O que acontece agora
Em tese, a prisão do ex-presidente pode ocorrer já nos próximos quarenta dias. Ainda assim, Lula e o PT anunciaram que pretendem insistir na candidatura
Nada poderia ter sido pior para Lula. Ao confirmar sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e aumentar sua pena para doze anos e um mês de prisão, o TRF4 pavimentou o caminho para que ele seja preso e declarado inelegível. E ambas as punições podem ser concretizadas muito mais rapidamente do que os advogados do ex-presidente imaginavam. Como a decisão foi unânime, a defesa perdeu o direito a ingressar com os chamados embargos infringentes, um recurso jurídico que poderia retardar o desfecho do julgamento em até seis meses. Sem eles, restam à defesa de Lula apenas os embargos de declaração, que se limitam a pedir o esclarecimento de pontos eventualmente obscuros ou inconsistentes da sentença. O TRF4 deve analisar esses embargos em quarenta dias. Salvo incidente ou decisão judicial de algum tribunal superior suspendendo o processo, é esse o prazo que, a partir de agora, separa Lula da cadeia. Sempre pode haver algum recurso de última hora, ou uma manifestação jurídica um pouco fora do padrão que venha a salvar Lula do abismo, mas a possibilidade de que ele seja preso nunca foi tão real e nunca esteve tão próxima.
Se acontecer, a prisão de Lula será o mais duro revés sofrido pela esquerda brasileira desde a redemocratização. A derrocada de seu maior líder praticamente sepultará a chance desse grupo político de vencer a próxima corrida presidencial. Caso Lula acabe preso e impedido de disputar a eleição, o PT pretende lançar o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que engatinham nas pesquisas de intenção de voto. Pela decisão do TRF4, o juiz Sergio Moro estará autorizado a mandar Lula para a cadeia tão logo o último recurso apresentado pela defesa seja analisado naquela Corte — prazo que, como se disse acima, tende a se encerrar dentro de uns quarenta dias. Depois disso, Lula passará a cumprir sua pena em regime fechado. A eventual prisão do ex-presidente só será possível porque o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o cumprimento de penas após decisão de segunda instância, em julgamento que deu fôlego à Lava-Jato. Mas hoje, dentro do próprio STF, há quem discorde dessa orientação. De modo que, se a defesa de Lula recorrer ao STF e tiver a sorte de ter sua demanda sobre a mesa de um desses ministros, a prisão dele pode ser revertida.
Mesmo com a confirmação da condenação pelo TRF4, o PT diz que Lula será candidato à Presidência da República. Seguirá, assim, como um fantasma a rondar o cenário eleitoral até o último momento possível (veja o quadro nas páginas 48 e 49). Em nota, o partido afirmou que não vai esmorecer diante do “direito inalienável de votar em Lula para presidente” e não vai aceitar “passivamente que a democracia e a vontade da maioria sejam mais uma vez desrespeitadas”. O PT trabalha com duas possibilidades. A otimista: Lula recorre aos tribunais superiores e, por meio de liminares, consegue se safar da cadeia e disputar a eleição. A pragmática: Lula, enquanto estiver livre, faz campanha pelo país, com o objetivo de alavancar a candidatura de petistas à Câmara e ao Senado. A ideia é mantê-lo como protagonista do processo eleitoral enquanto for possível. O ex-presidente é líder nas pesquisas de intenção de voto e venceria todos os concorrentes num segundo turno. Diante da ratificação de que Lula se corrompeu, ele e os petistas tendem a reforçar o discurso de que são vítimas de uma perseguição orquestrada pelas elites, pela imprensa e pelo mercado. Como de costume, o papel de vítima será explorado à exaustão. Às vésperas do julgamento pelo TRF4, a ex-presidente Dilma Rousseff disse numa manifestação em Porto Alegre que a condenação de Lula seria a continuidade do golpe iniciado com o impeachment dela.
Esse discurso até ecoa em certos convertidos, mas não sensibiliza nem antigos aliados. Pré-candidato do PDT à Presidência, o ex-ministro Ciro Gomes defendeu a absolvição do ex-presidente, mas se recusou a assinar o manifesto cujo lema é “Eleição sem Lula é fraude”. Numa rede social, rechaçou a cantilena de que Lula é alvo de uma perseguição que conta com a participação da Justiça: “Imaginá-lo (o Poder Judiciário) parte orgânica de uma conspiração política ofende a inteligência média do país”. Ciro é um dos potenciais herdeiros do espólio eleitoral de Lula, caso o petista não concorra. A intenção de votos no ex-ministro dobra nos cenários em que Lula não aparece como candidato. A eventual declaração de inelegibilidade do ex-presidente abre uma avenida de oportunidades para quase todos os pré-candidatos. Exemplo: de imediato, já surge uma vaga para a disputa no segundo turno. E ainda: as negociações para a costura de coligações praticamente recomeçam do zero, sem que nenhum presidenciável tenha uma vantagem considerável sobre os rivais.
O PR do mensalão e o PP da Lava-Jato, por exemplo, mantêm conversas com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), sobre alianças na próxima corrida presidencial. Se Lula driblar a inelegibilidade e for candidato, os dois partidos poderão até embarcar na nau do petista. Mandachuva do PR, o mensaleiro Valdemar Costa Neto é antigo parceiro de Lula. Foi um acordo entre os dois que fez do empresário José Alencar, morto em 2011, vice-presidente da República. Foi esse acordo que ajudou a semear o mensalão. “A tendência do PR é apoiar Lula. Se ele não for candidato, fica todo mundo japonês, e aí vamos ver o caminho a seguir”, diz o líder do partido na Câmara, José Rocha. E acrescentou, desdenhando da condenação do ex-presidente por corrupção: “Você conhece algum desses candidatos que não responde a processo? Então, que atire a primeira pedra”. Presidente do PP e alvo de cinco inquéritos no âmbito da Lava-Jato, o senador Ciro Nogueira já fechou uma aliança com o PT no Piauí, onde disputará a eleição. Com ou sem Lula na urna, o senador quer pegar carona na popularidade do petista no estado.
Até no MDB do presidente Michel Temer, que pretende lançar um candidato para defender o seu legado, seja ele qual for, há flertes com Lula. Esses flertes seguirão de vento em popa enquanto existir a possibilidade de o petista concorrer, mesmo que amparado por uma liminar. Diz o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE): “Se meu partido não construir com a minha anuência uma candidatura própria, e se minha coligação não me obrigar a votar em outra candidatura, vou votar no Lula”. Pelo menos dez diretórios estaduais do MDB estão em conversas avançadas com o PT. É o caso de Alagoas, do senador Renan Calheiros. Antes do julgamento pelo TRF4, a Tendências Consultoria, que tem uma agenda quase que diametralmente oposta à do PT, produziu um relatório em que dizia ser provável a candidatura de Lula e não descartava a vitória dele. Distribuído a uma clientela formada por bancos, empresas nacionais e multinacionais, o texto defendia a seguinte ideia: se for candidato, Lula será competitivo.
Um dos motivos seria a queda gradual de sua taxa de rejeição. Segundo o Datafolha, o porcentual passou de 47% para 39% entre abril e dezembro passado. “Houve redução significativa de rejeição a ponto de tornar Lula competitivo no segundo turno”, diz Rafael Cortez, analista político da Tendências. Cortez cita mais dois fatores que explicam a força eleitoral do ex-presidente, apesar da condenação e dos percalços jurídicos que enfrenta. Um deles é a impopularidade de Temer, a quem Lula faz ferrenha oposição. Outro, o chamado paradoxo da corrupção: se aos olhos da sociedade todos são corruptos, a corrupção passa a não ser mais uma variável importante para o eleitor na hora de definir seu voto. Não deixa de ser uma boa explicação para o fato de Lula, PT, congressistas e até consultoria pró-mercado aventarem a possibilidade de um corrupto sentenciado pela Justiça disputar a Presidência.
“Como a condenação de Lula afeta o PT e a esquerda?”
“Os partidos de esquerda não poderão mais continuar sob o guarda-chuva do PT, que encolheu, e vai encolher ainda mais com Lula punido — e possivelmente preso. A tendência é que os partidos tentem perseguir um caminho mais independente do PT.”
Carlos Pereira, professor da FGV-RJ
“Embora a Lava-Jato tenha atingido vários partidos, a esquerda terá um trabalho maior de reconstruir a sua imagem, sobretudo diante de um contexto marcado por uma movimentação da direita que, embora ainda não devidamente institucionalizada, tirou dela o monopólio da mobilização social e do discurso ideológico.”
Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências
“No Brasil, dificilmente outros partidos aceitarão se juntar numa frente de esquerda como aconteceu no Uruguai. O PSOL, por exemplo, surgiu para se diferenciar e se distanciar do PT. No entanto, um Bolsonaro em segundo lugar nas pesquisas pode facilitar a união desse campo.”
Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais do Uruguai
“A esquerda não vai morrer. A tendência de crescimento da desigualdade no mundo, por exemplo, abrirá espaço para propostas desse campo. Mas ela precisa de novos nomes e de uma atualização em questões como a globalização e a flexibilização do mercado de trabalho.”
Ricardo Caldas, professor de ciência política da UnB
“Lula continuará sendo uma referência para a esquerda. Após o mensalão, seu partido sofreu severamente, enquanto ele, não.”
Glauco Peres, professor de ciência política da USP
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2018, edição nº 2567