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O último desejo aos 104 anos

Morre, aos 104 anos, o botânico e ecologista londrino radicado na Austrália David Goodall

Por Da Redação Atualizado em 11 Maio 2018, 06h00 - Publicado em 11 Maio 2018, 06h00

“Na minha idade, levanto-me pe­la manhã, tomo café e espero a hora do almoço. Em seguida, fico sentado. Qual é a utilidade disso?” O botânico e ecologista londrino radicado na Austrália David Goodall dizia acordar diariamente com essa indagação na cabeça. Na quinta-feira 10, aos 104 anos, ingeriu uma dose letal de pentobarbital sódico, um poderoso anestésico, e morreu. Decidira-se pela morte assistida, da qual se tornara fervoroso defensor havia dez anos. Como o recurso não é autorizado em território australiano, escolheu morrer numa clínica de Basileia, na Suíça. Goodall não tinha nenhuma doença terminal. Apenas envelhecia, e bem. Na véspera de sua última viagem, fez troça: “Não gostaria de ir para a Suíça, embora seja um país lindo”.

“Não, eu não estou feliz, eu quero morrer. Isso não é particularmente triste. O triste é ser impedido de fazê-lo”

Uma associação de apoio à eutanásia, a Exit International, considerou injusto que um dos cidadãos mais idosos e proeminentes da Austrália fosse “forçado a viajar para o outro lado do mundo para morrer com dignidade”. Uma campanha de arrecadação juntou  15 000 dólares para a compra de bilhetes de primeira classe, de modo que Goodall e seu assistente fizessem o voo de mais de vinte horas em condições confortáveis. Em Basileia, ele se encontrou com os filhos e netos. Foram todos passear no Jardim Botânico na véspera de seu último ato, durante o qual o cientista pediu que se tocasse a Ode à Alegria, da Nona Sinfonia de Beethoven. Um dos netos, Duncan, de 36 anos, resumiu o comportamento do avô: “Ele fez tudo de modo tão racional que não houve espaço para emoção”.

Goodall já vinha ensaiando o desfecho desde 2016. Naquele ano, a direção da Universidade de Edith Cowan, em Joondalup, onde ele lecionava e pesquisava, decidiu afastá-lo das atividades. Ele foi considerado inapto. Tinha então 102 anos e ficou muito irritado. Se não poderia trabalhar, por que deveria continuar a viver? Protestou, dizendo ter sido vítima de “preconceito etário”, e dali para a frente cresceu nele a vontade de decidir quando e como terminar seus dias. “Não, eu não estou feliz, eu quero morrer. Isso não é particularmente triste. O triste é ser impedido de fazê-lo”, dizia com frequência. A porta de saída escolhida foi a Suíça por ser um país de longa experiência nesse campo. Desde 1942 os suíços autorizam o suicídio assistido, em que o próprio voluntário ingere o remédio fatal. Trata-se de recurso diferente da eutanásia, na qual os médicos é que aceleram artificialmente a morte de um paciente.

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O cientista deixou um testamento, em que oferece seus órgãos para estudos de medicina. Pediu que não houvesse enterro nem nenhum tipo de cerimônia. Pagou o equivalente a pouco mais de 35 000 reais pelo procedimento à clínica Life Cycle (Ciclo da Vida). Goodall faz parte, agora, de uma estatística curiosa — dos 175 suicídios assistidos realizados entre 2012 e 2015 na Suíça, 115 foram de mulheres. A grande maioria tinha entre 60 e 89 anos. O Brasil proíbe as duas modalidades, tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia.

Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582

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