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O circo está armado

Com os partidos de Silvio Berlusconi e Beppe Grillo à frente nas pesquisas para a eleição de março, Roma deve voltar a causar problemas para a Europa

Por Felipe Corazza
Atualizado em 31 jan 2018, 15h39 - Publicado em 12 jan 2018, 06h00

Nas últimas três décadas, a política da Itália oscila como um pêndulo. Numa hora, o governo é comandado por tecnocratas empenhados em pôr as contas em ordem, fazer reformas e zelar por uma economia estável. Noutra, quem assume é uma turma formada por líderes populistas e líderes demagogos, que prometem mais do que podem entregar e tratam o dinheiro público como se fosse de ninguém. Na ordem natural da política italiana, depois de um governo populista, entra em cena um governo reformista, cuja tarefa é arrumar a bagunça que recebeu de herança. Na eleição de 4 de março, segundo indicam as pesquisas, a Itália — a terceira maior economia da Europa continental — está correndo o risco de voltar à folia populista.

Quem lidera a corrida até agora é o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, chefe do Forza Italia, partido da direita populista. Sua coalizão tem 36% das intenções de voto. Berlusconi apresenta-se como “candidato” porque o Forza Italia, numa manifestação mais de deboche do que de qualquer outra coisa, lançou a bandeira “Berlusconi presidente”. Mas ele não é candidato, não pode ser. Está inelegível desde 2013, quando foi condenado por fraude fiscal, e ainda responde a processos por suspeita de corrupção e abuso sexual de menores, por causa das farras nas quais se fazia o hoje mundialmente famoso bunga-bunga.

O ex-premiê e seus colegas convencem os eleitores mais simples ao prometer conter a imigração e instituir um valor mínimo de 1 000 euros para as aposentadorias. O líder da Liga Norte, o segundo partido com mais votos na coalizão de Berlusconi, é ainda mais ousado: defendeu na quarta-feira 10 o fim da obrigatoriedade das vacinas médicas. “Berlusconi sempre conseguiu se manter em contato com uma grande parte do povo italiano. Infelizmente, ele é muito melhor fazendo campanha do que governando o país”, diz o economista italiano Vincenzo Galasso, da Universidade Bocconi, em Milão.

Em disputa com a turma de Berlusconi está o Movimento Cinco Estrelas, uma organização antieuropeia liderada por um comediante, Beppe Grillo. Ele tem 28% dos votos nas pesquisas, concorrendo sozinho, sem nenhuma outra agremiação ao lado. Há uma determinação do partido de não fazer alianças — mas, como se sabe, a limitação pode deixar de vigorar a qualquer hora. O Partido Democrático (PD), de centro­-esquerda, o único que não reza pela cartilha populista, também tem 28% nas pesquisas, mas já somando seus aliados. A chance de superar os 28%, portanto, é remota. O líder do PD é também ex-primeiro-ministro: Matteo Renzi, que deixou o governo em 2016, depois de ser derrotado em um referendo sobre uma reforma constitucional.

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O partido de Grillo, o Movimento Cinco Estrelas, surgiu em 2009 com a promessa de ser horizontal e participativo, com debate de propostas aberto a todos e coleta de doações eleitorais em plataformas on-line. Em oposição ao que Grillo chamava de “políticos profissionais”, o Cinco Estrelas recrutou cidadãos de várias áreas de atuação e prometeu que não manteria em seus quadros quem fosse alvo de investigação judicial. Como as decisões seriam tomadas de maneira participativa e on-­line, o partido carecia de bandeiras definidas. A realidade forçou o Cinco Estrelas a mudar. A tal estrutura horizontal foi substituída por uma pirâmide de comando em que Grillo e o candidato a primeiro-ministro, Luigi Di Maio, têm carta branca. A exigência de ficha limpa também caiu. Desde que uma das estrelas do partido, a prefeita de Roma, Virginia Raggi, foi acusada de abuso de poder e falsidade ideológica, flexibilizou-se a regra.

Apesar de os dois grupos se atracarem o tempo todo, a plataforma de Grillo não está muito distante do programa da turma de Berlusconi. Ambos prometem revogar a reforma da Previdência feita em 2011 e aprovada no ano seguinte. Prometem aumentar o valor de aposentadorias, controlar a imigração e revisar tratados assinados no âmbito da União Europeia (UE). Tanto Grillo quanto Berlusconi defendem restrições ao poder dos órgãos de decisão da UE sobre as nações, apesar de terem recuado, ao menos publicamente, da ideia de realizar um referendo para retirar o país da zona do euro. “A questão essencial desta eleição é se a Itália conseguirá produzir um governo que aceite as políticas da UE ou simplesmente explodirá tudo”, diz o cientista político inglês David Hine, da Universidade Oxford, autor do livro Governando a Itália. Com a agenda dos dois populistas, Grillo e Berlusconi, animando a plateia, a Itália ameaça pôr fogo no circo da Europa neste ano.

Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2018, edição nº 2565

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