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O titã de Wall Street

Presidente do JP Morgan Chase, Jamie Dimon diz que cidadãos estão certos em não aceitar que dinheiro público seja usado para cobrir quebra de instituições

Por Giuliano Guandalini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 nov 2017, 06h00 - Publicado em 10 nov 2017, 06h00

Nascido em Nova York, filho de uma família de imigrantes gregos, Jamie Dimon estudou psicologia e economia, antes de seguir os passos do pai, um ex-executivo da American Express, no setor financeiro. Fez MBA na Harvard Business School e iniciou a carreira profissional em Wall Street. Primeiro na American Express e depois em alguns dos principais bancos americanos, até assumir o comando do JP Morgan Chase, em 2005. O banco é hoje o maior dos Estados Unidos e o sexto maior do mundo, com 2,5 trilhões de dólares em ativos. A instituição financeira alcançou o topo depois de ter sido uma das menos atingidas pela crise de 2008. Com sua obsessão pela administração de riscos, ele foi apontado como o grande responsável pela solidez do banco durante o crash dos mercados. Casado com uma colega de Harvard, Dimon, 61, tem três filhas. Na próxima semana, o executivo estará no Brasil, para reuniões com clientes do banco. Antes da viagem, aceitou responder a VEJA, por e-mail, as seguintes questões.

Uma década após a crise financeira mais severa em oitenta anos, a economia mundial avança novamente com mais desenvoltura. Quais as perspectivas para o próximo ano? Todas as principais economias mundiais, incluindo os mercados emergentes, estão de fato crescendo, algo que não acontecia fazia uma década. Nos Estados Unidos, um ritmo de 3% parece ser sustentável, desde que haja progresso nas reformas tributárias e regulatórias. Com relação ao Brasil, esperamos um crescimento de 2,3% em 2018, mas também desde que algumas reformas prosperem. Os bancos centrais começaram a reverter as políticas de expansão monetária, mas isso só poderá ser feito com um ambiente econômico saudável.

 Com os juros historicamente baixos, as bolsas batem recordes em vários países. Muitos analistas acreditam que existe o risco de bolhas especulativas estourarem. É algo que ameaça a retomada mundial? Os mercados sobem e descem. Não estou particularmente preocupado no momento com eventuais bolhas. A economia americana está robusta, as empresas dispõem de capital e a qualidade do crédito é excelente. A normalização nas taxas de juros é algo amplamente previsto, então não deve pegar ninguém de surpresa nos mercados.

 Muitos apontam  um eventual conflito na Coreia do Norte como uma ameaça para a economia mundial. É algo a temer? Não vou menosprezar as consequências de conflitos e outros riscos geopolíticos, mas essas são ameaças sempre presentes. A verdade é que, historicamente, a maior parte dos conflitos geopolíticos não trouxe impactos significativos para a economia.

 Na crise financeira de 2008 e 2009, houve uma revolta da opinião pública contra os bancos — sobretudo pelo fato de boa parte deles ter sido salva com dinheiro público. Como evoluiu a questão da regulação financeira desde então? Os cidadãos têm todo o direito de exigir que, se um grande banco entrar em colapso, os contribuintes não paguem por isso e também que a falência não atinja a economia indevidamente. Do meu ponto de vista, essas demandas foram contempladas com as reformas feitas nos últimos anos.

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Por quê? O sistema financeiro é mais seguro atualmente, por causa das exigências mais elevadas de capital e liquidez, há mais transparência nas operações, a fiscalização foi aprimorada. Diminuiu o risco de falência de um grande banco, e, se isso vier a ocorrer, não causará um efeito dominó sobre outros bancos e toda a economia, como foi o caso em 2008. Agora as instituições financeiras possuem também um interesse intrínseco na segurança do sistema, porque, se houver alguma falha, todos os bancos terão de desembolsar dinheiro para financiar o prejuízo. Foi criado um fundo para cobrir eventuais falências ou perdas de capital. Não podemos nos esquecer de que, para qualquer economia ser bem-sucedida, é essencial a existência de um setor financeiro saudável.

 Há um sentimento de profundo descontentamento daqueles indivíduos chamados de “perdedores” em decorrência da globalização e do florescimento das novas tecnologias. Regiões inteiras nos Estados Unidos entraram em decadência social. Qual sua avaliação? Muitas pessoas e comunidades inteiras, não apenas nos Estados Unidos, enfrentam desafios expressivos e por vezes dolorosos. Ao mesmo tempo, é importante reconhecer que o mundo, como um todo, nunca esteve tão bem. A expectativa de vida aumentou, há menos guerras, temos um maior número de nações democráticas. A riqueza disponível nunca foi tão grande. O desenvolvimento, contudo, não é distribuído de maneira equânime. Na sociedade americana, pesquisas revelaram que ficou mais difícil atingir cargos no topo dos rendimentos de uma companhia. A probabilidade de uma pessoa ascender a uma posição entre os salários mais elevados, depois de ter iniciado a carreira em um cargo de renda mediana, diminuiu 20% desde os anos 1980. Existe um sentimento de frustração devido à falta de oportunidades e à queda na renda — e essas pessoas estão cobertas de razão. A frustração leva ao desencanto com o livre-comércio, com a globalização e até mesmo com o setor privado.

 O que pode ser feito? Para reverter essa situação, precisamos de um esforço coletivo: as empresas, as escolas e os governos têm de trabalhar melhor. Precisamos de soluções inspiradas nas melhores práticas. As empresas devem atuar ao lado das faculdades e das escolas no sentido de preparar as pessoas para bons empregos, com um salário decente. Mantemos parcerias com algumas instituições de ensino, como é o caso do Senai, no Brasil. Nesse programa, formaram-se 170 jovens na áreas de tecnologia e praticamente todos estão empregados. Uma nova turma acaba de iniciar as aulas.

 Repercutiram bastante as suas declarações de que o bitcoin seria uma “fraude”. O senhor considera que as criptomoedas, as moedas virtuais como o bitcoin, representam uma ameaça para o sistema financeiro? Criptomoedas que não sejam reguladas por um governo ou por um banco central não podem sobreviver no mundo regulado. Não estou dizendo que não haja futuro para essas moedas; estou dizendo que o dinheiro precisa ser regulado. Isso posto, acredito que a tecnologia subjacente dessas moedas, o blockchain (a plataforma digital de transações), seja uma boa tecnologia. Espero que os bancos possam concretizar parcerias para fazer com que as transferências internacionais de recursos sejam mais rápidas e seguras, e que tenham menos custos. Atualmente, essas operações podem levar semanas, porque existe uma série de checagens de informações, como nomes e endereços. Com o blockchain, o sistema pode realizar a checagem de informações e corrigir erros em questão de segundos. O blockchain também pode ser usado para operações de empréstimos, que, atualmente, são realizadas por meio de processos lentos, detalhados.

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 Como o setor financeiro tem se adaptado às novas tecnologias, como a inteligência artificial? Vivemos, sem dúvida, uma época de grandes transformações para todos, e os bancos não são exceção. Estamos apenas começando a tirar proveito das possibilidades desses recursos. O uso da inteligência artificial pura ainda levará algum tempo para se tornar uma realidade em nossas atividades, mas os recursos de big data já são algo comum em nosso dia a dia. As ferramentas de machine learning (aprendizado automático pelas máquinas) oferecem possibilidades na detecção de fraudes e outras questões de segurança, por exemplo. Nossa plataforma é capaz de analisar 12000 contratos em poucos segundos, um trabalho que antes demandava até 360000 horas. No ano passado, lançamos uma ferramenta capaz de analisar as condições do mercado, os dados históricos e a situação financeira dos clientes.

 As novas empresas de tecnologia transformaram o turismo, o entretenimento, o transporte, o comércio. As startups tecnológicas representam uma ameaça para os bancos tradicionais? Vejo a tecnologia como oportunidade, não como ameaça. Nosso orçamento anual para essa área é de 9,5 bilhões de dólares. No último ano, investimos 3 bilhões de dólares apenas em novas iniciativas, o que incluiu parcerias com fintechs (startups da área financeira). Nossa intenção é sempre aprimorar a experiência dos clientes. Processos que atualmente levam semanas poderão ocorrer em minutos. Outro ponto essencial é a segurança contra ataques cibernéticos. No nosso sistema de pagamentos, temos 23 milhões de clientes.

O Brasil foi considerado, até recentemente, um dos países mais promissores do mundo emergente, mas caiu na mais prolongada recessão de sua história. Como recolocar a economia nos trilhos? Acredito que o pior tenha ficado para trás. O governo vem promovendo uma agenda ambiciosa, incluindo reformas favoráveis aos empreendedores, como a trabalhista. Essas iniciativas, aliadas a um sistema jurídico e político estável, uma diversidade de empresas bem administradas, boas universidades, vizinhos pacíficos e uma enorme riqueza natural, são todas elas fatores que oferecem perspectivas muito positivas para o futuro. O Congresso deveria seguir adiante com a agenda de ajustes favoráveis ao crescimento e, assim, ampliar o papel do Brasil tanto na América Latina como no mundo. Reformas são essenciais para tornar o país mais atraente ao capital estrangeiro. Estamos otimistas com relação às oportunidades de longo prazo.

 Richard Thaler, pesquisador da economia comportamental, ganhou recentemente o Nobel. Foi uma lembrança de que as pessoas e os mercados nem sempre funcionam de maneira racional. Como levar isso em consideração na administração de um grande banco e proteger das intempéries o dinheiro dos clientes? Como todos sabem, os mercados não são sempre racionais. Por isso executamos centenas de testes de situações de stress a cada semana e, além disso, mantemos um balanço financeiro robusto. Em algum momento no futuro, haverá uma nova crise. Não sabemos quando ou como, então o melhor a ser feito é administrar a companhia de forma responsável, disciplinada no que diz respeito à exposição a riscos. Dessa maneira, quando uma crise vier, nossos clientes poderão nos ver como um parceiro que não se escusa no pior dos momentos.

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Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2017, edição nº 2556

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