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Que não seja só da boca para fora

Anna Castanha, finalista do Prêmio VEJA-se na categoria Diversidade, ajuda as empresas a afinar as práticas internas com o discurso LGBT

Por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 nov 2018, 20h38 - Publicado em 15 jun 2018, 06h00

“Nenhuma empresa hoje pode abrir mão de se comunicar com o público LGBT, que saiu do armário e não vai aceitar voltar para ele. Só que, para falar com essas pessoas, as empresas vão ter de olhar para dentro de casa. Diversidade não pode ser só da boca para fora.” A autora da avaliação é a publicitária Anna Castanha, uma das três finalistas na categoria Diversidade do Prêmio VEJA-se, que dá reconhecimento às histórias de cidadãos que se destacam como agentes de mudança na sociedade brasileira.

Anna uniu sua profissão à militância pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, tornando-se uma das pioneiras no Brasil em marketing LGBT. Estudar a comunicação interna e externa voltada a esse público fez com que ela superasse o “desencanto” com o que encontrou na faculdade e na carreira: campanhas que reforçavam estereótipos. “Eu mostro às empresas as vantagens de investir em diversidade, apresentando estudos sobre como isso aumenta a criatividade e a produtividade. Mas também quero que elas contratem transexuais, por exemplo, que sofrem com a falta de oportunidades”, diz a publicitária.

O trabalho que Anna realiza enfrentou resistência desde o primeiro momento, quando ela começou a pesquisa para sua monografia de graduação: “Disseram que eu era louca e que isso nunca daria certo no Brasil. Existia pouquíssima bibliografia sobre o tema, e a que havia era toda voltada a homens gays do Rio de Janeiro”. A monografia virou um curso de extensão, que já chegou a cerca de 200 alunos em instituições do porte da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Dois anos depois, Anna, que vinha trilhando uma carreira em agências de publicidade, fundou a Iden, uma empresa de consultoria. No fim de 2016, ela pediu demissão do emprego e passou a se dedicar exclusivamente a promover a cidadania de pessoas LGBT por meio da diversidade nas empresas.

“Não é preciso fazer parte de uma minoria para apoiá-la”, diz a publicitária

Com esse pioneirismo, a publicitária, de 32 anos, impactou a própria vida, encontrando coragem para se assumir como integrante da comunidade LGBT para sua família: “A minha pesquisa permitiu que eu conversasse com a minha mãe, que sempre foi homofóbica. Fazendo esse trabalho de formiguinha, ensinando, hoje ela virou uma defensora da causa. O mercado cresce à medida que a educação alcança outros patamares, e a propaganda, que muitas vezes reforça os estereótipos, passa a quebrá-los”.

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Nos últimos dois anos, a Iden prestou consultoria a 25 clientes, na maioria agências de publicidade e grandes empresas, do varejo ao setor de tecnologia. Pelo caráter militante do trabalho, Anna cobra de acordo com o impacto que a iniciativa proposta pode ter para a população LGBT — quanto maior o impacto, menor o valor. A publicitária adotou uma premissa tão simples quanto ampla: evitar a todo custo a hipocrisia. “A empresa que quer falar de diversidade precisa fazer o dever de casa. Se há um discurso em público, mas a funcionária transexual não tem condições de usar o banheiro feminino, pode ter certeza de que em poucas semanas todos ficarão sabendo. Com as redes sociais, acabou a fronteira entre o que está dentro e o que está fora da empresa”, diz Anna.

Comparando-se a uma “médica”, ela costuma pedir para ter uma conversa aberta com o “paciente”, o CEO da empresa, para se certificar de que o exemplo virá de cima. Superada essa fase, vem o “diagnóstico”, um censo em parceria com o departamento de RH para que, anonimamente, os funcionários relatem se podem manifestar sua sexualidade livremente e como é a distribuição das minorias na hierarquia da empresa. Por fim, ela ministra o “remédio”, que pode ser a abertura de vagas exclusivas às pessoas LGBT ou o incentivo para a formação de grupos de discussão de diversidade. “A política LGBT da empresa tem de ser perene, porque se for pela ‘moda’ não vai funcionar”, explica a publicitária.

Anna Castanha trabalha sob o paradoxo de atuar para que um dia sua tarefa não seja mais necessária. “Meu objetivo é que as empresas queiram, por elas mesmas, ter esse papel social.” Até lá, ela brinca, argumenta “pelo lado do bolso”. Elementos para isso não faltam: a população LGBT no Brasil movimenta pelo menos 150 bilhões de reais por ano, segundo levantamento da InSearch, empresa especializada em análises de mercado. Mais do que ganhar dinheiro com a Iden — que não tem empregados fixos e funciona com uma equipe de seis ou sete colaboradores eventuais, todos LGBTs —, Anna quer plantar uma sementinha, “um vírus que mude o sistema todo por dentro”. Capacitando outros profissionais com seus cursos, ela deseja que o Brasil se torne uma referência no marketing LGBT: ao lado da professora Ana Paula Passarelli, com quem divide o curso na ESPM, está escrevendo um livro que pretende ser o primeiro guia completo sobre o assunto (incluindo as discussões sobre mulheres) na publicidade.

O site da Iden anuncia para breve uma versão on-line do curso, para alcançar ainda mais alunos. Em tempos de tanto confronto e polarização, Anna aposta na redução do tom dos debates e numa conversa mais amigável, nas empresas e nas aulas, para mostrar que “não é preciso fazer parte de uma minoria para apoiá-la”. Isso faz com que muitos profissionais heterossexuais procurem suas aulas. Ela se sente realizada quando percebe que alguns se abrem nas conversas: “Nas empresas, as pessoas me puxam de canto para falar da vida delas, de familiares e amigos. É muito prazeroso poder olhar nos olhos delas e dizer que está tudo bem, que as pessoas são diferentes umas das outras e tirar o peso de suas costas. Volto para casa consciente de que fiz algo de bom”.

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Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587

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