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Pouco ou nada a fazer

Uma ação militar americana dificilmente impedirá novo ataque químico ou alterará o equilíbrio da guerra na Síria

Por Duda Teixeira e Thais Navarro
Atualizado em 30 jul 2020, 20h23 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00

A palavra “empatia” tem história recente. Surgiu há pouco mais de um século, mas foi somente depois de 1940 que passou a ter conotação parecida com “simpatia” ou “compaixão”. O conceito, segundo Steven Pinker, no livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza, assim se resume: “A benevolência para com os outros depende de fazermos de conta que somos eles, sentindo o que sentem, pondo-nos no lugar deles, assumindo seu ponto de vista ou enxergando o mundo com os seus olhos”. Pela segunda vez, com um intervalo de apenas um ano, imagens de crianças sírias desfalecidas espumando pela boca assustaram o mundo — e, naturalmente, levaram a compaixão, simpatia e empatia com o drama escancarado. No sábado 7, mais de setenta pessoas morreram e outras 500 apre­sentaram sintomas de intoxicação após um ataque químico na cidade de Douma, próximo a Damasco. A indignação se dirigiu contra o ditador sírio Bashar Assad, cujas forças cercavam o local. O presidente americano Donald Trump, que está reinventando o conceito de diplomacia em tempo real, tuitou ameaçando retaliar. Mas nem mesmo o homem mais poderoso do mundo pôde evitar uma repetição da tragédia. “Nós só podemos olhar as cenas e lamentar, porque não há muito que se possa fazer para influenciar a situação”, diz o cientista político Peter Feaver, que foi assessor de segurança estratégica da Casa Branca entre 2005 e 2007. No ano passado, fotos de menores agonizando na cidade de Khan Sheikoun levaram Trump a disparar 59 mísseis Tomahawk contra as pistas de onde os aviões sírios partiram para realizar o ataque químico. Mas a estrutura foi reconstruída, e Assad continuou recorrendo a esse tipo de arsenal.

O ataque da semana passada produziu imagens de crianças recebendo jatos de água pelo corpo ou sendo socorridas com inaladores. Na segunda-­feira 9, Trump prometeu uma resposta em 24 ou 48 horas. Dois dias depois, abandonou uma reunião militar e tuitou: “A Rússia promete derrubar qualquer míssil lançado em direção à Síria. Prepare-se, Rússia, porque eles vão chegar, bons, novos e inteligentes!”. Foi criticado por estar telegrafando o ataque ao inimigo. Na quinta-­feira, ele tentou despistar o adversário: “Eu nunca disse quando um ataque aconteceria. Pode ser em breve ou não tão cedo assim!”. Com sua espontaneidade, Trump colocou-se em uma situação difícil. Depois de tantas ameaças, pegaria muito mal esquecer o assunto. Ele se vê obrigado a autorizar uma operação maior que a da última vez, mas que não seja tão grande a ponto de forçar a Rússia e o Irã a intensificar sua presença militar na Síria. “Um ataque contido pode causar muitos danos para os sírios, mas não vai mudar a configuração da guerra”, diz o cientista político Robert Rabil, especialista em Síria da Universidade Atlântica da Flórida. Tampouco ajudará Trump a ganhar pontos em casa. Apesar da empatia suscitada pelas imagens de sofrimento, há um ano apenas metade dos americanos apoiava um bombardeio aéreo. É um índice historicamente baixo. Na invasão do Iraque, em 2003, 76% concordavam com uma intervenção militar.

A fase em que a guerra está entrando também reduz a capacidade de os Estados Unidos alterarem algo. Em 2014, sob a batuta do presidente Ba­rack Obama, os americanos formaram uma coalizão de dezenas de países para atuar contra o Estado Islâmico na Síria. Na campanha presidencial, em 2016, Trump martelou o mesmo objetivo, o de acabar com os jihadistas que queriam fundar um califado internacional. Essa missão já foi praticamente cumprida. Os últimos remanescentes do Estado Islâmico se concentram em manchas quase imperceptíveis no mapa da Síria (veja o quadro abaixo). Na quinta, Trump queixou-se no Twitter de que ninguém o havia parabenizado pelo feito. “Os Estados Unidos, sob minha administração, têm realizado um grande trabalho limpando a região do Estado Islâmico. Cadê o nosso ‘Obrigado, Estados Unidos’?”

Ao mesmo tempo que os jihadistas perderam terreno, outra realidade foi se formando: a crescente intromissão da Rússia, do Irã e da Turquia na guerra. “Os russos já têm bases na Síria há quarenta anos. O Irã mantém relações com os Assad há trinta. Os turcos interferiram diretamente, ocupando partes da fronteira”, diz Aaron Miller, diretor do programa de Oriente Médio no Wilson Center. Em 4 de abril, o presidente russo Vladimir Putin, o turco Recep Erdogan e o iraniano Hassan Rouhani encontraram-se em Ancara para falar da guerra. Prometeram dedicar-se à integridade territorial da Síria, atacar terroristas e ajudar o país a se reerguer. Foi o segundo encontro entre os três líderes. Nos dois eventos, os Estados Unidos, cujos aliados controlam 20% da Síria, não foram convidados. Enquanto Trump se contradizia sobre a iminência de um ataque na semana passada, sírios, russos e iranianos escondiam equipamentos militares para protegê-­los de bombardeios, sobrevoavam navios americanos e franceses no Mediterrâneo e posicionavam lançadores para abater caças e mísseis. Perto da fronteira com o Iraque, soldados iranianos e do grupo terrorista libanês Hezbollah abandonaram suas posições. É um cenário adverso demais para um presidente que nem sequer estava disposto a envolver-se mais na briga. Um dia antes do encontro em Ancara, Trump havia dito, depois de uma reunião com seus assessores militares, que era necessário trazer de volta imediatamente os 2 000 soldados americanos que estão na Síria. Ao ser advertido de que isso não seria possível, aceitou o fato de que a retirada poderia durar alguns meses. “Às vezes é hora de voltar para casa. Eu quero sair”, disse o presidente.

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A encrenca bateu à porta

Operações de busca e apreensão em escritórios de advocacia são extremamente delicadas, polêmicas e, por isso mesmo, raras. Nos Estados Unidos e em outros países, a comunicação entre os advogados e seus clientes deve ser confidencial, para preservar os direitos do réu e garantir a ele a melhor defesa. Na segunda-feira 9, quando agentes do FBI — a polícia federal americana — entraram na casa, no escritório e no quarto de hotel de Michael Cohen, advogado e faz-tudo do presidente americano Donald Trump, todos souberam de imediato que não foi por um motivo qualquer. Segundo o FBI, os policiais estavam buscando comprovantes de pagamento a duas mulheres, Stephanie Clifford (atriz pornô que atende por Stormy Daniels) e a modelo Karen McDougal. Elas teriam recebido dinheiro durante a campanha presidencial de 2016 para não falar sobre suas relações sexuais com o presidente. Mas isso é somente um capítulo da história.

Como parte do esforço para que um juiz federal, lotado em Nova York, autorizasse a coleta de documentos no escritório de Cohen, o procurador Robert Mueller contribuiu com algumas evidências de malfeitos. Quais seriam, ninguém sabe. Mueller foi nomeado para comandar as investigações sobre a ação dos russos nas eleições americanas, mas ele é obrigado por lei a seguir as pistas caso depare com outras falcatruas pelo caminho. “Mueller tem acesso a muito mais informação do que aquilo que de fato vem a público. Ele tem declarações de imposto de renda, dados bancários, o conteúdo de conversas grampeadas e o relato de testemunhas”, diz o americano Andrew Wright, professor de direito constitucional na Escola de Direito Savannah, em Atlanta.

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O faz-tudo – Cohen, no elevador da Trump Tower: sob investigação (Drew Angerer/Getty Images)

Uma das hipóteses para explicar o aval para a operação é que Cohen e Trump, seu cliente, estariam praticando cri­mes em conjunto. Nesse caso, a prote­ção normalmente dada à comunicação entre réu e advogado cai por terra. Cohen conheceu Trump mais de vinte anos atrás, quando comprou espaços em imóveis de luxo em Nova York. Pode-se dizer que sua principal função é limpar as sujeiras do chefe, o que inclui esconder histórias comprometedoras da opinião pública. “Eu sempre vou proteger o presidente”, postou ele em sua conta no Twitter um dia antes da ação policial. Leal e confiável, Cohen também gostava de explorar oportunidades de negócios. Segundo o jornal The New York Times, ao saber que o presidente russo Vladimir Putin elogiara o pré-candidato Trump em dezembro de 2015, Cohen enviou um e-mail a um amigo com quem andava falando sobre erguer um edifício da grife Trump Tower em Moscou. “Agora é a hora. Me ligue”, escreveu. Mueller também apura um pagamento de 150 000 dólares feito por um magnata ucraniano para que Trump falasse a distância por vinte minutos para uma conferência em Kiev. Como se trata de dinheiro estrangeiro para Trump, Mueller ergueu a lupa. A verba teria sido solicitada por Cohen.

A obstinação de Mueller irritou o presidente, que voltou a pensar em demiti-lo. Mas Mueller foi nomeado pelo procurador-geral Rod Rosenstein, que, por sua vez, foi indicado por Trump. O mandatário não poderia se livrar de Mueller, apenas pedir que Rosenstein o fizesse. Esse último já avisou, porém, que, se o presidente for adiante com a ameaça, pedirá demissão. Caso insista em sacar Mueller, Trump poderá ser acusado de obstrução de Justiça. Foi precisamente esse o expediente que levou Richard Nixon à renúncia, em 1974.

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Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578

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