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O príncipe e a atriz

Harry dificilmente ocupará o trono britânico, mas o anúncio de seu noivado com uma americana de ascendência africana é um divisor de águas

Por Duda Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Johanna Nublat Atualizado em 1 dez 2017, 06h00 - Publicado em 1 dez 2017, 06h00

“Elas provavelmente teriam sido melhores amigas”, disse o príncipe Harry, do Reino Unido, na segunda-feira 27. Referia-se à sua namorada, a atriz americana Rachel Meghan Markle, de ascendência africana, e à sua mãe, a princesa Diana, morta em um acidente de carro em Paris, em 1997, aos 36 anos, a mesma idade que Meghan tem hoje. Harry, que fez o comentário no dia em que foi anunciado que ficará noivo da americana plebeia, tenta se adequar a uma tendência recente na Casa de Windsor, a dinastia à qual ele pertence: a de diminuir a distância entre os membros da monarquia e seus súditos, sem descer do trono nem desfazer o encanto e o glamour que envolvem a vida palaciana. Em suma, a realeza britânica tenta mostrar, controladamente, seu lado mais humano, gente como a gente.

O futuro casal representa a diversidade e a complexidade que a sociedade britânica adquiriu nos últimos anos. Além de estrangeira, Meghan é divorciada (foi casada durante dois anos com um produtor de cinema), católica (ela terá de ser batizada na Igreja Anglicana), feminista e, para horror dos súditos racistas, mulata (ou “metade negra”, como ela se define). Sua mãe, a professora de ioga em Los Angeles e assistente social Doria Rad­lan, é negra, e seu pai, o diretor de iluminação aposentado Thomas Markle, é branco. Eles se separaram quando Meghan tinha 6 anos. Ela diz que sofreu, mas também aprendeu muito, com o preconceito que enfrentou por ter nascido em uma família miscigenada, algo menos comum nos Estados Unidos do que no Brasil. Chegou a acontecer, por exemplo, de acharem que sua mãe era, na realidade, sua babá. Quando seu namoro se tornou público, em novembro do ano passado, a jovem virou alvo dos tabloides ingleses. Um deles, o The Sun, afirmou que ela estava em uma plataforma de vídeos pornográficos. A realeza condenou os ataques em uma nota oficial, considerando-os uma mistura de sexismo, racismo e difamação. “É claro que é desanimador. Mas eu realmente tenho orgulho de ser quem sou e de vir de onde eu venho, e nunca nos importamos com isso”, disse a atriz, que é muito bem articulada quando fala.

A futura duquesa de Sussex, título que Meghan ganhará após o casamento, formou-se em teatro e relações internacionais pela Universidade North­western, no Estado de Illinois, e morou alguns meses em Buenos Aires como estagiária da embaixada americana. Ao retornar aos Estados Unidos, fez sua primeira aparição na TV na série General Hospital, da qual o seu pai era diretor de iluminação. Seu papel mais conhecido é como uma advogada na série Suits, disponível na Net­flix. Meghan e Harry se conheceram em um “encontro às cegas” armado por uma amiga em comum, a estilista Misha Nonoo. “Soube que era ela desde o primeiro momento em que nos vimos”, disse o príncipe, declarando amor à primeira vista. Um mês depois, os dois foram fazer um acampamento romântico em Botsuana, na África. Harry nunca tinha visto Suits e Meghan jura que pouco sabia sobre a monarquia britânica. No dia do anúncio do noivado, ela exibia a aliança que o próprio Harry desenhou e que contém três diamantes. Dois deles pertenceram a Diana.

Social – A mãe de Meghan, Doria Radlan: em visita a uma amiga na Califórnia (AKM/GSI/)

“A família real finalmente aceitou que é como nós, com a diferença de ser formada por pessoas com títulos de nobreza”, diz a escritora inglesa Anne Sebba, autora de uma biografia sobre Wallis Warfield Simpson, a americana divorciada que levou o rei Edward VIII a abdicar do trono em 1936, pois, do contrário, não poderiam se casar. As leis mudaram, para felicidade de Harry, Meghan e de todos os britânicos que estão entusiasmados com a novidade. Houve quem dissesse até que Meghan vai “salvar a monarquia”.

O frenesi que cerca o noivado é inversamente proporcional às chances de Harry um dia se tornar rei. Na linha de sucessão ao trono, ele ocupa o quinto lugar, atrás do pai, Charles, do irmão mais velho, William, e dos sobrinhos George e Charlotte. Na verdade, quinto e meio — pois William e sua mulher, Kate Middleton, terão um terceiro filho (ou filha) em abril, um mês antes da provável data do casamento de Harry e Meghan. Harry até já desdenhou da coroa. Em uma entrevista em junho, ele disse que ninguém sonha em assumir o trono: “Tem alguém na família real que queira ser rei ou rainha? Acho que não, mas vamos cumprir nossos deveres”.

Nessa afirmação de Harry reside o significado que o noivado com Meghan assumiu nos últimos dias. A ideia de que a família real deve servir, e não ser servida, é uma marca dos tempos atuais. Desde a Revolução Gloriosa, em 1688, o monarca inglês cedeu seus poderes ao Parlamento. O rei tem o direito de ser consultado, o direito de advertir e o direito de aconselhar, mas jamais o de governar. A realeza sem poder efetivo passou a construir sua legitimidade como fiadora da estabilidade política, como paradigma moral e como defensora das boas causas. Por isso, enquanto William se prepara para ser rei, coube a Harry dedicar-se às questões humanitárias e de inclusão social. Nessa arena, ele é considerado um herdeiro de sua mãe. Diana viajou o mundo para apoiar campanhas contra as minas terrestres e para ajudar pessoas com aids. “A Inglaterra hoje tem uma espécie de monarquia do bem. Harry tem um papel muito visível com caridade, algo que sua noiva deve reforçar”, diz o historiador americano Franklyn Prochaska, da Universidade de Oxford. Desde 2014, Meghan trabalha com a ONU levantando a bandeira da igualdade de gênero. “Estou empolgada em realmente conhecer mais sobre as diferentes comunidades e organizações que estão atuando nas mesmas causas pelas quais fui sempre apaixonada”, disse ela na semana passada.

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Na entrevista que os dois deram logo após o anúncio do noivado, Harry e Meghan anunciaram que pensarão em filhos mais adiante. É sobre a geração de Harry e William que recai muito da responsabilidade pelo futuro da realeza britânica. Como a rainha Elizabeth II já completou 91 anos, é esperado que o pai de Harry, Charles, assuma o trono de Windsor em algum momento. Se hoje a popularidade da monarquia está em 80%, não há nada na personalidade do futuro rei que possa garantir níveis de satisfação tão altos para o reinado seguinte. Esbanjar descendentes bonitos, sinceros, acessíveis e alegres pode ser uma boa estratégia para contentar os súditos no futuro. “Esse noivado ajuda a monarquia porque mostra que seus membros não são reacionários, que são capazes de mudar e aceitam o que é diferente”, diz Stephen Bates, escritor inglês e autor do livro Realeza Inc: a Marca Mais Famosa da Inglaterra. “Com isso, enquanto outras monarquias europeias colapsaram, a britânica continua forte.”

Com reportagem de Luiza Queiroz

Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559

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