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O triângulo da esquerda

Fidel, Chávez, Lula — e os corações e as mentes de um continente

Por André Lahóz Mendonça de Barros
Atualizado em 13 abr 2018, 06h00 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00

“Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba segue seu caminho e eu fico onde estou. Cuba não ganhou nenhuma heroica batalha fuzilando esses três homens, mas sim perdeu minha confiança, fraudou minhas esperanças, destruiu minhas ilusões. Até aqui cheguei.” Foi com essa curta mensagem que o escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura de 1998, comunicou o seu rompimento com o governo Fidel Castro, pondo fim a décadas de apoio. Isso ocorreu em 2003, após a morte de três cubanos que haviam sequestrado uma lancha e tentado partir para os Estados Unidos. Acabaram presos e executados em apenas duas semanas: é assim o respeito ao processo legal nas ditaduras.

Por que um dia decidimos dar um basta é matéria para a psicologia, não para uma coluna de economia. As estimativas situam entre 4 000 e 17 000 o número de fuzilamentos pelo regime de Fidel. Em comparação com o tamanho da população, é a ditadura mais sanguinária de um continente pródigo em ditaduras. Só Saramago poderia explicar por que aquelas três mortes lhe pareceram insuportáveis. Aliás, nem tanto assim: logo depois ele relativizaria a crítica, negando que tivesse retirado seu apoio à ilha.

Cuba está às vésperas de uma transição: o general Raúl Castro deve finalmente passar o bastão. Ele comanda o país oficialmente desde 2008, quando seu irmão permitiu sua ascensão. A justificativa de Fidel foi uma daquelas piadas involuntárias: após quase cinquenta anos, deixou a cena dizendo não ter apego ao poder. Cuba então se segurava com a ajuda da Venezuela de Hugo Chávez, enriquecida pelo petróleo em pleno superciclo de commodities. Chávez era, depois de Fidel, a estrela maior da esquerda latino-­americana: no Brasil de Lula, era recebido como herói.
No começo deste mês, a revista esquerdista francesa Les Temps Modernes, criada por ninguém menos que Jean-­Paul Sartre e Simone de Beauvoir, dois medalhões da intelectualidade do século XX, achou que era hora de romper com o chavismo. A revista nota que a promessa de transformação social foi totalmente frustrada. A parcela mais pobre da população está pagando a conta de uma economia em frangalhos. Pior: a Venezuela caminha para o autoritarismo. São quase vinte anos de revolução bolivariana a destroçar o país, sob o aplauso entusiasmado dos cientistas sociais. Mas agora isso tudo cansou.

Lula, a terceira ponta desse triângulo, acaba de viver o que para muitos foi seu último ato. Cercado pelo que resta de militância, disse que seria agora uma ideia — algo impossível de prender. O PT prega a resistência ao “golpe”. Diz ver risco de vida para o ex-presidente, um “preso político”. Ciro Gomes já chegou a sugerir o sequestro de Lula e sua entrega a uma embaixada amiga. Nesse mundo paralelo, estamos de volta à ditadura. Aqui e ali, porém, já começou o desembarque: vozes mais lúcidas parecem querer retornar à realidade. Essa dispu­ta de narrativas será decisiva na campanha eleitoral — quanto mais tempo perdermos discutindo o “golpe”, menos tempo sobrará para falar sobre como reerguer o Brasil.

Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578

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