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Rescaldos

Coluna publicada em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 7 set 2018, 07h00 - Publicado em 7 set 2018, 07h00

Um museu universitário tem duas faces. Na mais superficial, é um local de visitação para o público em geral; na mais profunda, um centro avançado de pesquisas. Na qualidade de local de visitação, o Museu Nacional vinha perdendo terreno desde, para tentar fixar uma data, a mudança da capital para Brasília. Ilustres visitantes estrangeiros eram instados a incluí-­lo na programação assim como, desde o governo Brizola, são instados a incluir uma subida às favelas. Nem se fale de cientistas, como Einstein e Marie Curie, em suas passagens pelo Rio; estes acorriam a ele por força do ofício. Mesmo para os visitantes nacionais a Quinta da Boa Vista, com seu jardim zoológico e seu museu, era uma visita tão obrigatória quanto Copacabana.

“O incêndio devolveu ao Museu Nacional a celebridade perdida, mas com titubeios”

O incêndio devolveu ao Museu Nacional a celebridade perdida, mas com titubeios. Uma editora de livros publicou anúncio em jornal manifestando seu pesar pela tragédia que vitimou o “Museu Histórico Nacional”. Museu Histórico Nacional é outra instituição, também no Rio de Janeiro, que por enquanto não queimou. Na televisão, no domingo à noite, os repórteres que encaravam a missão de preencher com palavras o espetáculo das chamas só acordaram para o fato de que o prédio, antes de abrigar o museu, fora nosso palácio imperial quando um entrevistado o mencionou. Guardadas as enormes desproporções entre um país e outro, era como se na França se queimassem ao mesmo tempo o Louvre e o Palácio de Versalhes. Aliás, segundo oportuna comparação feita pelo repórter Rafael Barifouse, da BBC Brasil, no ano passado o número de brasileiros que estiveram no Louvre foi maior que o total de visitantes do Museu Nacional. Foram 289 000 brasileiros no museu francês contra 192 000, brasileiros ou não, no da Quinta da Boa Vista.

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Duas senhoras de aparência jovem, Luzia e a Sha-amun-en-su, a primeira de 11 500 anos, a segunda de 2 800, figuravam entre as maiores atrações do museu. Luzia é o apelido do mais antigo crânio humano já descoberto nas Américas. Sha-amun-en-su foi uma cantora/sacerdotisa egípcia cujo sarcófago foi dado de presente a dom Pedro II. Seus olhares, o de Luzia tal qual aparecia na reconstrução a partir dos dados do crânio, o da egípcia tal qual emergia da figura ricamente esculpida e pintada na cobertura do sarcófago, nos traziam um pouco do encanto, mas também do mistério e do susto, da aventura humana sobre o planeta. As duas senhoras sobreviveram a viagens que as trouxeram do fundo dos tempos para sair de cena em poucas horas.

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Em sua face de centro de pesquisas, os prejuízos vão muito além das fronteiras do Museu Nacional. Tomem-se os besouros da família dos cerambicídeos, popularmente conhecidos como serra-paus. A coleção do Museu Nacional, a maior do Brasil, possuía mais de 1 000 holótipos desse inseto (“holótipos” são os exemplares que pioneiramente serviram para, dentro de determinada família, descrever uma espécie). Pesquisadores de qualquer parte do mundo podiam dela se servir. No dia seguinte ao do incêndio, cerambicídeos carbonizados levados pela fuligem foram encontrados até numa cobertura do bairro vizinho da Tijuca, segundo noticiou o jornal O Globo.

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No Museu de Zoologia da USP, a tragédia provocou desolação comparável à reinante no Museu Nacional. Não era apenas questão de solidariedade; pesava igualmente a forçosa interdependência entre instituições afins. Um pesquisador de libélulas, para ficarmos nos insetos, ao armar-se para seu estudo tomará emprestada a coleção do outro museu; acrescentada à do seu próprio, ela lhe ampliará a base do trabalho. Isso explica por que exemplares da USP se encontram entre as perdas do incêndio do Museu Nacional e, inversamente, exemplares do Museu Nacional se salvaram por se encontrar momentaneamente na USP.

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A fatia do Orçamento que em 2017 coube ao Museu Nacional montou a 650 000 reais. Em outra oportuna comparação, a Associação Contas Abertas lembrou que, no mesmo ano, os trabalhos de lavagem dos 83 carros da Câmara dos Deputados montaram a 563 333,56. Quase chegaram lá.

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Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599

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