Na conhecida peça teatral de Bernard Shaw, o professor Higgins acredita que pode transformar Eliza. De uma humilde vendedora de flores, ela viraria uma lady britânica. Empreende sua reeducação para que perca as marcas de origem, o que inclui converter seu sotaque cockney no inglês da aristocracia. A expectativa de Higgins acaba moldando uma nova Eliza.
Lá pelos anos 1960, o pesquisador americano Robert Rosenthal constrói, em uma escola, um experimento interessante. Os professores são informados dos resultados dos testes de inteligência de seus alunos e recebem uma lista com os 20% que se destacaram por ter QI mais alto. No fim do semestre, confrontando-se as notas obtidas no curso, verificou-se que havia uma forte correlação entre as melhores marcas e os alunos com QI mais elevado indicados na lista. Não era isso mesmo que se esperava?
Havia uma pegadinha, porém. Os nomes dos alunos e os valores do QI haviam sido embaralhados. Ou seja, as notas altas estavam associadas a alunos falsamente apontados como de elevado QI!
Só havia uma explicação possível: as expectativas dos professores, conhecedores dos (falsos) QIs, haviam influenciado a maneira de tratar os alunos, gerando os resultados obtidos. Aqueles que eles imaginavam ser mais inteligentes eram tratados como tal. Aos mais “burrinhos”, pouca atenção davam. Em outras palavras, as notas eram mais influenciadas pela percepção e pelo tratamento dos professores do que pela real inteligência dos alunos. Apropriadamente, o artigo consagrou o termo “efeito Pigmaleão”. Rosenthal foi precursor dos estudos que demonstram a força das atitudes, valores e expectativas (hoje chamadas de socioemocionais) no desempenho dos estudantes.
De fato, os professores tendem a tratar os alunos de acordo com a percepção do potencial que eles têm. Quanto mais eles esperam do aluno, mais forte tende a ser o rendimento escolar resultante. E vice-versa. Para combater tal profecia autorreferenciada, foram criados cursos que buscam alertar os professores e vaciná-los contra um tratamento diferenciado, resultante de suas percepções.
Batendo na mesma tecla, algumas escolas bem-sucedidas têm como mandamento rígido esperar muito de todos os alunos. As ambições devem ser altas para cada um deles, sem exceção. Cada aluno precisa acreditar que pode chegar lá. Não se aceitam resultados fracos ou mornos. As escolas do Extremo Oriente têm uma estratégia muito drástica para lidar com esse tema. Postulam que o resultado individual depende de esforço e dedicação, descartando-se a crença em um potencial intrínseco como razão para melhores resultados. É o afinco que conta. O Pisa desses países confirma sua vitória sobre o efeito Pigmaleão.
Entre as muitas falhas na formação de nossos professores, a ausência de uma percepção clara acerca dessa profecia das expectativas é mais uma delas. Assim, milhões de alunos são condenados quando os mestres acreditam que têm fraco potencial. Não há como negar a abundância de desvantagens exibidas pelos alunos de classe social mais modesta já ao chegar à escola. Mas submetê-los adicionalmente ao efeito Pigmaleão é uma penalização evitável.
Publicado em VEJA de 11 de julho de 2018, edição nº 2590