (que as balas partiram de petistas interessados em faturar com a imagem de perseguição), a desmoralização do PT será completa. Não há o que comemorar, nem quem possa fazê-lo. Os acontecimentos mostram apenas que, lamentavelmente, o Brasil está rumando para tempos obscuros — se nada for feito para deter essa marcha de insanidade.

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Publicado em VEJA de 4 de abril de 2018, edição nº 2576

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