Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Tem míssil no céu

Não há ameaça nem sanção que faça o ditador Kim Jong-un desistir de seu projeto de construir uma bomba atômica

Por Johanna Nublat Atualizado em 8 jul 2017, 06h00 - Publicado em 8 jul 2017, 06h00

Foi com um largo sorriso no rosto e com abraços acalorados em seus generais de uniforme cáqui que o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, comemorou o lançamento de seu primeiro míssil balístico intercontinental (ICBM, na sigla em inglês), em uma confortável sala de comando escavada ao ar livre. Segundo a agência estatal da Coreia do Norte KCNA, o projétil foi um recado para os “bastardos americanos”. Kim, então, exortou os cientistas de seu país a “enviar com frequência pequenos e grandes pacotes de presentes aos ianques”, relatou a agência.

A assombração de uma Coreia do Norte munida de armas nucleares de longo alcance persegue os Estados Unidos desde o regime do avô do atual ditador, o comunista Kim il-Sung, que estreou em 1948 a dinastia familiar e aliou seu país com a União Soviética. O discurso dos Kim é que a bomba atômica põe o isolado país em igualdade de forças com a potência americana, garantindo dessa forma a sobrevivência do regime. Até agora, nada conseguiu impedir o avanço do programa militarista norte-coreano, que, na semana passada, cruzou um novo limiar ao lançar o primeiro míssil capaz de alcançar o Alasca. Não há evidências de que Pyongyang domine a tecnologia que permite acoplar uma ogiva nuclear ao projétil e dispará-lo com sucesso contra os americanos, mas ainda assim o teste teve um devastador impacto psicológico.

Muito já foi tentado para barrar as aspirações atômicas da família Kim nas últimas duas décadas. Em 1994, os americanos pressionaram com sanções econômicas. O ex-presidente Jimmy Carter visitou Pyongyang e retornou com a promessa de um acordo. Desde então, as estratégias variaram em nome e abordagem, mas todas fracassaram. Por um tempo, a Coreia do Sul aplicou ao inimigo do norte a “política do raio de sol”, ofertando assistência econômica e tentando mudar a postura do regime. Recentemente os americanos apostaram na “paciência estratégica”, a aplicação de pressão e sanções enquanto esperavam o tirano aceitar sentar-se à mesa de negociações. Nada deu certo.

Cruzou a Linha – Míssil lançado na terça-feira 4: o alcance vai até o Alasca (KCNA/AFP)

Desde que assumiu, o presidente Donald Trump vem tentando jogar para a China a responsabilidade de brecar os vizinhos, mas Pequim tem interesses próprios. Para os chineses, é importante garantir a zona-tampão, que hoje separa sua fronteira dos 30 000 militares americanos instalados na Coreia do Sul. Após o lançamento do míssil, os americanos engrossaram a voz, mas os chineses e os russos propuseram uma alternativa diplomática. Ela viria com o congelamento do programa nuclear norte-corea­no e com a interrupção dos exercícios militares conjuntos de americanos e sul-coreanos na região. “O congelamento já foi tentado antes, e não funcionou porque a Coreia do Norte traiu o acordo, perseguindo secretamente outro caminho para desenvolver armas nucleares, com o uso do urânio”, diz Sung-Yoon Lee, professor de política internacional da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos. O professor defende o reforço das sanções, que isolaram economicamente o país mas são repetidamente dribladas pelos norte-coreanos. “As sanções contra a Coreia do Norte não são tão duras como aquelas contra países como Irã, Síria e Cuba”, diz.

Se todas as opções para lidar com a Coreia do Norte são ruins, a pior delas é o uso da força militar. O problema é que um ataque inicial da parte americana dificilmente destruiria todas as armas escondidas e espalhadas pelo país e certamente geraria reação imediata. Pyongyang poderia usar a pesada artilharia convencional armada perto de Seul ou mísseis de variados alcances. O risco da escalada do conflito para o campo nuclear é real, mas assusta mais os americanos, sul-coreanos, chineses e japoneses do que o ditador da Coreia do Norte. Quanto mais armas ele tem, mais confiante fica em seguir com o programa nuclear. “O míssil (ICBM) é para dissuasão, não é ameaça. Queremos mandar uma mensagem aos Estados Unidos: queremos paz, mas não vamos implorar por ela. Com esse míssil, Trump não vai ousar atacar a Coreia do Norte”, afirma o espanhol Alejandro Cao de Benós, o ocidental com maior entrada em Pyongyang e que atua há anos facilitando contatos comerciais e políticos com o país. Escondido no discurso de Benós (que segue à risca o oficial) está o interesse de manter o regime de pé. Os norte-coreanos veem como mau exemplo o destino do líbio Muamar Kadafi, que, anos depois de abrir mão de seu arsenal nuclear, acabou deposto e linchado. Diz Steven Weber, professor de relações internacionais da Universidade da Califórnia em Berkeley: “Eles olham para o que aconteceu com Kadafi e pensam que um acordo não tem credibilidade”. Para o mundo, não há nada mais temerário do que um ditador amalucado com poderes nucleares.

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2017, edição nº 2538

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.