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Psicoteste

Coluna publicada na edição de VEJA de 5 de julho de 2017

Por J.R. Guzzo
Atualizado em 6 jul 2017, 19h29 - Publicado em 6 jul 2017, 13h53

A REQUISITADA FIRMA de advogados Dodson & Fogg, na verdade uma dupla de escroques que fornece alguns dos melhores momentos do primeiro livro de Charles Dickens, The Pickwick Papers, tinha um princípio profissional acima de qualquer outro, em sua atuação no baixo mundo judiciário de Londres. “As alegações feitas por nosso cliente podem ser verdadeiras ou falsas”, costumava dizer Mr. Dodson — que a exemplo de Mr. Fogg parecia ter quase tanta chance de acabar um dia na forca quanto os seus clientes mais infames. “Não faço a menor ideia se são uma coisa ou outra, e isso, aliás, não tem nenhuma importância. A única questão que nos interessa é a seguinte: vão acreditar em nós?” O tempo passa, o mundo gira, e eis aí o Brasil de hoje, essa potência moral que causa cada vez mais espanto na Terra e no resto do sistema solar, vivendo situações que poderiam perfeitamente estar presentes nas tenebrosas cortes de Justiça da Londres de 200 anos atrás. Ninguém está dizendo aqui, pelo amor de Deus, que os advogados do ex-presidente Lula, no momento de receber a sentença no primeiro dos seus múltiplos processos penais, tenham alguma coisa a ver com messrs. Dodson e Fogg — ou que o seu cliente tenha cometido algum crime. Mas o caso do ex-presidente, após toda a via-sacra do seu processo, dá ao público pagante a sensação de que o resumo da obra é o mesmo. “Provei a minha inocência”, diz Lula, sem explicar por quê. Ou seja: não vamos agora ficar discutindo se é verdade, se não é, etc. e tal. Acreditem em mim.

Os dois mandatos de Lula na Presidência da República foram um monumento sem precedentes ao vício. Sua performance mais espetacular, como ficou demonstrado com dezenas de confissões públicas e provas materiais, foi a capacidade sem limites para roubar dinheiro público. Na Petrobras, privatizada diretamente para os amigos, a estimativa mais aceita é que o roubo tenha passado dos 40 bilhões de reais; conforme a maneira de calcular, fala-se em cifras de até 90 bilhões. Privatizaram, também para o usufruto pessoal da companheirada, a Eletrobras, a Nuclebrás, a Caixa Econômica Federal, o BNDES, ferrovias, rodovias e, de modo geral, qualquer estatal que pudesse ter alguma coisa passível de ser furtada. Roubaram com ânsia desesperada os fundos de pensão das empresas do governo. Roubaram merenda escolar, ambulâncias, quentinhas de presidiários. Roubaram pontes, linhas de transmissão de eletricidade, estádios de futebol inteiros. Roubaram até sangue humano. A respeito de todos esses fatos, Lula diz apenas que provou ser 100% inocente. Não participou de nada, não soube de nada e não desconfiou de nada em oito anos seguidos de governo — não admite nem mesmo que tenha tido a mínima responsabilidade por nada do que fizeram a um palmo da sua porta, ou menos ainda.

A maneira mais prática de explicar isso talvez seja a crença de Lula em que contra a fé não há fatos nem argumentos. Muita gente (e ele espera que essa gente seja a maioria dos brasileiros) não está interessada em entender, pensar ou se informar — só está interessada em acreditar. É a mesma esperança que quase todo político brasileiro tem para sobreviver às consequências de seus atos. Fazem barbaridades, perante o Código Penal e as regras mais elementares de conduta, absolutamente notáveis pela sua estupidez — e ficam esperando que ninguém ache nada de errado. Como o presidente da República, por exemplo, pode se meter com esse Joesley Batista, o maior corruptor da história do Brasil? Nem um guarda-­noturno receberia o homem; Michel Temer até agora acha que está tudo bem. O senador Aécio Neves, que poderia estar em seu lugar, deixa-se gravar ao telefone implorando 2 milhões de reais em dinheiro vivo da mesma figura. O complexo Renan-Jucá-­Padilha-Moreira-Geddel-etc. continua em plena atividade. Os ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux e outros colossos da nossa suprema magistratura governam o país como se isso fosse legal. O que há com essa gente? Obviamente, algo deu imensamente errado com todos eles. O melhor talvez seja seguir a excelente sugestão do escritor português João Pereira Coutinho em artigo recente na Folha de S.Paulo: obrigar ocupantes de cargos políticos a fazer exames psicológicos e neurológicos antes de assumir — mais ou menos como o psicoteste para motoristas de ônibus, por exemplo. A ciência, ao que parece, está a ponto de provar que o poder provoca algum tipo de lesão no cérebro. Quem, dos nomes acima e centenas de outros iguais, passaria no exame?

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2017, edição nº 2537

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