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Perdeu por nocaute

Por 3 votos a 0, o Tribunal Regional Federal confirma a condenação do ex-presidente Lula e ainda aumenta sua pena para doze anos de prisão

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jan 2018, 16h20 - Publicado em 25 jan 2018, 06h00

O que alguns chamaram de “julgamento do século” ocorreu numa sala com decoração espartana povoada por juízes e advogados que, em suas falas com fortes sotaques regionais, faziam parecer que o Brasil inteiro estava ali — o veredicto, que saiu precisamente às 17h45 da quarta-feira 24 de janeiro, não poderia ter sido pior para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por unanimidade, os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmaram a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao ganhar da empreiteira OAS a reforma no tríplex do Guarujá, no litoral de São Paulo, em troca do tratamento preferencial dado à empresa em seus negócios junto à Petrobras. Lula perdeu por nocaute. O juiz Sergio Moro havia condenado o ex-presidente a uma pena de nove anos e seis meses de prisão. Os desembargadores acharam a punição muito branda e decidiram aumentá-la para doze anos e um mês. Com esse resultado, Lula corre o risco de ser preso e perder o direito de disputar a Presidência da República. A pena, quando for executada, deverá ser cumprida em regime fechado no Complexo Médico-Penal de Pinhais, presídio paranaense onde já estão detidos os principais criminosos da Lava-Jato, como o ex-deputado Eduardo Cunha, o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-ministro Antonio Palocci. O político mais poderoso e carismático das últimas décadas sucumbiu à lei, agora de modo acachapante.

O julgamento que também pode ter decretado o fim da carreira política de Lula começou com o procurador Maurício Gerum reafirmando a acusação: “Lamentavelmente, Lula se corrompeu”, disse. Ele explicou, então, que não estava em análise, ali, a vida pregressa do ex-presidente, mas sim sua participação em um esquema de corrupção que pôs em risco a própria democracia à custa dos cofres da Petrobras. E resumiu a linha mestra do escândalo desvendado pela Lava-Jato: “O que parecia ser a construção de uma governabilidade a partir de indicações políticas nada mais era do que a criação de um mecanismo de dilapidação dos cofres da estatal, inicialmente para garantir fundos aos partidos da base aliada. Depois, para cada um se enriquecer pessoalmente”.

“Lamentavelmente, Lula se corrompeu (…). É essa a conclusão a que se chega com uma análise técnica e isenta da prova, e não com uma visão que se faz míope pela veneração à figura política que foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.” Maurício Gerum, procurador ()

O relator João Pedro Gebran Neto foi o primeiro a votar. Começou a ler seu voto às 10h30 e levou três horas e meia para concluir, mas desde o início o destino de Lula parecia traçado. De pronto, Gebran derrubou todas as chamadas preliminares. Derrubou a alegação de que Sergio Moro não era o juiz natural do caso. Derrubou a alegação da defesa de que Moro era um juiz suspeito. Derrubou, ponto por ponto, o argumento de que a defesa de Lula havia sido cerceada — e assim, aos poucos, tudo começou a desmoronar para Lula. Conhecido como o juiz mais rigoroso do TRF, Gebran encerrou seu voto aumentando a penalidade imposta ao petista para doze anos e um mês. De acordo com decisão do TRF, ela deve começar a ser cumprida tão logo os prováveis recursos de Lula ao tribunal sejam julgados. “Infelizmente — repita-se, infelizmente —, está sendo condenado um ex-presidente da República, mas que praticou crime e compactuou direta ou indiretamente com a concretização de tantos outros”, resumiu o relator, já na conclusão do seu voto.

“Eu considero no caso a culpabilidade extremamente elevada. Trata-se de ex-presidente que recebeu valores em decorrência de função que exercia e de esquema de corrupção, com o qual se tornara tolerante e beneficiário.” João Pedro Gebran Neto, relator ()

Durante as três horas e meia, Gebran minou as alegações centrais dos advogados de defesa de Lula, refutando a tese de que ele não teria influência na Petrobras para garantir contrapartidas a empreiteiras corruptoras, e foi incisivo sobre a culpa pessoal do ex-presidente. O relator disse que havia analisado provas, evidências indiretas, indícios e depoimentos de delatores e de corréus para concluir que o ex-presidente Lula é, “acima de qualquer dúvida razoável”, culpado por ter embolsado dinheiro de uma conta-propina da construtora OAS e culpado por ter camuflado o recebimento dos recursos no notório apartamento tríplex no Guarujá. O desembargador ressaltou que as peças da investigação do escândalo da Petrobras levam à “conclusão irrefutável” de que o ex-presidente atuou como “garantidor” do bilionário esquema de corrupção montado na estatal e, graças a essa posição, se beneficiou pessoalmente do dinheiro sujo.

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“Luiz Inácio tinha o domínio da realização e da interrupção desses crimes de corrupção que envolveram a Petrobras. (…) Espera-se de quem assume tal cargo (a Presidência) uma conduta correta. Uma postura de servir ao país, e não de servir-se deste.” Leandro Paulsen, revisor (Sylvio Sirangelo/TRF4/Divulgação)

O relator citou os pormenores do depoimento de Léo Pinheiro, dirigente da OAS, e de um subordinado dele, e criticou especialmente a atuação do petista de “amplo apoio” às engrenagens criminosas instaladas na Petrobras com a indicação de apadrinhados políticos escolhidos para arrecadar dinheiro para partidos. “O ex-presidente foi um dos articuladores, se não o principal, no esquema de corrupção. No mínimo tinha ciência e dava suporte ao esquema da estatal”, disse Gebran. Para ele, Lula teve “intensa atuação dolosa no esquema de arrecadação de propina”. Sua crítica mais dura antes de anunciar a condenação e o aumento da pena foi a seguinte: “Eu considero no caso a culpabilidade extremamente elevada. Trata-se de ex-presidente da República que recebeu valores em decorrência de função que exercia e de esquema de corrupção que se instalou durante o exercício do mandato, com o qual se tornara tolerante e beneficiário. É de lembrar que a eleição de um mandatário, em particular de um presidente da República, traz consigo a esperança de uma população em um melhor projeto de vida”.

“Evidentemente que de Sua Excelência (Lula) era esperada uma postura diferente. Ciente dos fatos que aconteciam em seu entorno, deveria ter tomado uma providência. Assim não o fez. (…) São fatos lamentáveis, fatos que deslustram a biografia de Sua Excelência.” Victor Laus, desembargador (Sylvio Sirangelo/TRF4/Divulgação)

Leandro Paulsen, o segundo a votar, também foi cirúrgico em sua decisão. Revisor dos recursos, ele endureceu o discurso contra o ex-presidente Lula e considerou que o petista agiu por ação e omissão no esquema corrupto que se instalou na Petrobras, usando o seu poder para indicar e manter diretores que desviavam dinheiro para o PT e outros partidos aliados. E mais: o petista foi beneficiário direto da propina paga religiosamente pela OAS. “Luiz Inácio acabou por ser beneficiário pessoal e direto da propina que estava à disposição do Partido dos Trabalhadores.” Antes de anunciar seu veredicto, o desembargador advertiu: “Aqui, ninguém pode ser condenado por ter costas largas e ser absolvido por ter costas quentes”. Paulsen seguiu o voto do relator em todos os aspectos, inclusive sobre o aumento da pena. Dois a zero. Lula já estava condenado.

O voto do desembargador Victor Laus selou o destino do ex-presidente. Último a votar, era nele que os petistas apostavam suas fichas para abrandar a sentença, adiar o julgamento ou, quem sabe, votar pela sua absolvição, deixando o jogo no placar de 2 a 1. Mas não passou de um sopro de esperança. Logo ao abrir seu voto — o mais breve entre os três —, Laus mostrou que concordava com seus colegas e sepultou qualquer expectativa de Lula ganhar sobrevida na segunda instância. Didático, o desembargador tentou fugir do “juridiquês” e decidiu mergulhar em uma linguagem “popular”, conforme ele mesmo anunciou, considerando que o julgamento estava sendo transmitido para todo o país. Em bom português, disse haver provas testemunhais e documentais contra o ex-presidente Lula — provas, reforçou, absolutamente verossímeis.

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Com isso, Laus derrubou, tal como o fizeram os que lhe antecederam no voto, a tese central da defesa, segundo a qual Lula estava sendo condenado sem provas. Existiam indícios de que Lula era o dono oculto do tríplex no Guarujá, estava claro que a OAS era beneficiada no escândalo da Petrobras, mas não haveria um elo entre uma coisa e outra. Ou seja: não haveria um “ato de ofício” mostrando que Lula beneficiou a empresa na Petrobras e, em troca, ganhou as benesses no tríplex do Guarujá. Os desembargadores, todos eles, entenderam que existiam provas indiciárias suficientemente abundantes para uma condenação unânime.

Em dura crítica ao petista, antes de proferir o voto contrário ao recurso, Laus disse que Lula “perdeu o rumo” e se confundiu com a época em que era um dirigente partidário. “Evidentemente que de Sua Excelência era esperada uma postura absolutamente diferente. Ou seja, ciente dos fatos que aconteciam em seu entorno, deveria ter tomado uma providência. Assim não o fez, assim ficou em silêncio. E, para além disso, como demonstrou a situação da unidade habitacional, auferiu proveito dessa situação. São fatos lamentáveis, fatos que deslustram a biografia de Sua Excelência, mas que são fatos concretos, são fatos que ocorreram”, disse, anunciando, na sequência, o voto unânime no julgamento: 3 a 0. Lula foi condenado por unanimidade. Por terem colaborado no processo, Léo Pinheiro e Agenor Medeiros, ex-diretor da OAS, tiveram suas penas diminuídas — três anos e seis meses para o primeiro e um ano e dez meses para o segundo. Pinheiro cumprirá a pena em regime semiaberto. Medeiros, no regime aberto. Os desembargadores mantiveram a absolvição de Paulo Okamotto, braço-direito de Lula, e de três funcionários da empreiteira. Agora, o mundo político e o mundo jurídico passam a orbitar em torno de duas questões — Lula será preso? Lula será candidato? — que são o tema da reportagem das páginas seguintes.

Com reportagem de Thiago Bronzatto e Marcela Mattos

Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2018, edição nº 2567

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