Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Pop para ouvir na faxina

E também para fazer pensar: Guilherme Arantes, um dos maiores hitmakers do país, retoma seu lado radiofônico — sem concessões ao trivial — em Flores e Cores

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 ago 2017, 06h00 - Publicado em 12 ago 2017, 06h00

Guilherme Arantes mal tinha lançado o disco Condição Humana (2013) quando foi confrontado por sua filha mais nova, Paola. Assustada com a letra — cantada em voz soturna — da canção-título, que fala de “terra enlouquecida” e “guardiões do Mal”, ela aconselhou o compositor, pianista e cantor paulistano a pensar na dona de casa. “Paola achava que nenhuma mulher iria varrer a casa escutando aquilo”, conta Arantes. Pois Flores & Cores, que chega às lojas de disco e plataformas digitais na sexta-feira 18, tem mais do Arantes hitmaker dos anos 70 e 80 do que os flertes com a MPB alternativa do disco anterior. Suas doze canções trafegam entre a balada, a música latina e o rock progressivo, sem perder o elemento pop que consagrou o autor.

Flores & Cores pode acompanhar a faxina, mas também atende a outros anseios. O compositor percebe, com certa razão, uma carência de opções musicais para uma determinada faixa etária: “Há um público desabastecido no Brasil, formado por pessoas que deixaram a balada”. Em apresentações pelo país, Guilherme Arantes começou a notar que, depois do show, o DJ local costumava tocar ABBA ou a trilha de Os Embalos de Sábado à Noite. “Fui atrás do pop. Queria descobrir por que o ABBA é tão bom”, diz. O cantor trabalhou duro. Chegava ao estúdio às 8 da manhã, horário ingrato para um notívago, e lá ficava até o fim da tarde. A busca do pop de décadas passadas traz consigo, assumidamente, o desejo de voltar à parada de sucessos — seja lá o que isso signifique nos tempos do streaming. “A vaidade pede um hit”, admite Arantes.

O sucesso faz parte do dia a dia de Guilherme Arantes desde 1976, quando ele surgiu na trilha da novela Anjo Mau com a canção Meu Mundo e Nada Mais. Naqueles tempos, o compositor foi vendido como uma versão verde e amarela do também pianista e cantor Elton John. A consagração como criador de hits veio somente quando ganhou a aprovação de uma das maiores (se não a maior) intérpretes do país. “Foi Elis Regina quem me chamou de hitmaker”, diz ele. A cantora gravou Aprendendo a Jogar e Só Deus É Quem Sabe no início da década de 80. Depois, outras intérpretes também foram buscar as composições de Arantes — como Maria Bethânia, Gal Costa e Vanessa da Mata.

Guilherme Arantes é um atento observador do universo popular. Orgulha-se tanto de ter sido um dos primeiros a perceber o talento de Daniela Mercury, nos anos 90 (“Eu era jurado de um concurso musical e fiquei doido ao vê-la cantar”), quanto de ter antecipado a recente explosão feminina no mercado sertanejo (“Falei para Zezé Di Camargo que as meninas chegariam com tudo”). No entanto, ele olha para o pop que se tenta fazer hoje com certa reticência. “Existe uma geração que deseja se distanciar do mainstream, como se fosse vergonhoso fazer sucesso e virar um Guilherme Arantes”, reclama. Dois talentos da última safra ainda encantam o Elton John brasileiro: Tiago Iorc e a dupla Anavitória, praticantes de um pop pé no chão, de estética folk. “Tiago não tem medo de ser um ídolo. E eu acho Anavitória de uma qualidade! Elas têm a pureza que os jovens estão querendo.”

Continua após a publicidade

O apelo popular da música de Guilherme Arantes nunca se confundiu com a trivialidade, que ele identifica como um traço desalentador dos sucessos contemporâneos. O cantor recorre a uma analogia agrícola para falar da mesmice da música que atrai multidões de brasileiros hoje: “A monocultura do arroz, da soja ou da laranja foi para outros territórios”, define. O alvo primordial dessa crítica é o chamado “sertanejo universitário”, música que se consome como se fosse cerveja: “A indústria privilegia a balada, a festa. Mas será que todas as pessoas querem isso? Eu acho que tem muita gente que sente falta de um lado existencial”.

Pois o lado pop e o lado existencial — para usar o termo do compositor – estão ambos em Flores & Cores, seu melhor disco em anos. O primeiro está presente em canções como A Árvore da Inocência (os versos “só o amor / duas almas que se querem bem” são típicos do Guilherme Arantes dos anos 80), A Simplicidade é Feliz, que faz lembrar as melhores baladas dos Beatles, ou Semente da Maré, música feita sob encomenda para a cantora Wanderléa que o autor preferiu guardar para si. Todas elas têm momentos que se poderiam qualificar de “existenciais”, mas essa qualidade desponta mesmo em Santiago, sobre a famosa peregrinação à cidade espanhola: “Pedras que levei / Das noites geladas (…) Nasci peregrino dessa longa estrada”. Flores & Cores é um doce alento nos tempos sombrios de que Guilherme Arantes falava no disco anterior.

Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2017, edição nº 2543

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.