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Odisseias no espaço

Excursões ao cosmo e aplicativos que prometem superpoderes aos turistas vão mudar o modo como se fazem viagens — de lazer e de negócios

Por Ana Claudia Fonseca
Atualizado em 30 jul 2020, 20h10 - Publicado em 7 set 2018, 07h00

Em 1967, dois anos antes de a Apollo 11 pousar na Lua, o magnata americano Barron Hilton disse em uma entrevista ao diário The Wall Street Journal que tinha planos de inaugurar um hotel no satélite terrestre. No estabelecimento, construído sobre a cinzenta e esburacada superfície lunar, os hóspedes se reuniriam ao redor de um piano-bar, bebericando martínis enquanto observariam a Terra através de um domo de vidro. Essa visão um tanto, digamos, “lunática”, e até kitsch, provocou uma enxurrada de cartas à sede dos hotéis Hilton, situada no Texas, com pedidos de convite para a inauguração — que, é claro, nunca aconteceu. Cinco décadas depois, o anúncio de que outro milionário, o britânico Richard Branson, levaria turistas ao espaço causou alvoroço semelhante nos escritórios de sua empresa, a Virgin Galactic, baseada na Califórnia. Apesar do preço salgado da passagem — 250 000 dólares por uma viagem de duas horas e meia de duração, com direito a seis minutos de gravidade zero e vistas espetaculares —, mais de 700 pessoas, de meia centena de países, puseram o nome na lista de espera, entre elas o filantropo dinamarquês Per Wimmer. “Hoje é muito difícil ser um aventureiro na Terra. A maior parte do mundo já foi descoberta”, justificou-se ele ao reservar três passagens.

A diferença entre a visão de Hilton e a promessa de Branson é que esta pode acontecer já nos próximos anos. Embora a tecnologia para levar humanos ao espaço exista há décadas, o que permitiu a 556 astronautas sair do planeta, essa era uma prerrogativa de agências governamentais como a Nasa até bem pouco tempo atrás — com custos nas alturas. Isso, no entanto, está mudando. O potencial para o turismo espacial ficou claro em 2001, quando o empresário americano Dennis Tito desembolsou 20 milhões de dólares por uma carona na nave russa Soyuz até a Estação Espacial Internacional. Desde então, várias empresas privadas dedicam-se a encontrar um modo de — vá lá — “democratizar” o acesso ao universo. Pelo menos três delas têm chances reais de realizar a proeza: além da Virgin Galactic de Branson, a Blue Origin, do americano Jeffrey Bezos, e a SpaceX, do sul-africano Elon Musk. As duas primeiras prometem levar civis a uma altura de 100 quilômetros, na fronteira oficial do cosmo. Seria o suficiente para dar uma espiada no planeta azul e sentir os efeitos da ausência de gravidade. Já a SpaceX anuncia um passeio orbital. Musk, fundador também da Tesla Motors, garante que levará dois turistas até a Lua ainda neste ano (nenhum humano vai tão longe desde 1972). E não esconde a ambição de, um dia, colonizar Marte.

Enquanto isso não acontece, o sul-africano quer utilizar sua frota de foguetes aqui mesmo, na Terra, aproveitando a tecnologia empregada em mísseis balísticos. Os passageiros embarcariam em uma nave adaptada para viagens transcontinentais, que seria disparada ao espaço suborbital, reentrando na atmosfera terrestre pouco depois. Ir de Nova York a Paris levaria trinta minutos (hoje demora oito horas). Musk garante que nenhuma rota seria feita em mais de uma hora. Há dúvidas, porém, quanto ao impacto que esse tipo de viagem terá para a saúde dos passageiros. Sair da Terra é uma experiência estressante devido à força da gravidade e à rapidez dos foguetes. Para chegar à órbita é preciso alcançar uma velocidade 25 vezes maior que a do som (30 000 quilômetros por hora). A fase de lançamento, que dura cerca de quinze segundos, exerce 3,5 de força G, ou seja, mais de três vezes e meia o peso da gravidade sentida na superfície terrestre. Outra questão é a segurança. Estudos da Nasa revelam que há uma possibilidade em 270 de uma viagem cósmica terminar em tragédia — o risco é equivalente ao de escalar o Monte Everest. Mesmo que a tecnologia seja aprimorada, entrar numa espaçonave nunca será tão seguro quanto andar de avião, já que a probabilidade de queda, nesse caso, é de uma para cada 500 000 voos.

Os enormes valores envolvidos numa empreitada dessa natureza também precisam ser levados em conta. A construção de uma aeronave tem praticamente o mesmo custo que a do Falcon 9 da SpaceX (90 milhões de dólares), contudo, enquanto aviões fazem milhares de voos em sua vida útil, foguetes costumam ser descartados após a primeira decolagem. Se Musk conseguir reutilizar os seus — e os testes que ele e Bezos vêm fazendo apontam para essa direção —, o valor da passagem pode baixar drasticamente. Viagens intercontinentais com foguetes sairiam pelo preço de uma passagem na primeira classe de um avião normal. Ainda não se sabe se há número suficiente de pessoas dispostas a desembolsar tal quantia a ponto de tornar esse tipo de transporte rentável. O Concorde, que fazia voos supersônicos entre várias capitais em um terço do tempo gasto pelos jatos comerciais, foi obrigado a se aposentar, em 2003, por falta de ocupantes, desanimados com o preço de 12 000 dólares por passagem.

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Eu, robô - Hotel japonês já dispensa seres humanos na recepção (//Divulgação)

Usando ou não foguetes, o turista do futuro certamente desembarcará em um mundo diferente. A começar pelo número de pessoas em trânsito. Segundo previsões do Fórum Econômico Mundial, a Terra terá 8,5 bilhões de habitantes em 2030, que farão cerca de 2 bilhões de viagens internacionais por ano. Um sinal do que está por vir é que cidades europeias já começam a fechar seus monumentos às hordas de turistas. A boa notícia é que a tecnologia pode ajudar a evitar o que, de outro modo, seria o caos. Graças ao avanço no armazenamento de dados, as filas nos aeroportos terão um atendimento mais eficiente. Os tradicionais documentos de papel serão inutilizados. O reconhecimento do passageiro se fará por meio de uma combinação de seus dados biométricos — face, voz, pulsação, íris e impressões digitais —, e o escaneamento será automático, realizado enquanto se atravessa o portão de embarque ou desembarque. Os balcões de check-in das companhias aéreas também devem desaparecer em virtude do sistema que vai retirar a bagagem na casa ou no hotel do viajante, entregando-a novamente no seu endereço de destino. Etiquetas eletrônicas embutidas impedirão que as malas se percam pelo caminho. Aplicativos de tradução instantânea tornarão a comunicação mais fácil em qualquer lugar do planeta, enquanto outros conseguirão prever voos cancelados ou atrasados e reservar, automaticamente, assento no próximo avião disponível. A inteligência artificial estará por trás de incontáveis inovações. Operações que costumavam exigir a intervenção humana serão automatizadas, agilizando processos e diminuindo custos. Um exemplo do que virá por aí já pode ser conferido no hotel Henn-na de Nagasaki, no Japão, 90% automatizado — inclusive na recepção, onde três robôs (um deles, haja humor, com forma de dinossauro) recebem os hóspedes. Isso, entretanto, é apenas o começo. No hotel do futuro, apostam especialistas, não haverá nem mesmo recepção. Os hóspedes vão ser identificados por seus dados biométricos, e o quarto será automaticamente adaptado segundo as recomendações na reserva com relação a iluminação e decoração. A automação também estará presente nos carros e, potencialmente, em aviões e trens que cobrem curtas distâncias.

Faz de conta – Viajar sem sair do lugar será possível com a realidade virtual multissensorial (Rez Infinite Synesthesia Suit/Divulgação)

Bots e assistentes virtuais devem revolucionar ainda mais a interface entre consumidores e serviços. Por meio da análise das buscas que uma pessoa faz on-line, das fotos de comida que posta nas redes sociais e das suas atividades físicas, o assistente virtual terá material suficiente para fazer sugestões com itinerários para sua próxima viagem. Ele será acionado por meio de comando de voz, e aparecerá como um holograma que pode ter a aparência e a personalidade da atriz ou ator favorito do cliente. Numa mistura de guia turístico, concierge e “quebra-galho”, os assistentes virtuais poderão dizer qual é a melhor época para visitar determinado monumento, fazer reservas ou chamar um táxi. “Será possível levá-los com você, dentro de um relógio, nos óculos ou no smartphone, e convocá-los sempre que for necessário. Ou alugá-los como parte do pacote de viagem. Ninguém mais precisará viajar sozinho”, diz o futurista americano Daniel Burrus, autor de sete livros sobre tendências globais e inovação.

A realidade virtual será outra tecnologia com enorme repercussão no turismo. Avanços na área apontam para uma interação multissensorial, com os cinco sentidos. Isso significa uma imersão total do usuário em um mundo virtual quase indistinguível do real. Vai ser possível sentir sob os pés a areia quente de uma praia do Taiti ou provar um prato em um restaurante estrelado de Paris — sem sair de casa. Será o fim das viagens “reais”? Dificilmente. Segundo um estudo da London School of Economics, é provável que a tecnologia seja utilizada por quem queira visitar lugares fechados à multidão de turistas do futuro, como Galápagos ou Machu Picchu, ou por amigos que vivem em continentes diferentes e desejem passar as férias “juntos”, mas não tenham dinheiro para bancar a passagem. Para Burrus, as pessoas não vão perder o gosto de viajar, muito pelo contrário. A tecnologia ajudará a instigar ainda mais a vontade de conhecer outros lugares — como a Lua, por que não?

Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599

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