Não é à toa que a economia é chamada de “ciência lúgubre”: talvez a mais antipática missão dos economistas seja mandar parar o serviço da bebida exatamente quando a festa começa a ficar boa. Não por chatice crônica nem por deformação de caráter — o que querem evitar é um porre da pesada, como o que agora o Brasil começa a curar.
Ao longo das últimas décadas, quando a teoria moderna se consolidou, evoluiu muito o conhecimento sobre os ciclos econômicos. Esse conceito foi objeto de preocupação de vários medalhões — Schumpeter, Keynes e Friedman são alguns dos que se debruçaram sobre o fenômeno. Houve até um momento, na virada do século, em que os mais afoitos chegaram a sugerir o nascimento de uma Nova Economia. A tecnologia da informação, diziam, teria um impacto tão positivo que o crescimento se sustentaria para sempre. Hoje o consenso é mais realista: cabe à (boa) política econômica suavizar os inevitáveis movimentos de alta e baixa. Conforme os governos foram aprendendo o que fazer, os ciclos se tornaram menos agudos — na amplitude e na duração. Recessões fazem parte da vida, mas serão menos duras se os excessos forem evitados na hora certa.
Não deixa de surpreender que sejam os Estados Unidos, a meca da pesquisa de ponta, a cometer o que parece ser uma perigosa ousadia no manejo da maior economia do mundo. Em dezembro, o Congresso americano aprovou uma reforma tributária defendida pela Casa Branca com um coquetel açucarado para as empresas: as alíquotas do imposto de renda corporativo caíram de 35% para 21%. A mudança se dá num momento em que as companhias estão apresentando bons lucros nos balanços e deixaram para trás a fase dura de ajuste à crise de 2008. O presidente Donald Trump também propõe no Orçamento que acaba de apresentar ao Congresso o aumento de gastos militares e a injeção de dinheiro na infraestrutura — ele ainda quer o muro na fronteira mexicana. A política expansionista deve acrescentar quase 1 trilhão de dólares ao déficit anual dos Estados Unidos. Em dez anos, as propostas de Trump somariam 7 trilhões à dívida de 20 trilhões de dólares. O governo diz que os estímulos ajudarão as empresas a investir e a crescer — o corte no imposto retornaria com a arrecadação adicional. A ver. O certo é que o estímulo chega numa fase de alta do ciclo econômico, após anos de crescimento de razoável a bom, desemprego baixo e ações em recorde histórico, apesar do solavanco recente. A ciência e a prudência recomendariam o oposto. Aliás, bastou um único dado indicando uma alta mais forte dos salários para levar pânico às bolsas do mundo todo no início do mês. Há um desconforto crescente nos mercados — curiosamente, num período positivo da economia internacional.
Nem o mais experiente dos analistas tem certeza de quando virá a próxima crise — só depois que ela passa é que um punhado deles se notabiliza por tê-la enxergado antes. Ninguém sabe quanto ainda vai durar, mas a festa está ficando animada na maior nação do mundo. E Trump acaba de providenciar mais umas caixas de bebida.
Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2018, edição nº 2570