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Quem quer o circo

De todas as ameaças à democracia surgidas neste ambiente de paixões e propostas radicais, a mais séria é a tentativa incessante de desmoralizar o Judiciário

Por J.R. Guzzo Atualizado em 13 jul 2018, 06h00 - Publicado em 13 jul 2018, 06h00

O espetáculo de depravação exibido há pouco por um desembargador do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, com a cumplicidade de três deputados federais do PT e com a ideia de “soltar” da cadeia o ex-presidente Lula, teve pelo menos uma vantagem: foi uma lição perfeita de como seria, na prática, a Justiça brasileira num governo de Lula, seu partido e os demais agrupamentos que se apresentam como de esquerda neste país. Foi uma coisa prodigiosa na sua estupidez —não chegou a durar duas horas, de tão miserável a qualidade da armação posta em prática, e desceu a um nível de safadeza tão grosseiro que, aparentemente, nem mesmo o advogado-chefe de Lula, Cristiano Zanin, sempre disposto ao pior, aceitou se meter na história. Mas deixou claros os planos que Lula tem para o Poder Judiciário no Brasil, caso um dia volte a mandar. No seu entendimento, o sistema de Justiça deve ser uma repartição pública cuja única função é declarar como “legal” tudo o que o governo manda fazer; seus juízes, procuradores e demais funcionários devem ser gente “do partido”, com a obrigação permanente de receber ordens e obedecer a elas. A lei não é o que está escrito. Não é hoje a mesma que foi ontem ou será amanhã. Não é igual para todos. A lei, por essa visão do mundo, é apenas o que Lula, o PT e os seus sócios querem que ela seja.

Muito se adverte dos perigos que a democracia brasileira está correndo neste momento de paixão eleitoral extremada, com propostas radicais, promessas explosivas e candidatos que inquietam as almas moderadas. Mas a verdadeira ameaça à democracia, hoje, é esse esforço contínuo pela subversão do Judiciário, comandado pelas forças que precisam eliminar os sistemas de combate à corrupção em funcionamento. Ou derrotam a resistência à roubalheira, simbolizada e centralizada na Operação Lava-Jato, no juiz Sergio Moro e numa porção decisiva do TRF4, ou não sobrevivem politicamente. Não haverá futuro algum para Lula, condenado como ladrão a doze anos de prisão e em duas instâncias, nem para o imenso aparelho criminoso que opera a vida pública brasileira de alto a baixo, se uma parte da Justiça continuar com poderes reais para punir quem rouba. A guerra para destruir o Judiciário e eliminar a segurança jurídica já está sendo travada há bom tempo. Seu principal campo de batalha, no fundo, é o Supremo Tribunal Federal, no qual se concentra o grosso dos esforços para matar a Lava-Jato, soltar Lula e armar seu retorno à Presidência da República. Só assim, acreditam seus generais, será possível pacificar o ambiente político no Brasil e liberar as quadrilhas partidárias para que possam voltar às suas atividades habituais de extorsão, roubo e desfrute do Erário.

Os inimigos de um sistema de Justiça livre, íntegro e profissional têm tido vitórias e derrotas em sua caminhada. Contam com um grupo ativo de servidores no STF — recentemente ganharam ali, por exemplo, a libertação do ex-deputado José Dirceu, condenado a mais de trinta anos de prisão. Nesse episódio demente da “soltura de Lula”, em que o desembargador Rogério Favreto achou que pelo fato de estar num plantão de domingo poderia anular a sentença do tribunal do qual faz parte, a tropa da corrupção perdeu. Tudo saiu errado. O desembargador é um militante público do PT, nomeado para seu cargo no TRF4 por Dilma Rousseff sem nunca ter sido juiz de coisa alguma — faz parte dessa pérola da vigarice nacional chamada “quinto”, deformação que dá ao governo o direito de nomear como bem entende 20% de todos os desembargadores brasileiros. Qualquer idiota pode ser nomeado; basta que tenha um diploma de advogado de uma faculdade qualquer de subúrbio e, naturalmente, que seja amigo de quem o nomeou.

A trapaça que Favreto tentou aplicar espanta por sua cretinice. Três deputados da área mais desordeira do PT — um deles chegou a propor publicamente o fechamento do STF — combinaram com Favreto a apresentação de um pedido de habeas-corpus em favor de Lula, em regime de emergência, aproveitando que o desembargador estaria de plantão no domingo. De pronto, ele veio com um calhamaço com mais de trinta páginas em que tomava a extraordinária decisão de derrubar a sentença — até agora não reformada, e portanto absolutamente legal — de um colegiado de três desembargadores do próprio TRF, e mandava que o juiz Moro e a Polícia Federal soltassem Lula “imediatamente”. Por quê? Os deputados petistas e seu desembargador disseram que havia um “fato novo” — Lula quer ser candidato a presidente da República e não poderá fazer campanha se continuar preso. Como assim? Quer dizer que qualquer brasileiro, entre os mais de 700 000 atualmente na prisão, tem o direito de ser solto para se candidatar a presidente? É muito louco. Naturalmente, essa ordem não deu em nada, porque não podia ser cumprida. Como disse Moro na resposta à intimação: soltar o condenado seria desrespeitar a ordem do próprio TRF4 que mandou pren­dê-lo e está em pleno vigor. Logo em seguida, a autoridade competente do tribunal ordenou que a “soltura” fosse ignorada. Fim do golpe.

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“Quer dizer que qualquer brasileiro, entre os mais de 700 000 atualmente na prisão, tem o direito de ser solto para se candidatar a presidente?”

Chama atenção, no episódio todo, como um plano tão idiota pôde ir adiante. Ninguém, pelo jeito, disse em nenhum momento que aquilo era uma alucinação — ao contrário, chegaram a ser organizadas comemorações antecipadas da “libertação”. O fato é que a tentativa foi realmente executada — e isso mostra quanto Lula e seu sistema de apoio estão dispostos a fazer para virar a mesa. O que poderia ser mais claro? O golpe do plantão de domingo revela, com a clareza possível, que é isso que eles entendem por justiça. É essa a única justiça que lhes interessa; é a que vão fazer se chegarem lá. Afinal, se um dia chegarem, por que raios começariam a fazer o contrário do que estão fazendo agora? A Justiça do “Lula Livre” é a Justiça da Venezuela — acaba-se com tudo e monta-se no lugar um Supremo com onze Favretos. Tem sido essa, exatamente, a atuação do PT e da esquerda à sua volta desde que começaram os processos de corrupção contra Lula: um vale-tudo para fraudar, enganar, corromper e desprezar a ideia de justiça. Em nenhum momento mostraram o menor interesse em se defender das acusações com base na lei, na razão e nas provas. Desde o primeiro dia, todo o esforço foi espalhar que o ex-presidente era vítima de um “processo político” destinado a impedir que ele voltasse à Presidência do país e pudesse executar de novo as suas “políticas sociais”. Transformaram o STF num picadeiro de circo, e criaram a situação absurda de monopolizar em benefício de um único cidadão a maioria das atividades do principal tribunal do país. Entraram com mais de setenta recursos de todo tipo, grande parte deles chicana em estado puro, para paralisar, interromper e tumultuar os processos. Há mais de ano trabalham o tempo todo para gerar um estado permanente de baderna, com o objetivo de jogar a população contra a Justiça brasileira. Vão continuar assim. Não enxergam outra saída.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591

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