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O Facebook e as eleições

Na contramão do mundo, Brasil não tem uma lei de proteção de dados nas redes

Por Carlos Affonso Souza*
Atualizado em 20 abr 2018, 06h00 - Publicado em 20 abr 2018, 06h00

Você pode não se lembrar, mas em 2011, quando a Primavera Árabe parecia desafiar antigos regimes no Oriente Médio e no norte da África, muito se falou sobre o papel das redes sociais na organização dos movimentos nacionais. Eram tempos em que as redes sociais construíam democracias.

Pano rápido para 2018 e um Mark Zuckerberg de terno comparece a audiências no Congresso americano para explicar como funciona a maior rede social e como dados de milhões de pessoas foram usados para manipular a votação em eleições em algumas das maiores democracias do mundo. O que mudou?

Por mais que a internet faça parte do nosso dia a dia, e que muito do nosso tempo seja despendido nas redes sociais, a engrenagem que move as plataformas ainda passa despercebida. É preciso saber como a publicidade customizada é gerada a partir da coleta e do tratamento intensivo de dados pessoais dos usuários das redes. A frase é conhecida: se você não está pagando por um produto ou serviço, é grande a possibilidade de você ser o produto.

O incidente que envolveu a empresa Cambridge Analytica talvez sirva então como a campainha do despertador que acorda o mundo para um entendimento sobre a chamada economia de dados. O supervisor europeu para proteção de dados, Giovanni Buttarelli, referiu-se ao caso como o “escândalo do século”. Como mudar esse cenário?

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Em editorial publicado no jornal The New York Times, Jonathan Zittrain, professor da Harvard, afirmou que a mudança depende de uma postura ativa do Facebook em fazer valer a ideia de que os usuários têm controle de suas informações. Do modo como opera hoje, a rede social exige um grande esforço dos usuários para entender o básico sobre os regimes de coleta e tratamento de dados pessoais.

Tomando o incidente com a empresa Cambridge Analytica como exemplo, tudo começou com um teste de personalidade. Testes como esse, que se multiplicam nas redes sociais, são aplicativos desenvolvidos por terceiros e que rodam na plataforma. Toda vez que você topa fazer um deles, novas permissões são concedidas a outras empresas para que tenham acesso aos seus dados.

Responda rápido: qual foi a última vez que você revisou os aplicativos e as autorizações que deu a eles nas redes sociais? Ao ir ao campo de configurações do Facebook e buscar pelos seus apps, existe grande probabilidade de você se surpreender com o que baixou e nem se lembrava. Esses apps até hoje estão coletando dados que você autorizou no passado.

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Algumas das mudanças anunciadas pelo Facebook em decorrência do incidente de privacidade são a implementação de um acesso mais fácil ao painel de controle de apps e a restrição sobre quanto tempo aplicativos não usados podem continuar a coletar dados. Elas são um passo adiante, mas, especialmente no que diz respeito à propaganda eleitoral, é preciso fazer mais.

O Brasil vive um ano eleitoral e, como esperado, esta será a mais digital das eleições. Em preparação para o pleito de 2018, o TSE editou uma série de novas regras para a propaganda na internet, incluindo a possibilidade de impulsionamento de campanhas, o direito de resposta e a remoção de conteúdos. Mas serão essas mudanças suficientes?

Após as audiências no Congresso americano, discute-se se uma nova regulação das redes sociais seria necessária. É preciso, lembraram vários congressistas, ter mais transparência na coleta e no tratamento de dados. O Brasil ocupa uma posição singular nesse debate regulatório. E essa não é uma boa notícia. Ao contrário do que ocorre em mais de 100 países mundo afora, o Brasil ainda não tem uma lei geral de proteção de dados. Embora informações pessoais sejam protegidas pela Constituição, pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Marco Civil da Internet, falta ao país aprovar uma lei que trate de temas fundamentais sobre a tutela de dados.

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Os temas que deveriam ser abordados em uma lei geral de dados pessoais incluem: (I) regras para a coleta, armazenamento e tratamento de dados; (II) o regime para a transferência internacional de dados; (III) a responsabilidade em casos de vazamentos; e (IV) a criação de uma autoridade que possa fiscalizar a proteção de dados no país.

Existem dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre o tema da proteção de dados: o projeto 5276/2016, na Câmara dos Deputados, e o projeto 330/2013, no Senado. A aprovação de uma lei nesse sentido seria o primeiro passo para garantir que o tratamento de dados pelas redes sociais tenha uma disciplina completa.

O Marco Civil traz disposições importantes sobre o assunto, como a exigência de que a coleta de dados pessoais seja feita com o consentimento do seu titular e que as informações obtidas apenas possam ser usadas de acordo com a finalidade declarada. Ou seja, se eu autorizei a coleta de dados para um teste de personalidade, eles não podem ser utilizados para marketing político.

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O caso da Cambridge Analytica pode acordar o mundo para um entendimento sobre a economia de dados

Para completar a equação, e de olho nas eleições de 2018, vale lembrar que, segundo divulgado pelo Facebook, cerca de 443 000 usuários brasileiros tiveram os seus dados afetados no incidente de privacidade envolvendo a empresa Cambridge Analytica. A ausência de uma lei geral de dados não apenas reduz a proteção desses usuários, como dá margem especular que eles seriam alvo das chamadas fake news.

A lei de proteção de dados resolve uma parte do problema, mas o combate às notícias falsas demanda medidas adicionais que vão além do direito e do impulso por simplesmente criminalizar a conduta. É preciso observar fatores econômicos, sociais e tecnológicos.

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Sobre a economia das notícias falsas, vale investigar o modelo de negócio das fake news e como impedir que quem produz esse conteúdo continue a ser remunerado. Ao olhar para a sociedade, considerações sobre media literacy (alfabetização midiática) e como as pessoas entendem o que leem na rede chamam atenção.

Por fim, o aspecto tecnológico não pode ser esquecido. Já existem ferramentas em português que identificam se um perfil de rede social é um robô (dê uma olhada no pegabot.com.br). As plataformas estão trabalhando para reconhecer notícias falsas em parceria com entidades de checagem de fatos.

Tudo isso será posto à prova no segundo semestre de 2018. É bom estarmos preparados — a eleição virá de zap.

* Carlos Affonso Souza é professor da Faculdade de Direito da Uerj e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio)

Publicado em VEJA de 25 de abril de 2018, edição nº 2579

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