Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O que acontece agora

Em tese, a prisão do ex-presidente pode ocorrer já nos próximos quarenta dias. Ainda assim, Lula e o PT anunciaram que pretendem insistir na candidatura

Por Daniel Pereira Atualizado em 31 jan 2018, 16h20 - Publicado em 25 jan 2018, 06h00

Nada poderia ter sido pior para Lula. Ao confirmar sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e aumentar sua pena para doze anos e um mês de prisão, o TRF4 pavimentou o caminho para que ele seja preso e declarado inelegível. E ambas as punições podem ser concretizadas muito mais rapidamente do que os advogados do ex-presidente imaginavam. Como a decisão foi unânime, a defesa perdeu o direito a ingressar com os chamados embargos infringentes, um recurso jurídico que poderia retardar o desfecho do julgamento em até seis meses. Sem eles, restam à defesa de Lula apenas os embargos de declaração, que se limitam a pedir o esclarecimento de pontos eventualmente obscuros ou inconsistentes da sentença. O TRF4 deve analisar esses embargos em quarenta dias. Salvo incidente ou decisão judicial de algum tribunal superior suspendendo o processo, é esse o prazo que, a partir de agora, separa Lula da cadeia. Sempre pode haver algum recurso de última hora, ou uma manifestação jurídica um pouco fora do padrão que venha a salvar Lula do abismo, mas a possibilidade de que ele seja preso nunca foi tão real e nunca esteve tão próxima.

Se acontecer, a prisão de Lula será o mais duro revés sofrido pela esquerda brasileira desde a redemocratização. A derrocada de seu maior líder praticamente sepultará a chance desse grupo político de vencer a próxima corrida presidencial. Caso Lula acabe preso e impedido de disputar a eleição, o PT pretende lançar o ex-­prefeito de São Paulo Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que engatinham nas pesquisas de intenção de voto. Pela decisão do TRF4, o juiz Sergio Moro estará autorizado a mandar Lula para a cadeia tão logo o último recurso apresentado pela defesa seja analisado naquela Corte — prazo que, como se disse acima, tende a se encerrar dentro de uns quarenta dias. Depois disso, Lula passará a cumprir sua pena em regime fechado. A eventual prisão do ex-presidente só será possível porque o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o cumprimento de penas após decisão de segunda instância, em julgamento que deu fôlego à Lava-Jato. Mas hoje, dentro do próprio STF, há quem discorde dessa orientação. De modo que, se a defesa de Lula recorrer ao STF e tiver a sorte de ter sua demanda sobre a mesa de um desses ministros, a prisão dele pode ser revertida.

Mesmo com a confirmação da condenação pelo TRF4, o PT diz que Lula será candidato à Presidência da República. Seguirá, assim, como um fantasma a rondar o cenário eleitoral até o último momento possível (veja o quadro nas páginas 48 e 49). Em nota, o partido afirmou que não vai esmorecer diante do “direito inalienável de votar em Lula para presidente” e não vai aceitar “passivamente que a democracia e a vontade da maioria sejam mais uma vez desrespeitadas”. O PT trabalha com duas possibilidades. A otimista: Lula recorre aos tribunais superiores e, por meio de liminares, consegue se safar da cadeia e disputar a eleição. A pragmática: Lula, enquanto estiver livre, faz campanha pelo país, com o objetivo de alavancar a candidatura de petistas à Câmara e ao Senado. A ideia é mantê-lo como protagonista do processo eleitoral enquanto for possível. O ex-presidente é líder nas pesquisas de intenção de voto e venceria todos os concorrentes num segundo turno. Diante da ratificação de que Lula se corrompeu, ele e os petistas tendem a reforçar o discurso de que são vítimas de uma perseguição orquestrada pelas elites, pela imprensa e pelo mercado. Como de costume, o papel de vítima será explorado à exaustão. Às vésperas do julgamento pelo TRF4, a ex-presidente Dilma Rousseff disse numa manifestação em Porto Alegre que a condenação de Lula seria a continuidade do golpe iniciado com o impeachment dela.

Esse discurso até ecoa em certos convertidos, mas não sensibiliza nem antigos aliados. Pré-­candidato do PDT à Presidência, o ex-ministro Ciro Gomes defendeu a absolvição do ex-presidente, mas se recusou a assinar o manifesto cujo lema é “Eleição sem Lula é fraude”. Numa rede social, rechaçou a cantilena de que Lula é alvo de uma perseguição que conta com a participação da Justiça: “Imaginá-lo (o Poder Judiciário) parte orgânica de uma conspiração política ofende a inteligência média do país”. Ciro é um dos potenciais herdeiros do espólio eleitoral de Lula, caso o petista não concorra. A intenção de votos no ex-ministro dobra nos cenários em que Lula não aparece como candidato. A eventual declaração de inelegibilidade do ex-presidente abre uma avenida de oportunidades para quase todos os pré-candidatos. Exemplo: de imediato, já surge uma vaga para a disputa no segundo turno. E ainda: as negociações para a costura de coligações praticamente recomeçam do zero, sem que nenhum presidenciável tenha uma vantagem considerável sobre os rivais.

Continua após a publicidade

O PR do mensalão e o PP da Lava-Jato, por exemplo, mantêm conversas com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), sobre alianças na próxima corrida presidencial. Se Lula driblar a inelegibilidade e for candidato, os dois partidos poderão até embarcar na nau do petista. Mandachuva do PR, o mensaleiro Valdemar Costa Neto é antigo parceiro de Lula. Foi um acordo entre os dois que fez do empresário José Alencar, morto em 2011, vice-presidente da República. Foi esse acordo que ajudou a semear o mensalão. “A tendência do PR é apoiar Lula. Se ele não for candidato, fica todo mundo japonês, e aí vamos ver o caminho a seguir”, diz o líder do partido na Câmara, José Rocha. E acrescentou, desdenhando da condenação do ex-presidente por corrupção: “Você conhece algum desses candidatos que não responde a processo? Então, que atire a primeira pedra”. Presidente do PP e alvo de cinco inquéritos no âmbito da Lava-Jato, o senador Ciro Nogueira já fechou uma aliança com o PT no Piauí, onde disputará a eleição. Com ou sem Lula na urna, o senador quer pegar carona na popularidade do petista no estado.

Até no MDB do presidente Michel Temer, que pretende lançar um candidato para defender o seu legado, seja ele qual for, há flertes com Lula. Esses flertes seguirão de vento em popa enquanto existir a possibilidade de o petista concorrer, mesmo que amparado por uma liminar. Diz o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE): “Se meu partido não construir com a minha anuência uma candidatura própria, e se minha coligação não me obrigar a votar em outra candidatura, vou votar no Lula”. Pelo menos dez diretórios estaduais do MDB estão em conversas avançadas com o PT. É o caso de Alagoas, do senador Renan Calheiros. Antes do julgamento pelo TRF4, a Tendências Consultoria, que tem uma agenda quase que diametralmente oposta à do PT, produziu um relatório em que dizia ser provável a candidatura de Lula e não descartava a vitória dele. Distribuído a uma clientela formada por bancos, empresas nacionais e multinacionais, o texto defendia a seguinte ideia: se for candidato, Lula será competitivo.

Um dos motivos seria a queda gradual de sua taxa de rejeição. Segundo o Datafolha, o porcentual passou de 47% para 39% entre abril e dezembro passado. “Houve redução significativa de rejeição a ponto de tornar Lula competitivo no segundo turno”, diz Rafael Cortez, analista político da Tendências. Cortez cita mais dois fatores que explicam a força eleitoral do ex-presidente, apesar da condenação e dos percalços jurídicos que enfrenta. Um deles é a impopularidade de Temer, a quem Lula faz ferrenha oposição. Outro, o chamado paradoxo da corrupção: se aos olhos da sociedade todos são corruptos, a corrupção passa a não ser mais uma variável importante para o eleitor na hora de definir seu voto. Não deixa de ser uma boa explicação para o fato de Lula, PT, congressistas e até consultoria pró-mercado aventarem a possibilidade de um corrupto sentenciado pela Justiça disputar a Presidência.


“Como a condenação de Lula afeta o PT e a esquerda?”

“Os partidos de esquerda não poderão mais continuar sob o guarda-chuva do PT, que encolheu, e vai encolher ainda mais com Lula punido — e possivelmente preso. A tendência é que os partidos tentem perseguir um caminho mais independente do PT.”

Carlos Pereira, professor da FGV-RJ

“Embora a Lava-Jato tenha atingido vários partidos, a esquerda terá um trabalho maior de reconstruir a sua imagem, sobretudo diante de um contexto marcado por uma movimentação da direita que, embora ainda não devidamente institucionalizada, tirou dela o monopólio da mobilização social e do discurso ideológico.”

Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências
Continua após a publicidade

“No Brasil, dificilmente outros partidos aceitarão se juntar numa frente de esquerda como aconteceu no Uruguai. O PSOL, por exemplo, surgiu para se diferenciar e se distanciar do PT. No entanto, um Bolsonaro em segundo lugar nas pesquisas pode facilitar a união desse campo.”

Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais do Uruguai

“A esquerda não vai morrer. A tendência de crescimento da desigualdade no mundo, por exemplo, abrirá espaço para propostas desse campo. Mas ela precisa de novos nomes e de uma atualização em questões como a globalização e a flexibilização do mercado de trabalho.”

Ricardo Caldas, professor de ciência política da UnB

“Lula continuará sendo uma referência para a esquerda. Após o mensalão, seu partido sofreu severamente, enquanto ele, não.”

Glauco Peres, professor de ciência política da USP

Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2018, edição nº 2567

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.