Saladinha, uma ova!
A alta cozinha adere ao cardápio vegetariano, movimento mundial que faz de legumes e verduras o ingrediente principal no preparo de pratos caprichadíssimos
O chef britânico Gordon Ramsey, desbocado apresentador do reality show Hell’s Kitchen, ameaçou certa vez eletrocutar os filhos que se tornassem vegetarianos. Pois, para assombro de seus 7 milhões de seguidores no Twitter, em abril Ramsey postou foto de uma pizza de berinjela com a legenda: “Vou dar uma chance a este lance #vegan”. O prato está no cardápio de sua nova casa em Londres, Street Pizza, e a cobertura exibida pelo mais antivegetariano dos chefs mostra que ele se dobrou à onda gastronômica do momento: a valorização de verduras, legumes e cereais em detrimento das proteínas de origem animal.
Segundo a consultoria Baum + Whiteman, dos Estados Unidos, a comida plant-based, à base principalmente de vegetais, é a tendência global para a gastronomia em 2018. O relatório destaca duas mudanças nos hábitos dos americanos, ávidos e atávicos consumidores de hambúrguer e bacon, que reforçam a previsão: um terço deixou de comer carne em determinados dias da semana e, na faixa abaixo dos 40 anos, a ingestão de vegetais frescos aumentou 52%. Atenta ao paladar de sua seleta clientela, a alta gastronomia acompanha a virada. Os chefs mais estrelados dos grandes restaurantes — René Redzepi, do Noma, em Copenhague; Rodrigo de la Calle, do El Invernadero, em Madri; Thomas Keller, do Per Se, em Nova York — estão alçando os vegetais ao papel de protagonistas em seus cardápios.
Foi na França, terra do foie gras e dos molhos pesados, que o plant-based de alta qualidade teve origem, no longínquo 2001, quando Alain Passard fez do L’Arpège, casa em Paris que ostenta as ambicionadas três estrelas do Guia Michelin, um restaurante vegetariano. Atualmente há uma ou outra concessão a peixes e aves no cardápio, mas o ponto alto continua sendo o menu degustação vegano (doze etapas, 1 550 reais). Nessa vertente, além de terem verduras fresquíssimas e de primeira, os pratos são obras de arte no colorido e na arquitetura dos ingredientes. A mais recente imersão na nouvelle veg, como dizem os franceses, foi de Alain Ducasse, chef-celebridade que comanda 27 casas ao redor do mundo, ao reinaugurar o restaurante do hotel Plaza Athénée, depois de uma reforma de 2,5 milhões de euros. Quem pede o menu jardin-marin (1 900 reais) saboreia receitas à base de legumes cultivados exclusivamente para Ducasse nos jardins do Palácio de Versalhes.
Plantar e colher o que vai ser levado à mesa está na raiz dos menus plant-based. “Não adianta ser vegetariano e comer folhas cheias de agrotóxico”, alfineta Rafael Costa e Silva, chef do Lasai, o único restaurante carioca na lista dos 100 melhores do mundo. Seu menu degustação é 80% composto de vegetais, boa parte proveniente de duas hortas próprias, no Rio de Janeiro e na serra. O colega Ivan Ralston, que acaba de ganhar a segunda estrela brasileira do Michelin pelo restaurante Tuju, em São Paulo, aponta para outra bandeira, a da sustentabilidade. “A criação de gado em larga escala custa muito caro ao meio ambiente”, afirma o cozinheiro, que tem uma horta montada no teto do restaurante. “A ingestão de frutas e verduras evita hipertensão, obesidade e outros distúrbios que levam a doenças cardíacas, mais letais no Brasil do que o câncer”, explica ainda a nutricionista Sonja Salles. Carnívoros de todo o mundo, conformem-se: as folhinhas estão podendo.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598