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Surpresas da história

Hoje são os americanos, quem diria, que temem o mercado livre

Por André Lahóz Mendonça de Barros
Atualizado em 29 jul 2017, 06h00 - Publicado em 29 jul 2017, 06h00

A FRASE É atribuída ao ex-presidente Porfirio Díaz, que governou o país por décadas na virada do século XX: “Pobre México: tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Ela resume a desconfiança da América Latina — o Brasil incluído — em relação a países muito mais ricos. É um jeito de olhar o mundo: quando um lado ganha, o outro perde. Segundo esse paradigma, é fácil imaginar quem leva a melhor entre mexicanos e americanos.

Desde 1994 os dois países integram o Nafta, área de livre-comércio que inclui o Canadá. À época das negociações, os americanos eram os propagadores do liberalismo econômico e entusiastas do projeto. Já os mexicanos viam o acordo com imensa suspeita — se ele tivesse sido submetido a uma consulta popular, é quase certo que seria barrado.

É curioso ver que, à luz da teoria econômica, esse medo faz pouco sentido. México e Estados Unidos são países que tipicamente estavam na cabeça de economistas como os suecos Eli Heckscher e Bertil Ohlin quando formularam a teoria do comércio internacional. Exatamente por serem diferentes em tudo. A intuição: países assim vão se especializar nos produtos em que têm vantagens na comparação com o outro, e ambos vão ganhar com a abertura. A teoria rendeu o Nobel a Ohlin, em 1977 — seu parceiro havia morrido muito antes. (Menos óbvio é entender por que países semelhantes, como Estados Unidos e Canadá, também devem trocar produtos. A explicação valeu outro Nobel, desta vez para o economista Paul Krugman.)

No entanto, foi essa visão mais estreita — de que no contato entre diferentes o fraco ficaria ainda pior — que dominou por décadas o pensamento latino-americano. Muito devido à resistência do Brasil, o projeto da Alca, uma extensão do Nafta no continente inteiro, não decolou. Mas hoje o México evidencia quanto as ideias avançaram. O Nafta virou unanimidade no país: não há uma única força política relevante que pregue seu fim. Nas duas últimas décadas, os mexicanos montaram uma base industrial robusta. Produzem 3,5 milhões de veículos ao ano. Boa parte dos componentes vem dos Estados Unidos. Os mexicanos têm outros onze acordos comerciais, e ainda fazem parte da Parceria Transpacífico. Nós temos quatro. E nossa indústria não para de regredir.

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Nem tudo são rosas, é claro. Um balanço isento mostrará que, ao contrário do que se temia, a economia mexicana não apenas sobreviveu ao Nafta como se expandiu enormemente. Mas chagas históricas continuam ali: o México vive os dramas da pobreza e da violência que tanto conhecemos. A abertura, afinal, é apenas uma das engrenagens necessárias para o desenvolvimento. Sem avanços em outras áreas, a caminhada fica pela metade.

A ironia é que o maior risco ao projeto comercial vem hoje do gigante do norte. Uma das mais enfáticas promessas de Donald Trump na campanha eleitoral foi a construção de um muro entre os países — que teve uma verba aprovada pelo Congresso americano em 27 de julho. Ele ainda não destruiu o Nafta, mas pode ser questão de tempo. É na divisa mexicana que se desenrola hoje a principal disputa global entre o protecionismo e a abertura. Só que, desta vez, o inimigo está do outro lado da fronteira.

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2017, edição nº 2541

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