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O Brasil e a reconstrução da Síria

O governo quer retomar relações com o regime de Assad

Por Maria Laura Canineu
Atualizado em 27 out 2017, 06h00 - Publicado em 27 out 2017, 06h00

Fatima devia ter 40 anos, mas aparentava o dobro. Quando a conheci, ela caminhava com dificuldade entre as tendas de um campo informal de refugiados de Zahle Maallaqa Arad, no Vale do Beccaa, no Líbano. Com as mãos machucadas, carregava um bebê e guiava outras quatro crianças, sujas e descalças. Fatima e os filhos haviam fugido da catastrófica guerra na Síria e ali estavam fazia mais meses do que podiam contar, entre bicas-d’água vazias e tendas de lona, respirando poeira e fumaça. Os machucados em suas mãos eram mordidas de ratos, dos grandes.

Tenho acompanhado com atenção os impactos da guerra na Síria. Mas na semana passada tive a oportunidade de ver em primeira mão campos lotados de refugiados da guerra e das graves violações de direitos humanos no país. No Líbano, mais de 70% dos refugiados sírios vivem abaixo da linha de pobreza. Não há trabalho nem dinheiro, mas é a incerteza quanto ao futuro que os aflige mais. As autoridades têm limitado as possibilidades de permanência: três quartos do 1,5 milhão de refugiados sírios no país não possuem permissão legal de residência.

No campo que visitei, refugiados vivem com medo de que os proprietários das terras os expulsem a qualquer momento ou, ainda pior, de que as autoridades os mandem de volta para a Síria, para as chamadas “zonas de distensão”. Uma delas, Idlib, vem sendo alvo de ataques aéreos ilegais da aliança Rússia-Síria, que resultaram na morte de civis. Fatima e outros refugiados sentem que essas áreas são tudo, menos seguras. Eles também nos contaram sobre a falta de perspectiva para seus filhos e a sensação de estarem completamente desprovidos dos seus direitos.

Em 2013, o Brasil demonstrou compaixão pelos refugiados sírios ao anunciar uma política, elogiada internacionalmente, de “portas abertas” e emitir milhares de vistos humanitários para homens, mulheres e crianças que fugiam da guerra. No voo do Oriente Médio de volta para casa, eu me surpreendi com a notícia de que o Brasil planeja retomar a presença diplomática em Damasco, capital da Síria. Desta vez, no entanto, a compaixão não parece ser o principal motivo da decisão. Um artigo em uma publicação americana relatou que o governo está em busca de contratos lucrativos para empresas brasileiras reconstruírem o país quando a guerra acabar.

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O foco primário nos potenciais novos negócios para retomar as relações diplomáticas com a Síria parece ignorar o sofrimento que Assad infligiu à população, que levou justamente aos campos de refugiados como Zahle Maallaqa Arad, às mãos feridas de Fatima e à pior crise migratória desde a II Guerra Mundial. É legítimo pensar em maneiras de recuperar nossa economia — e também a da Síria. No entanto, o Brasil deveria usar sua influência para ajudar a aliviar o imenso sofrimento dos refugiados, dos deslocados internos e de outros afetados pela guerra, e promover uma reconstrução que priorize direitos, proteção e a responsabilização por abusos, e que não permita ou implique apoio a novas violações.

Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2017, edição nº 2554

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